Num texto datado a meados dos anos 90, e que prologava o ‘Atlas de Vertebrados da Galiza’, o biólogo X.M. Penas Patiño assinalava que ‘a perda de identidade natural desta terra só tem paralelismo na perda de identidade cultural’. Na altura, o especialista advertia da regressom de espécies emblemáticas do nosso território, como o arau, o bufo real ou a águia real. ‘A abertura de pistas, o mal entendido afám de promoçom turística, o achegamento da cultura do automóbel a espaços silvestres, a especulaçom no litoral’ eram algumhas das causas apontadas para explicar o retrocesso da avifauna. Quase um quarto de século depois, aquelas preocupaçons semelham palidecer ante a extensom e fondura da ameaça. Nesta mesma semana, a Seo/Bird Life alertava de que umha das nossas aves mais comuns, o pardal, retrocede a ritmo acelerado, seguindo tendências que já se vinham dando no resto do continente europeu.
Para a maioria da populaçom galega menor de 50 anos, provavelmente resultará difícil distinguir mais de três espécies de paxaros ; e mesmo para a cidadania sensibilizada com questons ambientais, a atençom às aves concebe-se como umha afiçom particular própria de ‘bichólogos’. Na realidade, estes companheiros da humanidade deste tempo imemorial som um dos indicativos mais concretos da saúde da natureza, dos estropícios que causamos nela, e do ritmo ao que avança a mudança climática. De facto, um dos livros chave no acordar da moderna consciência ambiental em occidente foi ‘A primavera silenciosa’. Nele, a bióloga norteamericana Rachel Carson advertia, na recuada década dos 60, dos terríveis efeitos dos herbicidas na avifauna estadounidense.
Pita do monte, arau, charrela: os que já se despedem da Galiza
Na sua clássica secçom ‘A Galiza natural’, nas páginas do Novas da Galiza, o biólogo Joao Aveledo incidia precisamente no carácter de bioindicadores que damos às aves para medir as mudanças do nosso entorno. E no contexto de veraos progressivamente ampliados, calores mais extremos, e maior incidência dos traços climáticos mediterráneos, algumhas das espécies mais representativas do nosso meio despidem-se de nós. A pita do monte (Tetrao urogallus), pervivência das últimas glaciaçons, abandonou a Serra dos Ancares ; o arau comum (Uria aalge), um parente do pinguin, fijo o mesmo nas costas ; e a charrela (Perdix perdix) recuou de tal maneira que beira a extinçom.
Outro tipo de aves engrossam neste 2019 a lista dum total de 72 espécies de flora e fauna ameaçadas na Galiza. Todas elas foram recolhidas num Catálogo de Espécies Ameaçadas da Galiza em 2007, elaborado pola Conselharia de Meio Ambiente, e que inclui aliás outras 119 espécies vulneráveis. Como tem denunciado reiteradamente a Sociedade Galega de História Natural, ‘este Catálogo é papel molhado.’ Representantes da entidade manifestavam em 2018 à imprensa comercial que ‘a este ritmo cumpririam 407 anos para ter todos os planos de recuperaçom das espécies em perigo, e outros 1309 para ter os planos de conservaçom das vulneráveis, e nenhuma dessas espécies pode agardar 400 anos.’
Por palavras da SGHN, o Conselho Galego de Meio Ambiente, entidade de efectivar os planos proteccionistas, ‘reuniu-se pola última vez em 2016, e em 2017 nem sequer se convocou.’ Os ambientalistas entendem que esta é a resposta da Junta às queixas do movimento associativo ante a falta de recursos económicos da Junta para concretizar um conservacionismo mais teórico do que real.
Agora, o pardal
Se a maioria da avifauna silvestre padeceu com especial dureza a chegada da agricultura intensiva e a extensom dos plaguicidas, umha das nossas aves mais urbanas, o pardal, está a sofrer a transformaçom das nossas cidades, que virárom para ele dificilmente habitáveis. O efeito combinado da mudança climática e dum novo espaço urbano dana mortalmente a espécie : cidades mais poluídas, excessivamente iluminadas e ruidosas, carentes de espaços verdes, som hábitat hostil para os paxaros.
O processo foi próprio do mundo industrial, e por isso em datas temperás foi detectado em cidades como em Londres (de onde os pardais já desapareceram), e mais recentemente em Espanha. No livro ‘O engenho do paxaros’, Jennifer Ackerman estudou o fenómeno, que alcança na Europa dimensons catastróficas : entre 1980 e 2013, um 63 % destas aves desapareceu do continente.
No caso galego, os dados de Seo/BirdLife apontam umha desapariçom de mais dum milhom destes paxarinhos desde 2009 ; por outras palavras, desapareceu um de cada cinco pardais que viviam entre nós em 2008. O recuo, ainda que especialmente visível nas urbes, está a dar-se também no rural, em relaçom com o fim do velho hábital agro-gadeiro-florestal, em detrimento do deserto verde de eucalipto. A variante montês e das rochas (Passer montanus e Petronia petronia) sofrem parecido retrocesso aos seus primos urbanos.
A Sociedade Galega de Ornitologia confirma os dados, obtidos a partir de estudos realizados exaustivamente polo voluntariado ambiental organizado no programa Sacre (plano de ciência cidadá com participaçom massiva que monitoriza milhares de animais).
Quem observar o nosso contorno com os sentidos bem atentos, notará que a natureza é um clamor a alertar sobre a desfeita causada polo Antropoceno. Para umha maioria da sociedade que já nem reconhece aves, nem árvores, nem mais indicativos meteorológicos que os que aparecem nos ecras, nada demasiado grave parece acontecer. O pardal pode ser assim mais um dumha lista inacabável de danificados que nem tam sequer conhecemos.