As reiteradas exigências dos novos partidos da extrema direita espanhola, Ciudadanos e Vox, de ilegalizaçom de forças independentistas -nomeadamente nas catalás- está a criar umha certa balbúrdia, acordando mesmo a sensibilidade democrática desse amplo campo político que chamamos ‘progressismo’ ; este, que defende a viabilidade dum projecto de justiça social sob um entramado jurídico-político manifestamente desigualitário e autoritário, pom o grito no céu ante teses tam ‘involucionistas’.

Mas na realidade, antes de nos alarmarmos polas petiçons de reduçom extrema do jogo partidário, cumpriria esclarecer umha questom prévia: som estas propostas ilegalizadoras realmente novas ? Ou, por formulá-lo em termos mais amplos: é a ultradireita um novo actor político no Reino de Espanha. Mais umha vez, a memória histórica é de utilidade.

Passado e presenteNo mês de Junho, ante umha multidom de afervoados seareiros, Santiago Abascal pedia em Barcelona ‘a ilegalizaçom de partidos golpistas e terroristas’, em directa alusom às forças soberanistas catalás e bascas com presença institucional ; nesta passada semana, Ciudadanos teimava na tese da ilegalizaçom das CUP e Arran ; no caso da organizaçom juvenil, a alarma activava-se polo alegado ‘ataque contra sedes de partidos’ (em alusom a actos propagandísticos com pintura contra sedes).

Com todo o bombo mediático que se quiger, e muito consonáncia com o modo de funcionamento da sociedade do espectáculo, existe quem mais ruído fai ; e o ruído da nova extrema direita nom fai mais do que actualizar -numha forma, bem é certo, mais exagerada e endurecida- umha possibilidade que já existe no ordenamento jurídico-político desde há dezassete anos : a Lei Orgánica 6/2002, mais conhecida como Lei de Partidos Políticos.

Ditadura em democracia

Como tenhem afirmado advogados e estudiosos comprometidos, ligados com a associaçom Esculca, as democracias occidentais acolhem no seu interior espaços de excepçom que suspendem os direitos. Assim, se há suspensom de direitos em Centros de Internamento de Estrangeiros, prisons, módulos de isolamento, esquadras e quartelinhos…também a há no próprio ámbito parlamentar. A Lei de Partidos Políticos é a tentativa mais acabada, desde os anos da Reforma política, de excluir sectores sociais inteiros do jogo político, ou de desnaturalizar as forças revolucionárias para serem admitidas no jogo eleitoral.

Foi aprovada em 2002, no ronsel da histéria securitária que seguiu ao 11S. Na altura, a Uniom Europeia acunhara umha definiçom de ‘terrorismo’ que sobardava com muito as organizaçons armadas clássicas. Para a dirigência europeia, terroristas eram quem ‘intimidavam gravemente umha populaçom, forçavam gravemente os poderes públicos ou organizaçons internacionais a fazer ou abster-se de fazer um acto qualquer, ou desestabilizar ou destruir gravemente as estruturas fundamentais políticas constitucionais, económicas ou sociais dum país ou dumha organizaçom internacional’. Grupos de até duas pessoas podiam ser considerados ‘terroristas’ e, doravante, piquetes obreiros, grupos okupas, organizaçons políticas revolucionárias, associaçons estudantis…poderiam entrar na categoria. Fica claro que a aplicaçom do conceito é selectiva, focando-se fundamentalmente contra movimentos de esquerdas e soberanistas.

Naquele contexto de sério recuar da democracia formal, a Lei de Partidos apresentou-se como a ferramenta idónea para apagar das instituiçons a organizaçom Batasuna. Com ela, porém, ilegalizou-se aliás boa parte do tecido social basco, e também o PCEr e o Socorro Roxo Internacional. Embora nom fosse aplicada directamente esta lei, é ao abeiro da sua doutrina que há que entender as intervençons policíacas e judiciais contra Briga (Operaçom Cacharrom, 2005), contra a AMI (Operaçom Castinheiras, 2005), contra Causa Galiza (Operaçom Jaro I, 2016), e Ceivar (Operaçom Jaro II, 2017). Precisamente, é este quadro de consentimento institucional com umha doutrina liberticida a que ainda hoje exclui da mínima igualdade na participaçom política ao independentismo galego, com doze militantes processados e processadas pola Audiência Nacional polo seu compromisso com organizaçons públicas e nom clandestinas.

Cumpre descermos à letra pequena pra alviscarmos a gravidade da medida : qualquer partido será ilegalizável, diz o artigo oitavo da Lei, ‘quando nom se ajustar de forma reiterada e grave aos princípios constitucionais e democráticos, ou quando perseguir deteriorar ou destruir o regime de liberdades ou impossibilitar ou eliminar o sistema democrático.’ Tal tese nom atinge a organizaçons abertamente simpatizantes das ditaduras de Franco ou Pinochet -caso do PP ou de Vox-, senom a forças subversivas que pretendem a superaçom do quadro capitalista e o exercício da autodeterminaçom. Agravando os constrangimentos ideológicos, a Lei ainda procura banir partidos além da ideologia, entendendo como organizaçons ‘poluídas’ aquelas participadas por pessoas que se envolveram na militáncia revolucionária (armada ou nom) no passado. Num requisito semelhante ao da ‘limpeza de sangue’ aplicada contra os judeus na Idade Moderna, incapacitará-se legalmente qualquer partido promovido por ‘qualquer pessoa penalmente condenada por associaçom ilícita ou por algum dos delitos graves previstos no Código Penal.’

Além do mais, qualquer movimento que entenda a pressom social na rua como forma de resistir os planos do poder, ou determinadas formas de tirania, permanece baixo o alvo da possível ilegalizaçom. No seu artigo onze, a Lei diz que se ilegalizará qualquer formaçom que fomentar ‘…o confronto social como método para a consecuçom dos objectivos políticos ou perseguir a imposiçom de pretensons políticas procurando por si ou junto de outros grupos ou sujeitos, o desaparecimento das condiçons precisas para o exercício da democracia, do pluralismo e das liberdades políticas e a criaçom dum clima social degradado de confronto e exclusom.’

Como se pode ver, ainda que a Lei tenha como um dos seus aspectos estrela a ilegalizaçom de partidos que ‘complementam a acçom de organizaçons terroristas (…) dando apoio expresso ou tácito’, essa nom é condiçom si ne qua non para a eliminaçom do oponhente político ; o articulado, muito amplo, atinge qualquer antagonista ideológico do espanholismo e na direita, independentemente da existência ou nom de violência política.

Alarma

A Lei foi aprovada em 2002 com o apoio do 93 % do Congresso espanhol, e com um papel decisivo do PP e do PSOE; contra ela votaram os representantes do nacionalismo galego, basco e parte do catalám (a excepçom de CiU), e também IU.Mas mesmo na época, associaçons emblemáticas da correcçom política como Amnistia Internacional advertiam do perigoso caminho que se iniciava : ‘através da ambiguidade e da imprecisom de alguns artigos (…) puideram-se emprender processos de ilegalizaçom de partidos políticos que propugnam a mudança de princípios constitucionais ou leis de forma pacífica.’

A esta advertência somara-se o informe do Relator Especial sobre promoçom e protecçom dos direitos humanos e as liberdades fundamentais na luita contra o terrorismo do Conselho de Direitos Humanos da ONU: em dezembro de 2008, mostrara preocupaçom pola excessiva ‘amplitude das disposiçons da Lei.’