Além de activista implicado desde a juventude em distintos projectos do movimento galego, Júlio Teixeiro é professor de Filosofia no IES de Becerreá, onde adestra dúzias de moças e moços na disciplina da dialéctica e a oratória. A encenaçom do choque de ideias, mesmo em formato competitivo, é umha realidade ainda bastante desconhecida na Galiza, mas que se mostra umha ferramenta de primeira magnitude no desenvolvimento dum pensamento crítico e no reforço da auto-estima linguística. Júlio conta-nos dumha experiência exitosa que ainda dará muito que falar.
Antes de mergulharmo-nos na área específica na que te especializache, a da oratória, podias comentar às leitoras e leitores qual é a tua experiência docente ? E mais exactamente, que evoluçom observache desde os inícios quanto a usos do galego ?
Tenho exercido como docente em Lugo cidade, em Palas de Rei, e nos últimos anos, em Becerreá, O trabalho docente constitui um lugar privilegiado para a observaçom do processo de assimilaçom do povo galego. Um aspeto fulcral desse processo é a assimilaçom linguística. Se tivesse de resumir a minha experiência a este respeito assinalaria três factos. O primeiro facto: a língua nom é um abstrato, atualiza-se diariamente numha comunidade linguística que se materializa e fai visível em sectores do alunado. Observei desde o primeiro momento, por exemplo, que alunado galego falante em contornos urbanos nom só tem umha atitude lingüística concreta, senom que adoita procurar os seus iguais -outros galegofalantes- para a sua relaçom social. Portanto os direitos linguísticos som direito colectivos que têm um sujeito que é essa comunidade. En segundo lugar, o sistema educativo fai parte essencial dum processo geral de assimilaçom; de facto, reforça claramente as condutas e ideias favorecedoras da assimilaçom. Para darmos um exemplo ilustrativo, em centos do rural, as percentagens mais altas de galegofalantes estám nos primeiros cursos, e as mais baixas, nos cursos de bacharelato. Porquê? Porque o ensino cumpre a sua funçom histórica de espanholizar, e quando o alunado está a piques de deixar o centro, já passou por anos de processo castelhanizador. Por último, a experiência mais desassossegadora do trabalho docente, no atinente à língua, é o ritmo ao que as cousas acontecem. Nom estamos a falar dumha escala histórica, mas dumha escala biográfica. As mudanças acontecem diante dos teus olhos em períodos breves; por exemplo, numha década, podes observar como o alunado completamente galegofalante, dum centro rural, deixa de se-lo num 50%.
Esta queda acelerada de falantes assombra cada dia mais, mas ainda nom damos com a sua causa última. Pensas que se deve ao reforço dalgum elemento espanholizador específico e novidoso, ou continua a velha tendência que começou há séculos ?
É umha velha tendência obviamente, mas os novos factores nom estám de momento revertendo o processo ainda que, hipoteticamente, poderiam. Como fica dito, o sistema educativo é um agente induvidosamente espanholizador. Aliás, as novas formas de comunicaçom ‑que poderiam compensar em certa medida esta tendência‑ nom estám a ser, de momento, positivas. Neste ponto, a oratória, deveria ser umha ferramenta decisiva para intervir neste dramático processo do que falamos.
Tens expressado publicamente que o ensino favorece as competências escritas e despreza as orais ? A que se deve isto ? Como incide na saúde da língua ?
É certo, trata-se dum fenômeno que faz parte da tradiçom na que se insere o sistema educativo na Galiza. Incide de jeito mui relevante; de facto, nom ocorre o mesmo com as línguas nom oficiais, nomeadamente o inglês. No ensino do inglês, o peso da expresom oral é progressivamente maior desde já hai anos. No caso da nossa língua, as competências orais dos estudantes nom som avaliadas numha medida comparável. A mensagem é: “nom é preciso falar em galego, é suficiente com demonstrar, por escrito, que conheces quatro cousas da sua gramática”. Destarte, em termos gerais, este esquecimento da dimensom oral da língua reforça a opçom social polo espanhol como língua dominante.
Vaiamos à oratória. Quais som as origens da chamada “oratória competitiva” na Galiza ? Como chega à montanha lucense ? Como chegas tu a ela ?
As primeiras participaçons de equipas galegas em competiçons, universitárias, de oratória tivérom lugar nos primeiros anos do século. Imediatamente depois començam os torneios escolares, em 2008, com a Liga Galega de Debate.
Eu sempre, desde estudante, tivem interesse em tradiçons anglo-saxônicas coma esta. Suponho que seria por isso que, naquela primeira ediçom da Liga Galega de Debate, inscrevemos umha equipa de bacharelato. Fomos finalistas e assim, pouco a pouco, a oratória competitiva botou raízes nesta comarca.
Poderias-nos fazer um repasso do seu formato, das suas citas e principais fitos do teu alunado ?
Na Galiza, polo momento, as competiçons de oratória adoptam o formato do chamado Torneio Acadêmico de Debate. Som torneios que se disputam em várias rondas de debates, cumha fase classificatória, de grupos, e outra eliminatória; como se fai nas competiçons deportivas. Em cada debate enfrentam-se duas equipas, e um júri determina qual das duas debateu melhor segundo uns critérios pré-estabelecidos. O tema de debate, que se conhece semanas antes do torneio, gera duas posiçons contraditórias. Cada equipa tem de defender umha destas posiçons, ainda que nom sabe qual delas até minutos antes do debate.
O nosso centro participa continuadamente em torneios de oratória desde o 2008, com a excepçom de 2010, e durante este período as equipas do liceu ganharom oito torneios a nível nacional, em diversas categorías; sendo, aliás, finalistas ou chegando ás meias finais praticamente todos os anos.
Entendes que umha dinámica competitiva como esta casa bem com o ideal mais cooperativo no que se apostou sempre desde a esquerda?
Certamente esta é umha questom sobre a que se deve refletir, e eu entendo as perspectivas críticas ao respeito. Contudo, interpreto a competiçom como um modelo, ou simulaçom, dos conflitos existentes na sociedade. Neste marco, a cooperaçom torna-se a única opçom para os sujeitos ‑inevitavelmente colectivos- envolvidos num conflito/competiçom.
Qual foi a atitude idiomática do teu alunado nestas competiçons, e que reacçons provoca em outro professorado e alunado alheio à montanha ?
Esta é umha das facetas mais motivadoras para o nosso trabalho educativo. Até agora, o nosso alunado é maioritariamente galegofalante. Neste contexto, o debate de competiçom permite visibilizar o valor da língua e “empoderar” os estudantes que pertencem à comunidade linguística do galego. Por exemplo, nos torneios onde a língua galega é obrigatória para os debates, os rapazes experimentam a sua identidade linguística galega como umha avantagem e isso reforça, enormemente, a sua autoestima pessoal e colectiva. Quando concorrem noutros torneios onde a nossa língua é apenas opcional, vivem o torneio como umha competiçom entre as duas linguas. Em resumo, quando o conflito linguístico é simulado compentitivamente, patenteia-se –graças ao esforço e o compromisso do alunado- o poder da nossa língua e da comunidade que a sustenta.
Falando em termos mais gerais, o movimento galego tem umha grande tradiçom de cultura escrita, mas, com honrosas excepçons, hoje está frouxo em expressom oral e oratória. Concordas nesta observaçom? Como cumpriria superar esta fraqueza ?
Bom… falemos, primeiro, das honrosas excepçons. Por exemplo: a oratória na tradiçom agrarista, desde Basilio Álvarez até Emílio López. Ou a oratória política, desde Suárez Picalho até José Manuel Beiras. A minha imagem de Otero Pedraio é a que recriou Sargadelos, numha das suas figurinhas, erguendo os braços e dirigindo-se ‑com veemência‑ ao povo galego.
Acho que a questom actual para um movimento pequeno e fraco, coma o nosso, é ultrapassar essa excepcionalidade histórica. Neste sentido, a boa notícia é que hoje contamos com os meios para fazer, da oratória e da comunicaçom em geral, um saber normal, habitual e generalizado. Podemos codificá‑lo e transmiti-lo de jeito que nom seja mais um obstáculo importante para os nossa prática política. Esse deve ser o repto.