Economista, filósofo e teólogo da libertaçom. Doutor em Economia pela Universidade Livre de Berlim. Exerceu o cargo de professor de Economia no DEI – Departamento Ecumênico de Pesquisas (por suas siglas em espanhol), na Costa Rica. Atualmente fai parte do Grupo de Pensamento Crítico e está vinculado à Universidade Nacional Autônoma em Heredia, Costa Rica.
Estela Fernández Nadal – Franz, a que você se refere, exatamente, quando fala de “crise dos limites de crescimento”? Como ela se evidencia?
Franz Joseph Hinkelammert – A crise dos limites de crescimento é evidenciada pelo fato de que um alto crescimento linear nom é sustentável, e isso está presente, atualmente, no âmbito do petróleo e dos cereais. No caso do petróleo, a experiência empírica demonstra que umha taxa de crescimento de 5%, aproximadamente, pressupom um crescimento do consumo de petróleo de 2% a 3%. Se calcularmos com base em 20 anos, um crescimento desse porte representa um aumento de um terço no consumo de petróleo. Imagine: nom há petróleo suficiente para isso! Sendo assim, propom-se substituir o consumo de petróleo pelo quê? Pelos cereais. Dessa forma, aumenta-se a produçom de cereais e reduz-se a de alimentos para seres humanos. Quem surge agora como os famentos mais urgentes e com poder de compra suficiente para substituí-los? Os automóveis, pois som eles que possuem a demanda de cereais, neste momento, e o poder de compra. As pessoas famentas, por sua vez, nom tenhem esse poder de compra. Logo, quem ganha? Os automóveis, que devoram as pessoas. Temos, entom, as duas energias básicas: a energia básica para o corpo humano é o cereal, e a energia básica para as máquinas é o petróleo. Note que o preço do barril de petróleo já chegou a 90 dólares, e fala-se em subir novamente para 100 dólares. Bom, com 100 dólares ainda podemos viver. Mas e se a taxa de crescimento continuar crescendo em nível mundial? O resultado será um novo aumento, chegando a 140 dólares, como em 2008, e haverá outra crise, considerada umha nova crise financeira. Isso é o que está sendo discutido.
Nadal – E paralelamente a essa questom (de pessoas famentas e produçom de cereais para agrocombustíveis) há o impacto sobre o meio ambiente.
Hinkelammert – Todos os impactos estám inter-relacionados: a falta de alimentos para as pessoas, a escassez de energia para as máquinas e a crise do meio ambiente. Tudo isso fai parte de umha grande crise, umha crise global que é tratada como se fosse umha crise climática, quando se trata na verdade de umha crise dos limites do crescimento, umha rebeliom dos limites. Como nunca foram respeitados, os próprios limites agora rebelam-se. E surge novamente a necessidade de outra civilizaçom, levantada pela própria questom da produçom de alimentos e energia. Nom somente a partir do problema da convivência, que a cada dia é mais subvertida. A convivência está em crise, mas é, ao mesmo tempo, um aspecto da crise da rebeliom dos limites. A crise de 2008 foi a primeira cuja raiz foi a rebeliom dos limites. Embora nom se fale publicamente de umha rebeliom dos limites do crescimento, os militares sabem disso claramente, e por esse motivo as guerras som motivadas pelo petróleo: aquele que possui o petróleo domina o mundo.
E nom surge nengum pensamento consensual, apenas guerra. O sistema só pensa em guerra, principalmente os Estados Unidos. Nesse sentido, os Estados Unidos som herdeiros do nazismo, pois só conseguem pensar em soluçons a partir da guerra. Nom som capazes de refletir sobre firmar acordos, nom entendem isso, pois o cálculo da utilidade própria sempre leva à guerra, a guerra sempre parece ser o mais útil, nunca a paz.
Nadal – Você caracterizou essa atitude como “cortar o galho da árvore sobre o qual se está sentado”, nom é mesmo?
Hinkelammert – Exatamente.
Nadal – Na América Latina, principalmente na Bolívia, mas também no Equador, na Venezuela e talvez no Brasil, os governos possuem – em diferentes escalas – certa consciência sobre esses limites e, em muitos casos, discute-se sobre que forma de crescimento se deve promover, que nom termine sendo destruidora para o meio ambiente e para o ser humano. Mas como você mesmo mencionava, nem sempre se sabe como agir, porque ao mesmo tempo som países que possuem muitas carências, som muito atrasados do ponto de vista de suas infraestruturas, som países que precisam construir represas, estradas, gasodutos etc.
Hinkelammert – Sim, esse é o problema. Mas há mais umha questom aqui: as culturas que sempre foram consideradas como atrasadas hoje indicam o caminho a ser seguido, pois as culturas anteriores nom eram tom suicidas quanto a cultura moderno-ocidental. Entom, por onde se deveria construir o caminho? É possível ver por meio dessas culturas com mais clareza do que a partir das culturas do progresso. Elas transformam-se em mui atuais, plenamente atualizadas.
Gustavo David Silnik – É isso que você vê na Bolívia?
Hinkelammert – Por trás está a cultura andina. Normalmente, pensa-se que se deve dissolver a cultura considerada atrasada para transformá-la em modernidade. Eu acredito que seja o contrário: essa cultura pode ser hoje a bússola para fazer caminhos. Insisto na palavra bússola, pois nom é possível copiá-la. Deve-se inventar. Acredito que isso deve ser pensado com muita seriedade.
Certa vez, na Alemanha, numha reuniom com pessoas de outros países, um africano dizia: “A África nom é o problema, é a soluçom.” Algumas pessoas riam, mas isso é algo muito sério, pois na África também existe essa consciência. É algo parecido com o que ocorre na América Latina com a cultura andina: aí está a soluçom, nom em Nova Iork. Talvez nom proporcione “a” soluçom, mas sim a direçom na qual se deve construir os caminhos.
Nadal – Qual a sua opiniom sobre esse modelo de minas que temos na Argentina e em outros países da regiom, a megamineraçom a céu aberto?
Hinkelammert – Considero horrível. Todos os restos de ouro que sobram, querem levar. Isso ocorre porque há umha rebeliom dos limites, portanto, querem aproveitar os restos. Pior ainda: quando realmente encontram ouro, chega a ser ridículo! Há 500 anos tem-se a mesma atitude: retiram o ouro daqui e o colocam em depósitos do banco central de um país do centro. A irracionalidade é total. O ouro nom tem nenhum valor de uso, pois nom há tantas pessoas dispostas a colocar todas as joias produzidas. Esse é o único valor de uso que se tem, sua beleza, mas esse nom é o motivo pelo qual o desejam. Retiram o outro da terra, destruindo-a, para enterrá-lo novamente nos depósitos dos bancos.
Nadal – Essa é a nova forma de saque que encontraram nos nossos países, ao mesmo tempo em que aceleram a destruiçom das geleiras, fazendo uso de cianeto, arsênico, poluindo as fontes de água subterrânea com os dejetos…
Hinkelammert – Sim, destroem zonas inteiras… Aqui [Costa Rica] havia um grande projeto, em Las Crucecitas, mas houve também umha forte resistência da sociedade civil, o que conseguiu detê-lo. Devemos estar atentos para até quando ficará assim, pois o poder econômico continua insistindo, comprando, corrompendo para obter a permissom que precisam. Nunca deixarom de pressionar para ter a possibilidade de aumentar a catástrofe, pois a catástrofe traz muitos lucros. Já que evitá-la nom gera lucros, todos calculam que continuar é mais proveitoso do que parar ou mudar.
Nadal – Também está a favor deles a ideia de que nom se pode renunciar à tecnologia, nem à alta tecnologia. O que você acha disso?
Hinkelammert – Mas nunca devemos pensar que a tecnologia é por si só o progresso. Por exemplo, a tecnologia atômica nom foi um progresso, foi umha regressom total. Muitas vezes, na atualidade, as tecnologias se transformam em regressom. Em todos os lugares é possível perceber o perigo trazido pelo desenvolvimento tecnológico. É possível que a Aids seja um produto disso, nom sabemos, mas existe a possibilidade. Nom há um desenvolvimento tecnológico limpo, e os riscos som cada vez maiores. A geladeira, como artefato doméstico, é muito boa, mas o desenvolvimento técnico é cada vez mais arriscado, nom é algo limpo.
Silnik – Pensando no que você escreveu no Chile com relaçom à crítica das ideologias do desenvolvimento, muitas vezes nas discussons de nossa equipe de Mendoza, perguntamo-nos: até que ponto os modelos atuais latino-americanos (especificamente Brasil, Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela) nom estám repetindo esses modelos desenvolvimentistas dos anos sessenta e setenta? Claro que em outros contextos e dotados de alguns conteúdos políticos diferentes, mas nom é repetida a mesma lógica de celebrar, acima de qualquer outra coisa, os aumentos das taxas de crescimento econômico, inclusive acima da crise do meio ambiente?
Hinkelammert – Evidentemente, e agora nom há taxas de crescimento para celebrar, nom é mesmo? Mas mesmo quando há o que celebrar, entom, a ausência das mesmas transforma-se na preocupaçom principal do mundo.
Bom, acredito que esses novos tipos de pensamento que surgem, especialmente na Bolívia – pois há muitas diferenças entre os diversos países latino-americanos que você mencionou, inclusive diferenças muito grandes –, onde querem realmente umha sociedade guiada pela convivência, estám numa etapa muito preliminar. Há ainda muitos conflitos a serem resolvidos e ainda nom existe umha ideia clara do que se pode fazer com isso. Eu também nom tenho a resposta.
Silnik – Estamos perguntando polo que você identifica como problema, mais do que pola resposta a ele.
Hinkelammert – Esse é o problema. Por exemplo, na Venezuela foram realizadas açons importantes, sobretudo com relaçom à populaçom marginalizada. Mas o aparato industrial, o capital, continua como antes. Nom lidam com ele, ou lidam apenas de forma marginal como, por exemplo, ao nacionalizar a energia. Nom se pode negar que o governo progrediu bastante na promoçom da educaçom pública e da saúde pública, mas ainda nom mexeram no núcleo. Porque, por outro lado, nom se sabe como agir, nom vejo que haja umha ideia clara do que pode ser um desenvolvimento diferente. Ou seja, há umha ideia geral, a qual está formulada mais precisamente na Bolívia: o “bem viver”, o “governar obedecendo”, e muito disso é realizado. Mas transformá-lo em umha alternativa ao capitalismo mundial nom foi possível, muito menos em nível nacional.
O problema reside no fato de que, até 40 anos atrás, havia umha ideia disponível sobre o socialismo, sabia-se o que deveria ser feito. Mas hoje, nom. Estamos todos submersos na mesma questom, e na condiçom de críticos podemos trazer à luz o que falta, o que nom foi solucionado, mas “como enfrentá-lo” continua sendo umha questom enigmática. Há propostas muito razoáveis, mas som parciais. E, muitas vezes (e nom se entenda como umha queixa), som lembranças do Estado de Bem-estar, que é mil vezes preferível ao que temos, mas que mostrou seus limites.
Silnik – Isso significa que as novas propostas sociais e políticas tentam recuperar algo que foi desmontado pelo neoliberalismo, que em comparaçom pode ser melhor, mas claramente nom representam umha saída ou umha alternativa?
Hinkelammert – Acredito que de todas as formas deve ser feito, mas nom nos deve levar a ter esperanças com relaçom ao futuro.
Nadal – Isso tem a ver com sua observaçom a respeito da atual crise mundial, quando diz que nom é umha crise financeira nem econômica, mas algo de alcance muito maior, umha crise civilizatória?
Hinkelammert – Exato. E umha civilizaçom nom se constrói a partir do nada, nom sai da mente de alguém que chega com a soluçom para somente aplicá-la. Trata-se de outra civilizaçom. E, nesse sentido, há umha falência geral e diante dela um sistema cego, absolutamente cego. Logo, nom há possibilidades de diálogo, o sistema nom dialoga, é extremista, defende as armas de destruiçom massiva, financeiras, mercantis etc.
Silnik – E nom se dá conta, buscam-se as armas mais convencionais de destruiçom massiva.
Hinkelammert – Sim, as bélicas. Nós deparamo-nos com isso, o que me lembra de algo muito interessante que dim os surrealistas: “O início de tudo é sermos pessimistas”. Eu diria que nom apenas sermos pessimistas, mas termos expectativas com base no pessimismo, nom nas esperanças.
Nadal – Poderia nos explicar sobre este conceito de “pessimismo com esperança”?
Hinkelammert – Somos pessimistas com relaçom aos resultados que a civilizaçom – na qual ainda nos movemos – nos trará. E pessimistas também com relaçom à possibilidade de enfrentar esses resultados. Precisamos, por essa razom, de umha justificativa da açom para isso, a qual nom calcula a possibilidade da vitória. Isso também é umha vantagem dos surrealistas: eles resistem a fazer cálculos, no sentido de que a açom nom é válida pelo sucesso que possa alcançar, mas tem sentido em si mesma, mesmo que nom dê resultados.
Nós nos deparamos, entom, com outro conto de rabinos da Europa Oriental. O rabi dirigia-se a umha cidade, mas chegou-lhe a notícia de que ocorrera um violento ataque e nada mais poderia ser feito ali. Entom, ele foi-se. Nesse momento, encontrou-se com Deus, que lhe dixo: “Onde vai você?” Ele respondeu: “Eu queria ir a esta cidade, mas já nom há nada para fazer, a minha presença já nom tem sentido para as pessoas.” Entom, Deus dixo-lhe: “É mui possível que esteja certo, mas a sua ida teria sentido para você” (risos). Você já nom poderia fazer nada polos dos outros, mas o facto de ter ido teria sentido para você mesmo.
(Entrevista integrante dos Cadernos do pensamento crítico latinoamericano, publicado na Revista Fórum em 2012 — traduçom do galizalivre)