Banir qualquer expressom de desafecçom com o poder, nem que for meramente oral ou escrita, sem recurso à mobilizaçom, à sabotagem ou às armas, foi umha das grandes pretensons de ditaduras como a franquista. O termo “antiespanha” incluía todo aquilo que o Regime mais odiava. A progressiva extensom do delito de opiniom na chamada democracia, mascarada com nomes diferentes, está a situar-nos em coordenadas semelhantes. A retórica do respeito a pluralidade acumula mais e mais argumentos para perseguir a dissidência na Galiza. Na passada semana, eram alunas dum liceu de Cedeira as que sofriam as medidas deste novo higienismo democrático.

Quase setenta alunos e alunas do liceu Punta Candieira, em Cedeira, lançárom-se à decoraçom com poemas de elaboraçom própria das instalaçons do centro. Umha iniciativa coordenada pola chefa do departamento de Filosofia, e que contara com a promoçom de Carlos Negro, escritor que dirigira um obradoiro criativo. No 21 de março, dia mundial da poesia, os versos do alunado de 4 da ESO decoravam a entrada do liceu.

Sem que ainda se esclarecesse de quem partiu a medida, umha denúncia anónima chegou ao chefe territorial de Educaçom. A petiçom, a suspensom da exposiçom: e a razom, a existência duns versos assinados por várias alunas que manifestavam, entre outras aversons (ao fascismo, à falsidade, etc.), ‘ódio a Espanha’. As obras rematárom num armazém, com o pobre argumento por parte da direcçom de estar se a fomentar o discurso do ódio num centro educativo.

A indignaçom espalhou-se rapidamente polo liceu, com a demissom dos dez responsáveis da equipa da bibioteca, e com mostras de rechaço da medida por parte do estudantado. O facto de a delaçom ser anónima mostra as claras a impopularidade da decisom. A exposiçom poderá ver-se a partir das próximas férias em instalaçons municipais.

Velhos precedentes
Além do debate da censura da livre expressom artística, que poderia condenar à lixeira umha parte importante da produçom cultural da humanidade por ‘incorrecçom política’ a medida pom de relevo a histéria que historicamente dominou as autoridades espanholas quando se fazia qualquer alusom crítica a um quadro nacional questionado. Por outras palavras, estamos ante mais um capítulo do problema secular de Espanha como projecto nacional falido.

Justamente, em semanas passadas este portal resgatava um velho artigo de ‘Guieiro’, vozeiro da Federaçom de Mocidades Nacionalistas, no que se informava de medidas repressivas contra o seu máximo responsável. Tomavam-nas autoridades republicanas, corria o ano 1935, e faziam no acusando o director da revista de ‘ataques injuriosos contra Espanha.’

Mais recente no tempo, e muito mais viva na memória popular, foi a censura e perseguiçom penal de Suso Vaamonde. O cantautor, com a passagem dos anos um verdadeiro icono do movimento social, estivera no alvo das forças repressivas trás um concerto antinuclear na Praça da Ferreiria, em Ponte Vedra, no verao de 1979. Lá enriquecera umhas coplas populares com a estrofe ‘Quando me falam de Espanha/ sempre tenho umha desputa / se Espanha é a minha nai eu som um filho de puta’. Modificados com os anos para lhe restar cárrega machista, estes versos (‘se Espanha é a minha mae/ eu nom tenho mae nenhuma’) figérom-se obrigados nas citas mais lúdicas do movimento galego. Foi esta umha mostra de afecto e solidariedade com um artista do povo que se enfrentara a umha condena de seis anos e um dia por ‘injúrias à pátria com publicidade’. Exilara-se a Venezuela e, quatro anos mais tarde, retornou à Galiza para pagar quarenta e nove dias de prisom na cadeia de Ourense.

Foi o precedente sinistro dum tipo de puniçom que virou quase umha moda nos tempos das redes sociais e a difusom viral de conteúdos culturais. A mesma que sentou no banco rapeiros como Valtonyc ou Pablo Hasel, e que pujo a vários membros do grupo La Insurgencia -alguns deles galegos e galegas- a piques de entrar na cadeia. O enaltencimento do terrorismo era, neste caso, o motivo aduzido. A condena final de seis meses possibilita que, por nom terem antecedentes, nom ingressem num centro penitenciário, mas neste caso, como em muitos outros, a puniçom é o próprio processo de pesquisa, juízo e difamaçom mediática.

Nebulosa legal
O conceito difuso de ‘enaltecimento do terrorismo’
-que inclui em ocasions o castigo da solidariedade com presos e presas, a denúncia da tortura, ou o resgate de episódios históricos onde os insurrectos recorrêrom à resistência violenta- ampliou como nunca antes o campo do censurável polo poder. Na Galiza, os novos tempos estreárom-se, no ámbito da acçom política, com o encerramento do web da AMI polo seu video satírico de desenhos animados ‘Vilinguismo’, umha crítica humorística ao supremacismo espanhol, no que rapaziada fitícia atacava uns alienígenas-colonos.

Anos mais tarde, foi a Audiência Nacional, com execuçom da guarda civil, a que viu enaltecimento na celebraçom do Dia da Galiza combatente por parte de Causa Galiza, lançando um processo de ilegalizaçom da organizaçom que por enquanto permanece no secretismo e na dilaçom indevida da fase de instruçom. Idêntica medida foi aplicada a Ceivar por entre outras actividades, organizar recebimentos a presos e presas arredistas.

Se este quadro legal deixa pouco lugar ao garantismo, a inclusom dos chamados ‘delitos de ódio’ no CP ameaça ainda mais gravemente o movimento popular. Com a alegada pretensom de proteger grupos vulneráveis de discursos hostis -homossexuais, minorias raciais, pessoas com discapacidades-, esta ferramenta, na prática, dá a umha judicatura com querências extremistas recursos temíveis para perseguir um discurso político que mostre o antagonismo entre as causas populares e o poder estabelecido. O artigo 510.1.a) do CP estabelece castigos de entre um e quatro anos de prisom ‘para quem publicamente fomentarem, promoverem ou incitarem directa ou indirectamente o ódio, hostilidade, discriminaçom ou violência contra um grupo, umha parte do mesmo, ou umha pessoa determinada por razom da sua pertença a aquele, por motivos racistas, antisemitas ou outros referentes a sua ideologia.’

A formulaçom produz desconfiança. Que se entende exactamente por ‘promover’? Que é a ‘hostilidade’? Que é ‘incitar indirectamente’? Na prática, mobilizaçons populares que, por exemplo, questionem o papel e legitimidade da polícia, nem que o fagam apenas com a palavra escrita, estarám no alvo judicial. O mesmo aquelas formulaçons políticas que, apoiadas na experiência histórica, defendam que contenciosos como o da soberania das naçons ou processos como a luita de classes se vam dirimir no conflito e nom primordialmente nas instituiçons estabelecidas.

Como meio do povo e para o povo, e orgulhoso de utilizar a palavra com a máxima precisom e claridade, este portal nom pode fazer outra cousa que reivindicar como próprio o fragmento dos devanceiros do ‘Guieiro’.

“Porque se há um “anti” decidido, da Espanha que essa imprensa representa, esse “anti” somo-lo nós. Da Espanha que triunfou na Galiza pola traiçom da Frouxeira; da Espanha que todo no-lo exige e todo no-lo nega; da Espanha que nos insulta quotidianamente e despreza a nossa cultura e fai mofa do nosso idioma; da Espanha que esnaquiça a nossa economia e condena os nossos labregos à fome e à miséria; da Espanha caciquil e antieuropeia; da Espanha acanalhada do “estraperlo”; da Espanha podre dos “Bola Negra”, dos “Gil Robles”, dos “Rasputim”, etc… Que maior glória, que melhor título que ser chamado o seu “anti”?”