O geógrafo britânico, autor de “A loucura da razom econômica: Marx e a economia do século XXI” (Boitempo), defende reduzir drasticamente a influência do mercado na sociedade
Que é a “loucura da razom econômica”?
Segundo a análise marxista, o capital é uma forma político-econômica contraditória: promete liberdade e entrega escravidom; promete crescimento e entrega crise e destruiçom. (Karl) Marx expujo essas contradiçons. A maioria dos economistas nom gosta de contradiçons. Eles acreditam que a economia tende a um equilíbrio benéfico, embora forças externas podam perturbá-la. Marx afirma que a economia nom tende ao equilíbrio, mas ao acirramento das contradiçons, o que produz as crises, que som momentos de reconfiguraçom do capitalismo. Marx fazia piada com os economistas: quando enfrentam uma crise, eles geralmente dizem que isso nom aconteceria se a economia se comportasse de acordo com os manuais.
Como resolver essa “loucura racional” (ou “razom louca”) da economia dentro dos limites da democracia e do livre mercado?
Nom há soluçom possível dentro do capitalismo, porque o capital é uma contradiçom. E de que tipo de democracia fala? Os Estados Unidos som uma democracia controlada polo dinheiro. A Suprema Corte di que o financiamento privado de campanhas eleitorais é liberdade de expressom. Isso significa que milionários podem comprar eleiçons. (O escritor) Mark Twain (1835-1910) disse que os EUA tenhem o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar. É o dinheiro quem controla o processo democrático, nom as pessoas. É difícil ter umha democracia genuína se as eleiçons som tam caras. E, atualmente, vemos cada vez mais o dinheiro apoiando o autoritarismo, que esvazia as democracias parlamentares e concentra todo o poder no Executivo.
Qual é a soluçom?
Agora nom há um Palácio de Inverno para invadirmos, mas podemos pensar um sistema em que os recursos econômicos sejam geridos democraticamente. O neoliberalismo transformou tudo em mercadoria — até o conhecimento! Estendemos os limites do mercado mais e mais, e enormes segmentos da populaçom, que nom tenhem recursos, nom podem comprar educaçom, moradia digna, crédito, nada. Precisamos “desmercadorizar” a saúde, a educaçom, a moradia popular e a cesta básica. Uma sociedade decente garantiria saúde gratuita para todos. Moradia popular nom pode ser uma mercadoria. Estamos falando de uma plataforma anticapitalista, o que, obviamente, nom significa que vamos romper com a economia capitalista amanhá. É um processo de “desmercadorizaçom”.
Por que critica as propostas de renda básica defendidas, nos EUA, polo Black Lives Matter (movimento social de combate à violência contra negros) e polo senador socialista Bernie Sanders?
Há vários problemas com essas propostas. Alguns na direita querem a renda básica porque sabem que a automatizaçom e a inteligência artificial reduzírom as possibilidades de emprego e que, por isso, há um grande número de pessoas desempregadas que nom participam do mercado consumidor. O pessoal do Vale do Silício sabe que a diminuiçom dos empregos vai encolher o mercado consumidor. A renda básica é a soluçom deles para preservar o mercado: dê-lhes dinheiro a todos para que eles podam ficar no sofá e assinar a Netflix. O problema com os progressistas que defendem a renda básica é que eles ignoram que as pessoas estám preocupadas em ter vidas significativas, trabalhos significativos. Nom trabalhar pode ser extremamente negativo. Além do mais, se você dá dinheiro para as pessoas, os aluguéis vam subir. A renda extra vai ser imediatamente tomada pelos proprietários de apartamentos, pelo comércio e pelas empresas de cartom de crédito.
Você já defendeu o crescimento zero e que a prioridade deve ser a distribuiçom de renda, e nom o crescimento da economia. Os candidatos defendem a retomada do crescimento econômico. Eles deveriam reavaliar suas prioridades? Sempre dixérom que nom há como distribuir renda sem crescimento econômico. Mas quanto do crescimento econômico dos últimos 30 anos serviu para distribuir renda? Reformas tributárias como a de Trump, que cortou impostos dos mais ricos e das empresas, e os programas de ajuste fiscal do Fundo Monetário Internacional (FMI) redistribuem renda dos pobres para os ricos. A crise das hipotecas em 2008 redistribuiu a renda da populaçom para os bancos. Nom adianta falar de crescimento, é preciso falar do tipo de crescimento. A transiçom para uma economia de crescimento zero dará-se no longo prazo, porque há países que dependem de crescimento econômico. Mas para quem? Nom som favorável a esse desenvolvimento econômico que vemos hoje, baseado na construçom de condomínios para os ricos.
O seu trabalho atualiza conceitos marxistas. Ainda podemos falar em luita de classes num mundo onde o operariado fabril decresce e minorias raciais e sexuais lideram movimentos sociais? Luita de classes sempre foi um conceito que precisou ser entendido em suas muitas nuances. É importante reconhecer que as luitas anticapitalistas se articulam de diversas maneiras. Nos EUA, o operariado desapareceu, e as luitas sociais ocorrem menos nos locais de trabalho e mais nas cidades. Na China, por outro lado, há luta de classes no sentido clássico, existe um proletariado em açom. É um momento que terá efeitos maciços e ramificaçons globais. A desaceleraçom do crescimento chinês, por causa da dinâmica da luita de classes, vai afetar vocês. No que se refere às luitas identitárias, muitas estám ligadas a sensibilidades anticapitalistas. O Black Lives Matter, assim como Malcolm X (militante na luita contra o racismo nos EUA na década de 60) e Martin Luther King (maior líder do movimento dos direitos civis dos negros nos EUA) , reconhece que luita racial também é luita de classes — o que, nos EUA, é perigoso. Outros movimentos identitários, como o #MeToo (contra o assédio e a violência sexual) , nom tenhem essa dimensom classista. Muitas feministas afirmam que também é preciso abordar e entender a situaçom da mulher na sociedade por umha perspectiva de classe. A maioria das luitas sociais pode ter um conteúdo anticapitalista. A perspectiva anticapitalista é mais ampla do que a perspectiva do proletariado fabril, que prevaleceu em algumas organizaçons políticas de esquerda.