Há duas décadas, apontar a turistificaçom como um dos problemas da Galiza era considerado mostra de extravio ideológico, mesmo em boa parte da esquerda. Hoje, em 2019, quem botar umha rápida vista de olhos à imprensa servil que monopoliza a informaçom de massas poderá comprovar dados deste fenómeno, parte da religiom do consumo de massas, que mudou zonas inteiras da nossa geografia: notícias de ruas do casco histórico compostelano superlotadas; preços disparados para os nativos pola pressom dos turistas; espaços naturais ameaçados por excesso de visitantes (caso da praia das Catedrais); ou bairros inteiros gentrificados, com os seus habitantes expulsos para receber visitantes de grande poder adquisitivo, e onde a segunda língua é já nom o galego, senom o omnipresente inglês. Mesmo os vozeiros do poder, que propagandeam as bondades da economia terciarizada, reconhecem alguns excessos ‘corrigíveis’ da galinha dos ovos de ouro.

O pensamento dominante chama ‘turismofobia’ o rechaço da populaçom a ver convertida a sua terra numha enorme prateleira comercial para a voracidade dos foráneos. Desconhecemos se o rejeitamento ao turismo é maioritário na populaçom, mas fica claro que a crítica ao deslocamento massivo da populaçom alcançou já umha parte importante da sociedade. Nom estaria de mais perguntar-se quem formulou, quando eram tremendamente impopulares e exóticas, as primeiras emendas radicais à turistificaçom da nossa Terra.

Isto também é memória histórica.

Estamos já no tempo de mergulhar nos arquivos históricos do arredismo para comprovarmos, com umha mestura de satisfaçom e tristeza, que também nestas análises o nosso movimento foi precursor em crítica e denúncia. Como aconteceu com a rejeiçom ao AVE, à Cidade da Cultura, à video-vigiláncia…também o independentismo se bateu quase em solitário, há duas décadas, numha batalha desigual. As campanhas do movimento sobre estes e outros batiam na altura com a censura mediática e as críticas do institucionalismo, que as considerava infantis e fora de lugar.

No número 1 do ‘Voz Própria’, a publicaçom da organizaçom NÓS-Unidade Popular (activa entre 2001 e 2014) um completo dossiê de investigaçom formulava afirmaçons reveladoras. Corria o ano 2001 :

‘som poucas as vozes que se alçam contra esta ameaça de enorme calado. Ameaça real, nom conjecturas nem elucubraçons ociosas. (…) Nom é mais um ataque, estamos ante umha reconversom, total, integral, da nossa base económica, com consequências directas sobre a identidade colectiva de todo um Povo e sobre a possibilidade de exercer o seu direito inalienável à autodeterminaçom nacional. A desestruturaçom económica sobre a qual se ergue o processo de turistificaçom é, juntamente com o factor demográfico, um dos factos estruturais que limitarám toda possibilidade real da procura dum caminho próprio como povo.’

Decorreram já dous anos Jacobeus formulados como parte da promoçom política da Galiza autonómica, pacificada e espanhola, e Compostela acolhia ja volumes de visitantes importantes ; na cidade a presença policial fixera-se quotidiana, e os poderes municipais (na altura um governo do PSOE com apoio do BNG) faziam o possível por banir da rua a dissidência política com ordenanças restritivas. Naquela Galiza que começava a construir a faraónica ‘cidade da cultura’, e onde novas rodovias pretendiam conectar a capital com a costa, a reflexom sobre o fenómeno turístico começou a abrir-se passo.

Turistificaçom : os traços da ameaça

A organizaçom independentista, numha análise na altura inovadora, alertava dos perigosos paralelismos que se iam estabelecendo entre a Galiza e outras conhecidas colónias turísticas escravizadas pola terciarizaçom, caso da Corsica, cuja economia virara totalmente dependente de fluxos exteriores ; e definia o processo turistificador quando dava os seus primeiros passos :

‘a estruturaçom da Galiza como produto turístico insere-se numha divisom internacional operada polos organismos internacionais (OMC, FMI, BM, UE…), controlados polos países do norte, segundo a qual o nosso país (…) tem destinado a médio prazo o papel de reserva recriativa do centro trabalhador.

A turistificaçom da Galiza significa umha desestruturaçom económica (das redes sociais ligadas e forjadas numha base de relaçons económicas endógenas, produto dos nossos próprios recursos, cultura e história), e um grande impacto sobre o nosso hábitat sócio-cultural. Tem, portanto, umhas evidentes conotaçons coloniais.’

Nom se podia entender o processo analisado, continuava o texto, sem considerar as transformaçons de calado que acrrejava na nossa base material: a oferta de economia terciária como única saída às zonas rurais noutrora produtivas ; a incomunicaçom de áreas inteiras da nossa Terra, isoladas no interior do próprio país (Costa da Morte, Maciço Central, noroeste…), em detrimento da híperconectividade de grandes núcleos do país entre eles, e destes com Espanha (Compostela, Corunha, Vigo, e em certa medida Ourense capital). Mas mesmo as dirigências das áreas periféricas no interior da Galiza luitam denodadamente por obter a sua parte do pastel da economia terciarizada, profiando por nom ficar fora das grandes comunicaçons rodoviárias.

O turismo, junto com o extractivismo de matéria prima, já se alviscava na época como ‘única oferta’ possível da Galiza em decadência :

‘O problema demográfico condiciona o futuro de cada vez mais municípios. Os recursos financeiros de cada vez mais concelhos galegos som insuficientes e dependem das ajudas da Junta e Deputaçom, aumentam os serviços que vem manter e prestar enquanto os recursos nom aumentam em igual proporçom. A populaçom envelhece e nom se renova, convertendo-se em desertos humanos. Os jovens emigram, os velhos, reformados, abandonam a agricultura e nos montes cresce o mato de forma incontrolada. Ante este panorama, os caciques locais (…) jogam as últimas vazas implicando-se a fundo no processo de turistificaçom à vez que entregam o território às eléctricas (centrais hidroeléctricas e parques eólicos) e outras espécies espoliadoras de matérias primas.’

E além disso, o desenho espanhol do nosso território tinha e tem enormes implicaçons ambientais, ligadas com a forma de ocupaçom da nossa própria Terra :

‘A turistificaçom da Galiza tem (…) um inquestionável aspecto ambiental relacionado tanto com a desarticulaçom do modelo territorial como com a entrada em jogo de novas fórmulas de utilizaçom do chao e esbanjamento do território de alto valor ambiental. Trai consigo umha deterioraçom da sua base territorial, em extensom urbanísitica e em capacidade edificatória. A infraestrutura turística tende a apropriar-se de espaços naturais de umha grande qualidade, bem como a ocupar prédios emblemáticos ou com valor histórico-artístico, quer no ámbito rural, quer no urbano.’

Embora, a inícios do século que andamos, a Junta fraguista defendia o processo como umha transiçom económica liderada polo pequeno e mediano empresariado local, já naquela época histórica o observador agudo podia detectar a verdadeira direcçom do processo :

‘a estampa dum sector turístico ‘autóctone’ marcado por estabelecimentos de carácter familiar, é umha ficçom evidente (…) As transnacionais do turismo funcionam por touroperadores (…) e tenhem um poder de pressom terrível sobre as instituiçons na hora de levar a cabo projectos turísticos num determinado lugar, chegando a impossibilitar projectos que partam de empresas pequenas e autóctones, pois controlam os fluxos turísticos organizados a nível internacional. Da mesma maneira, os fluxos turísticos para a Galiza irám-se canalizando cada vez mais através de intermediários como as agências de viagens (…) trata-se de artelhar umha oferta estruturada e especializada de produtos turísticos estratégicos (…) consolidando novas modalidades em torno dum desenho múlti-produto : turismo náutico, turismo termal, turismo de golfe, turismo de congressos e turismo cultural.’

A cultura ameaçada 

Ruas que se fam galerias comerciais onde está proibida a expressom política; praças que viram cenários para espectáculo ; praias que se transformam em zonas de pelegrinagem fotográfica massificada ; a turisitificaçom é também umha ameaça cultural que, num país ocupado como o nosso, chega a enfraquecer mesmo a língua própria. O estudo que citamos apontava também, com duas décadas de antecedência, de tais efeitos, valendo-se dos estudos académicos dos geógrafos Santos Solha e Valcárcel Riveiro :

‘A concentraçom de alojamentos turísticos numha determinada área favorece umha aceleraçom do processo de desarticulaçom das redes sociais tradicionais e, portanto, de incremento do uso do castelhano na comunidade anfitrioa em detrimento do galego (…) os planos de desenvolvimento como os Leader (de fomento do turismo rural) nom estudárom os possíveis efeitos sociais e culturais destes processos de concentraçom turística.’

Onte e hoje

Em 2001, NÓS-UP advertia : ‘é o independentismo quem se dispom a livrar esta batalha em solitário. Umha batalha em que a naçom joga mais do que umha simples correcçom de índices económicos, dados estatísticos e demais parámetros económicos, joga o seu futuro como povo livre.’

Assim foi : as campanhas livradas contra projectos turistificadores como a Cidade da Cultura, as infraestruturas rodoviárias agressivas com o meio, ou a expansom de campos de golfe (boicotados em campanhas da AMI nos meses estivais) fam parte da bagagem de luita independentista. Há que congratular-se, dentro do adverso da situaçom, de que ideias noutrora marginais chegassem a capas mais amplas da populaçom.

Até que ponto eram acertadas as previsons ? Para sermos sinceros, no estrito plano das percentagens nom se cumpriu o vaticinado polos mais ferozes partidários da turistificaçom : vinte anos depois, nem o turismo representa na Galiza o 20 % do PIB, nem ocupa o 15 % da populaçom activa. A crise das finanças de 2008-2013 ou a relativa fortaleza do sector industrial galego (mormente exportador), fam que, afortunadamente, nom poidamos falar da Galiza como umha Corsica nem como umhas Ilhas Canárias. Porém, a traços grossos, a previsom foi tristemente acertada. Ainda que o processo foi mais lento do gizado naquele informe do Voz Própria, os dados de hoje continuama ser assustadores : em 2016, a Galiza recebeu 4,7 milhons de turistas, especialmente concentrados numha cidade de Compostela que, com um turismo desestacionalizado, cedeu às e aos foráneos partes inteiras do seu casco urbano. E se em 1994 o turismo representava apenas o 5 % do PIB galego, em 2016 supunha já o 11 %, mais do duplo da agricultura, e nom muito longe do 16 % da indústria. As cifras, redondeadas com o 63 % do PIB que representa a economia de serviços no nosso País, dam ideia dumha economia muito dominada, num extremo, polo sector público, e no outro, pola estacionalidade, a precariedade laboral, e a dependência dos fluxos de visitantes de outras latitudes (enormemente vulneráveis aos ciclos macro-económicos mundiais).