Por Eduardo Vigo /
A actividade solidária despregada polo movimento independentista ante a prolongada existência de presas políticas independentistas, junto com as iniciativas de denúncia impulsadas por diferentes entidades sensíveis perante a vulneraçom dos nossos direitos logrou socializar nestes anos, com relativo êxito, os aspectos mais salientáveis da excepcionalidade repressiva que enfrentamos nas cadeias espanholas. Assim, poucas pessoas activas social ou politicamente desconhecem a estas alturas a dispersom penitenciária ou a aplicaçom de regimes fechados ou de isolamento aos independentistas galegos encarcerados na Espanha. Porém, existem outras vulneraçons de direitos menos conhecidos socialmente, talvez polo seu carácter esporádico ou nom permanente. Comprovamos que essas práticas passam mais desapercebidas para o povo solidário. Precisamente, com a finalidade de ajudar na sua divulgaçom, a associaçom Que voltem!, agente destacado na denúncia das nossas condiçons de encarceramento, vem de oferecer-me a possibilidade de achegar à opiniom pública, mediante o presente escrito, a contínua intromissom ilegítima e arbitrária que venho sofrendo no meu direito à intimidade pessoal com a prática dos cacheios integrais.
Desde Junho de 2016 até à actualidade enfrentei nove registos corporais com espido integral em diferentes cadeias. Dous na Lama em Junho de 2016, um em Aranjuez em Janeiro de 2017, outro na prisom de Ocanha II em Maio de 2017, três consecutivos em Ocanha I em Maio de 2018 e outros dous mais nesta cadeia em Agosto e Setembro. Três deles produzírom-se ao finalizar comunicaçons familiares e os seis restantes quando acudim realizar exames na U.N.E.D. Cumpre dizer que todos resultárom infrutuosos, sem encontrar nunca nada punível ou proibido.
Conforme a legislaçom penitenciária (art. 68.2 do Regulamento Penitenciário) e a doutrina estabelecida polo Tribunal Constitucional ao respeito, só cabe proceder a semelhante ingerência no direito fundamental à intimidade pessoal (art. 18 da Constituiçom espanhola) por motivos de segurança concretos e específicos quando existirem razons individuais e contrastadas que permitam suspeitar que a pessoa privada de liberdade oculta algum objeto susceptível de danar a segurança ou a ordem da cadeia. Aliás, esta medida coercitiva deve resultar adequada, necessária e imprescindível para a finalidade perseguida. Em definitiva, trata-se de garantir a proporcionalidade na aplicaçom desta medida que se configura como umha excepçom regimental.
Em garantia do anterior, prévio à realizaçom do cacheio, a Administraçom deve aportar umha orde que motive a necessidade do mesmo. Deve conter umha justificaçom individualizada, fugindo das habituais fórmulas estereotipadas (comunicaçom vis a vis, suspeita de objeto proibido) que nada concretam, menos ainda carecendo de qualquer justificaçom escrita. A maioria de incidentes produzem-se nessas circunstáncias, quando perante a discrepáncia ante a aplicaçom desta medida, a cadeia mostra a disposiçom a aplicá-la mesmo mediante o uso da força física.
É de sobra conhecido polas pessoas encarceradas que estas medidas costumam ser empregadas para intensificar a repressom sobre certo tipo de prisioneiros, principalmente em atençom ao seu perfil (factos polos que se cumpre condena, grau de classificaçom, estáncia em módulos conflitivos ou de isolamento…). Aparecem, destarte, como um castigo engadido, contravindo a própia lei penitenciária e infringindo o princípio de legalidade que vincula a actuaçom administrativa.
No meu caso particular todos os registos fôrom recurridos judicialmente, resultando até ao de agora declarados ilegais os três primeiros, mentres continua a tramitaçom dos restantes.
Chegados a este ponto, para melhor compreensom do contexto, devemos referir-nos a outro aspecto essencial da excepcionalidade penitenciária. No ano 2003 o governo de Aznar impulsou umha bateria de medidas legislativas intituladas “para o cumprimento íntegro e efectivo das penas”. A vontade do Executivo espanhol era meridianamente clara. Entre o conjunto de modificaçons que abrangérom o Código Penal, leis processais e a legislaçom penitenciária, substraiu-se a competência dos Julgados Provinciais de Vigiláncia Penitenciária para o conhecimento das nossas queixas em matéria de prisons, para centralizá-las num novidoso Julgado Central de Vigiláncia Penitenciária na Audiência Nacional. A suspeita da vontade de maior controlo político destas decisons judiciais foi generalizado.
As nossas queixas som sistematicamente desestimadas polo Julgado Central em primeira instáncia, obrigando-nos a recurrir a instáncias superiores assistidos de advogado e procurador para impugnar as decisons judiciais, que costumam assumir os critérios contidos nos informes das prisons em resposta às queixas.
No assunto que nos ocupa, o Julgado Central avala os cacheios reproduzindo as surrealistas explicaçons alegadas pola cadeia. Em consequência, a nossa defesa jurídica vem recurrindo em apelaçom ante a Sala do Penal da própria Audiência Nacional, a qual estimou já os três primeiros recursos, declarando nulos os cacheios aos que fam referência.
A atitude da Administraçom e do próprio Julgado Central chega a tal extremo que até a sala de apelaçom os interpela nas resoluçons judiciais. Sem ánimo de exaustividade, permito-me transcrever alguns parágrafos do Auto 240/18 suficientemente ilustrativos: “conviene reseñar que este Tribunal ya estimó un recurso de apelación… ni la Administracion ni el Juzgado Central han tomado nota de lo que allí se decía a propósito de la motivación que requiere una injerencia tal”. E mais adiante conclui: “además el Juzgado Central de Vigilancia Penitenciaria deberá seguir con especial atención, vista la reiteración de los cacheos integrales que no respetan la ley, cualquier medida de esta naturaleza que afecte al recluso“.
Pois bem, assim seguimos. Mais um exemplo desta política penitenciária que ainda segue submetida a critérios políticos excepcionais. Os mesmos que tanto apregoam e mostram ameaçantes a sua lei para manter o status jurídico-político vigente nom duvidam em pulá-la quando lhe convem.
Com a certeza de que as medidas defensivas postas em marcha oferecerám resultados ao respeito, aguardo ter contribuído a umha maior socializaçom deste opaco mundo carcerário que tam bem descreve a natureza política desta “democracia espanhola”.
*Eduardo Vigo Domingues é preso independentista na cadeia de Ocanha I (Toledo). Leva cumpridos sete anos da sua condena permanentemente em 1º grau penitenciário.