Lugo foi, em 1846, a cidade que os insurrectos liderados por Solis escolheram como empraçamento inicial do seu movimento rebelde; e a cidade das muralhas foi também, em 1918, o lugar escolhido como lembrança do alçamento por um feixe de galeguistas para darem início a umha nova fase da afirmaçom nacional da Galiza. Há cem anos, esta proposta resistente tomou um novo nome -nacionalismo- e dotou-se dum programa político de mínimos, aconfessional, e com a suficiente transversalidade para agrupar pessoas de tendências muito diferentes. Neste fim de semana, várias organizaçons e entidades vindicam o ponto de inflexom.
Contra o que diz a historiografia oficial -parte dela galeguista-, a causa emancipadora do nosso país nom nasce há cem anos. Topamos gestos de defesa identitária galega na guerra do francês -mais práticos do que teóricos-, apelaçons arredistas no cura Posse a primeiros do século XIX e, como é sabido, pulsons independentistas no sector galego, mormente estudantil, da revolta de 1846. Bem é certo que a confusom de termos, denominaçons e propostas domina toda aquela centúria, até que a Assembleia Nacionalista de Lugo introduz claridade conceitual. Três lustros antes do encontro irmandinho, por darmos um exemplo ilustrativo, a corunhesa Revista gallega. Semanario de literatura e intereses regionales, publicava : ‘ainda haverá quem se atreva a censurar que trabalhemos polo triunfo do regionalismo, que nos trairia a independência e a autonomia necessárias para viver de nós e para nós…’ (1902). A terminologia mestura-se de maneira ensarilhada, mas por trás de certo caos conceitual, toma forma a ideia dum estatus político soberano para o que fora Antigo Reino da Galiza.
Os Vilar Ponte: pensamento e acçom
Ao alento das primeiras movimentaçons agrárias e anticaciquis do país -agrupadas baixo o molde de Solidariedade Galega- lateja já um sentir patriótico, como se desprende do título escolhido para o cabeçalho de imprensa da organizaçom: A Nosa Terra. Mas para umha decantaçom nitidamente nacionalista dos galegos e galegas conscientes temos que aguardar à combinaçom explosiva de duas personalidades: as dos irmaos Ramom e Antom Vilar Ponte, dous viveirenses que recalam no propício caldo de cultivo da Corunha liberal e republicana. Teórico um, homem de acçom o outro, de ambos partem as ideias de constituir umhas denominadas ‘Irmandades de Amigos da Fala’ e de resgatar A Nosa Terra, doravante com orientaçom nacionalista. E de Ramom parte a vontade de dar fundamentos a umha nova doutrina em forma de livro: autonomista no táctico, soberanista no estratégico e arredista no sentimental (sem por isso atrever-se a formular um movimento de ruptura com Espanha), ‘Doutrina nazonalista’ é a versom elaborada do programa sintético que, em forma de Manifesto, umhas quantas dúzias de patriotas aprovam no Teatro Lugo-Salom no 17 e 18 de Novembro de 1918. Do cônclave saiu a célebre declaraçom que hoje difunde o movimento popular:
“Tendo a Galicia todal-as caracteristicas esenciaes de nazonalidade, nós, nomeámonos, d-oxe pra sempre, nazonalistas galegos, xa que a verba rexionalismo non recolle todal-as aspiraciós nin encerra toda a intensidade dos nosos problemas”.
Vindicaçom
O BNG decidiu conectar a sua trajectória com a encetada há justo um século, celebrando um acto público ao pé da muralha dirigido pola sua vozeira Ana Pontom. Reivindicando o valor do nacionalismo como dinamizador do tecido associativo do nosso país, a organizaçom permaneceu na ambiguidade conceitual autonomista, apostando, como é habitual, por um ‘novo estatus’ para a Galiza, reacomodada no quadro estatal e obviando qualquer aposta forte pola autodeterminaçom e a independência.
Várias entidades do movimento galego escolhêrom o fim de semana para comemorar os feitos. No dia de onte, a associaçom ‘Cultura do País’ celebrava a sua clássica ‘festa dandi’, que recria o ambiente galeguista dos anos 20, e organizava um concerto, no que o lazer se fundia com a vindicaçom política.
No dia de hoje, é a plataforma Via Galega a que protagoniza o dia, com a celebraçom dum acto público no que se visa a aprovaçom dumha actualizada ‘Carta de direitos’ do nosso país. A seguir, a entidade nacional cede a passagem a vários colectivos locais -agrupados como Projecto Faraldo-, que realizarám umha homenagem floral no Hotel Méndez Nuñez, lugar onde há cem anos se congregaram os delegados nacionalistas. Um passa ruas e o canto do hino nacional fecharám a jornada.
Autonomismo, nacionalismo, independentismo
A data foi aproveitada também polo independentismo para socializar a sua análise sobre a realidade e perspectivas do movimento galego. Nas suas redes sociais, Causa Galiza manifestava que ‘provincialismo, regionalismo e nacionalismo som várias fases dum movimento que hoje tem a sua fase de madurez no independentismo’. Nesta linha de pensamento, a organizaçom desenvolveu umha campanha agitativa, difundido em formato cartaz imagens e reflexons de galeguistas históricos como Rosalia de Castro, Antom Vilar Ponte, Plácido Castro, Joám Jesus Gonçales e Rodrigues Castelao. Especialmente ilustrativa era a frase extractada da correspondência do rianxeiro : ‘devemos ir a umha luita aberta e clara pola independência’. Síntese do seu pensamento final, na jeira do exílio, absolutamente céptico com a possibilidade de chegar a um acordo da Galiza com Espanha.
Atraso teórico e prático
A renuência de parte do nacionalismo a abraçar teses arredistas -e especialmente umha acçom consequente com estas- é umha nota dominante do movimento galego, e é um dos elementos que explicam a omnipotência espanhola sobre a nossa Terra, inchada pola sua consciência de enfrentar um inimigo timorato e vacilante.
Na realidade, nos tempos da Assembleia de Lugo esta tensom já existia. De facto, apenas quatro anos depois do encontro na cidade das muralhas, um feixe de patriotas avançados fundam o Comité Revolucionário Arredista Galego na Havana, primeira materializaçom da maduraçom do nacionalismo em independentismo. Com a legenda ‘Independenza ou morte’, este colectivo emigrante inaugura umha linha paralela ao pactismo que está presente com persistência, até o dia de hoje, em todos os momentos do movimento galego.