Se na anterior entrega desta série nos debruçámos sobre os diferentes conceitos de cultura e sobre os contornos dumha literatura galega independentista, parece que é no âmbito musical onde podemos encontrar vieiros para continuar a nossa indagaçom de maneira mais produtiva, dados os nulos ou escassos argumentos que nos permitem sequer imaginar a existência dumhas artes plásticas, cénicas ou cinematográficas independentistas.
Apesar dos estragos produzidos pola hegemonia cultural espanhola nas perceçons sobre a música tradicional galega, parece claro que este conjunto continua a estar integrado dumha maneira ou outra no acervo cultural independentista. Essa integraçom dá-se na atualidade especialmente através das releituras feministas que nos oferecem, em diferentes registos e entre bastantes outras propostas, Mercedes Peón, as Habelas Hainas ou as Punkiereteiras, mas também na abertura à hibridaçom com músicas contemporâneas em que a própria Peón, Mónica de Nut ou o agora inativo Projeto Trépia marcárom tendência.
No entanto, só figuras como a de Suso Vaamonde ou Miro Casabella, alguns hinos de Voces Ceibes ou de Luis Emilio Batallán, ou o compromisso exemplar de Mini e Mero parecem garantir a permanência da cançom de autor na definiçom dumha cultura galega independentista. Atualizaçons contemporâneas do mesmo estilo, como as da muito aclamada Sés, representariam dalgumha maneira a zona comum em que as matrizes nacionalista e independentista se sobreponhem com frequência. Enquanto propostas inclassificáveis como as do Leo i Arremecághona, em solitário ou fazendo parte de projetos como Labregos do Tempo dos Sputniks, dessacralizam a solenidade tam habitual do género para, através da paródia e do sarcasmo sem concessons, introduzir na nossa cena musical as convergências entre independentismo e anarquismo, ou entre cultura popular e letrada, todas peneiradas polos repertórios e as atitudes do punk mais politizado e menos (self-)destroyer.
Foi precisamente no âmbito das músicas urbanas desenvolvidas no mundo anglo-saxônico na segunda metade do século XX – rock, punk e as suas várias versons e derivaçons – onde a cultura independentista encontrou um caldo de cultura mais fértil e propício nas duas últimas décadas. Apesar da importância do rock bravu na cena musical galega, a sua declinaçom em chave independentista foi em geral limitada, e talvez só a podemos reconhecer com mais intensidade quando as bandas do movimento se associam a causas concretas como a tam importante socialmente, naqueles anos 90, das seleçons desportivas galegas. Mas tam significativo como o legado deixado por bandas como Os Diplomáticos de Monte Alto ou, anos mais tarde, no rock de fatura clássica e letras combativas de Zenzar ou Ruxe-Ruxe, foi a importaçom relativamente tardia dos repertórios do chamado Rock Radical Vasco, que permitiu a emergência já quase a cavalo entre os dous séculos de projetos pioneiros como Skacha ou Xenreira, estes últimos muito claramente no ronsel do que Kortatu ou Negu Gorriak representárom para a cultura abertzale. As derivaçons do punk cara ao ska e a calidez do reggae em bandas que figérom bandeira da mestizagem como Nen@s da Revolta (quem ousaria editar hoje “A purga do caciquismo”?) ou cara aos ritmos mais rápidos do oi! ou do hardcore que historicamente representam bandas como Skarmento ou, na atualidade, os Keltoi!, estes últimos muito mais claramente na linha esquerdista e independentista, constituem só algumhas das referências que podem ser mencionadas.
Umha revisom rápida polas bandas mais habitualmente presentes nos eventos musicais de alinhamento independentista parece confirmar que é este âmbito heterogéneo do punk, o ska e o oi! o que mais claramente se reconhece como a zona clássica da música de combate, também do combate independentista, na Galiza. Trajetórias significativas como a de Skárnio, capaz de produzir hinos como “Irmaos” diretamente ligados aos processos do movimento e cujo legado continua vivo em bandas como Liska!, encontram modulaçons diferentes nas propostas musicais mais recorrentes da sociabilidade independentista como Skandalo Gz ou Trapalhada. Enquanto outros estilos que tinham emergido com força na primeira década do século, como a denominada “pachanga”, deixárom em geral poucas amostras dum achegamento ao espaço ideológico arredista, apesar de exceçons como Sacha na Horta, em que a componente feminista é a fundamental.
Neste mesmo abano de estilos, a superaçom da tradicional hegemonia masculina na composiçom das bandas só recentemente, de maneira ainda demasiado tímida e sobretudo em determinadas secçons (voz e ventos), começou a tomar algumha importância, como parece confirmar a conformaçom em 2017 da iniciativa Mulleres Galegas Kañeras, à partida mais centrada nos registos do rock, do heavy e do metal. O mesmo dinamismo podemos observar no que di respeito à língua de expressom, dado que aproximaçons mais coerentes cara ao galego como as de Dakidarria permitem a integraçom da luita nacional nos seus repertórios, após a interessante projeçom anterior da banda em todo o estado cantando maioritariamente em espanhol.
A configuraçom nas últimas décadas do hip-hop como o género musical que dá voz a determinados repertórios da contestaçom política nom nos permite ignora-lo, com alguns argumentos, nesta panorâmica incompleta e descontínua (abstenham-se teses, suspendam-se os cânones). Com precedentes escassos na nossa cultura, como o Antón Reixa dos últimos anos do século XX – de quando Reixa “era alguém” e mantinha sintonia musical direta com o Fermín Muguruza mais inconformista –, fôrom talvez os ordenses Dios Ke Te Crew (refundaçom de Ghamberros e 5 Talegos) quem alicerçárom a convergência entre hip-hop e reivindicaçom nacional, habitualmente declinada apenas nas vertentes linguística, cultural, de classe ou anti-repressiva, e só pontualmente na mais frontalmente soberanista.
Desde aqueles primeiros anos de século, o crescimento e diversificaçom do hip-hop galego é impossível de abranger em poucas linhas. Do funcionamento mais horizontal e local do Hip-hop Ateneu na comarca de Compostela até propostas de crescente reconhecimento mesmo internacional como os Ezetaerre, a aproximaçom dos repertórios discursivos da reivindicaçom nacional percebemo-la de maneira mais clara em projetos como os de Rebeliom do Inframundo ou SondaRua. Se olharmos para a temporalidade mais imediata, propostas radicalmente feministas como as de Flow do Toxo ou Menina Arroutada cumprem a necessária missom de despatriarcalizar o género abrangente da palavra dita, rimada e às vezes improvisada. Um género que se foi abrindo na sua própria história a estilos muito diferentes (do funky à eletrónica), mas que na nossa cultura é ainda pouco recetivo à convergência com a regueifa e outras práticas tradicionais de improvisaçom oral, só recentemente desfolclorizadas e integradas nos repertórios dos movimentos sociais críticos.
A consolidaçom da eletrónica como o mais fértil campo de experimentaçom musical na contemporaneidade provocou que várias das trajetórias mencionadas neste artigo se aproximassem sem complexos deste âmbito. Com o protagonismo constante de músicos como Marcos Paino (ex-Xenreira, ex-A Matraca Perversa), projetos musicalmente ecléticos como os já desaparecidos Galegoz ou Le Glamou Grotesque figérom da paródia sociopolítica a sua senha de identidade, com umha afinidade soberanista mais do que testemunhal. Propostas mais recentes como a eletrónica industrial de Das Kapital apostárom na época profunda da última agressom capitalista por um discurso mais atenuado no nacional, mas radicalmente crítico no social.