Por César Caramês/

“A actual propriedade comum da terra em Rússia poderá servir de ponto de partida para umha evoluçom comunista.”
Karl Marx (limiar da ediçom russa do Manifesto Comunista de 1882)
“Marx nom escreveu um credo, nom é um messias que deixou umha restra de parábolas carregadas de imperativos categóricos, de normas indiscutíveis, absolutas, fora do tempo e do espaço.”
Antonio Gramsci (O nosso Marx)
“O marxismo, do que todos falam mas que mui poucos conhecem e, sobretodo, compreendem, é um método fundamentalmente dialéctico. Quer dizer, um método que se apoia integramente na realidade, nos factos. Nom é, como alguns erroneamente suponhem, um corpo de princípios de conseqüéncias rígidas, iguais para todos os climas históricos e todas as latitudes sociais.”
J.C. Mariategui (Mensagem ao Congresso Obreiro de 1927)

 

Após a vagarosa leitura da conclusom do Companheiro Maurício devo reconhecer que perdim. Estava enganado, reconheço que das minhas posiçons surgem “pretensons essencialistas e reaccionárias, surgem delírios”.

Sim, pode ser que resulte estranho que o companheiro empregue historiadores que lhe chamárom feudalismo ao shogunato nos anos cinqüenta do século passado. É certo, também daquela outros marxistas reconhecidos lhe aplicavam o hoje desprestigiado conceito de “Reconquista” à história medieval peninsular. Mália as incalculáveis achegas à historiografia de Hobsbawn e Takahashi na época, hoje existe umha tendência maioritária entre os historiadores de esquerda a considerá-los eurocéntricos. Ao cabo, dizer que o shogunato é feudalismo é procurar a quadratura do circo para reafirmar que é o modo de produçom o que determina a sociedade como umha lei natural, sem inter-relaçons (a estrutura e super-estrutura das que nunca falou Marx mas sim o materialismo dialéctico soviético) e que o fai por isso em todo o planeta, como a lei da gravidade. Por que? Pois para confirmar o esquema também eurocéntrico das etapas progressivas da história humana: escravismo > feudalismo > capitalismo > socialismo que o próprio Marx acabou superando. Nessas, o companheiro nom responde ao de que o mundo muçulmano nom experimenta o feudalismo senom que vive nesse momento o esplendor comercial e cultural, mas será porque nom tem importância. Vale, hoje qualquer estudante de história sabe que o conceito “feudalismo” foi objecto de debate entre os peritos de todas as tendências historiográficas mesmo na sua aplicaçom a realidades como as do Sul de Europa. Mas isso aconteceu sobretodo nos últimos 50 anos. Por isso tentarei esquecer estas andrómenas “pós-modernas” e centrar-me na história produzida há seis décadas que me sinala Maurício, porque ele sim é um verdadeiro marxista.

De acordo, nom é habitual que, quando lhe pido ao companheiro Maurício que identifique a suposta revoluçom burguesa espanhola do século XIX, ele me responda assim. Que seica nom é umha revoluçom concreta senom “um processo, que no caso espanhol se prolonga ao longo de todo o século XIX”, um século inteiro de revoluçom. Por isso me comprometo a esquecer que, para a maioria dos historiadores marxistas actuais, a ausência dumha revoluçom burguesa no XIX é precisamente o que provoca a Guerra do 36 como estoupido de contradiçons. Nom, tampouco dou entendido o de “as objeçons colocadas polo César sobre o surgimento serôdio da classe trabalhadora” quando sinalo que nom pudo ser o medo a ela no XIX o que retardou nada porque era irrelevante no Estado. Sim, também há consenso histórico sobre isto, mas nom importa. Sei que trás o aparente para a racionalidade se agacha a verdade que sinala Maurício, porque ele sim é um verdadeiro marxista.

Está bem, concedo que pode parecer que Maurício nom responde ao do zapatismo na Revoluçom Mexicana porque teria que reconhecer que é realizada por comunidades camponesas. Sim, propriedade comunal que querem recuperar coas armas na mao umha vez que o nascente Estado-naçom capitalista lha roubou para entregar-lha ao Capital. Como passou no agro Russo no XIX e XX ou nas revoltas agrárias galegas contemporâneas a ambas. Mesmo se calhar alguém pense que Maurício retorce a questom labrega para proletarizar o tema com jornaleiros e assalariados dos terra-tenentes e que todo lhe quadre no esquema universalizante do sujeito mecânico da classe obreira. Os mal-pensantes poderiam cavilar incluso que o fai para nom reconhecer o erro na sua afirmaçom de que nom houvo revoluçons que nom fossem dirigidas pola classe obreira no século XX. Mas eu nom creio que seja querendo, ele é um verdadeiro marxista.

Já sei, em toda a sua diatribe sobre as classes camponesa e obreira que Maurício acaba traendo ao nosso país falta a ideia de proletariado simbiótico que o soberanismo marxista galego incorporou já nos anos setenta. Sim, se quadra acertaria mais na análise da nossa história recente se a empregasse. Mas nom se deve pensar que a desconhece ou a despreza porque nom pertencesse à sua tradiçom política, pois abofé que ele é um verdadeiro marxista.

Tem razom Maurício em que Mariátegui falou de vanguarda operária referindo-se ao seu partido e que Ho Chi Ming chamou à “uniom das grandes forças revolucionárias em torno da classse operária”. Empregavam a terminologia do marxismo da sua época, claro. Porém, a escasseza de classe obreira real nas suas realidades e a necessidade de descolonizaçom frente à unidade coa classe operária metropolitana foi a que os levou a teorizar e praticar ideias como o de campesinato classe revolucionária ou luita de liberaçom nacional e social. Por isso som precisamente lembrados hoje, sim. Claro, empregando argumentos de nomenclaturas também poderíamos dizer que o próprio Lenine era social-democrata acudindo a textos anteriores à I Guerra Mundial. As novas ideias nascem expressadas na velha linguagem hegemónica nesse momento, nom poderia ser doutro jeito. Mas ainda que pareça um razoamento superficial do tipo “¿Qué pone tu DNI?”, eles falar falavam assim e ganha o companheiro de novo, porque ele é um verdadeiro marxista.

Já, nom podo evitar reconhecer que me parece umha machistada que Maurício naturalize o trabalho de reproduçom da força de trabalho nom retribuído que lhe sinalo. Ele di que é assim desde há “10 mil anos”, mas esquece sinalar onde, em que sociedades. Claro que existiu patriarcado na maioria de sociedades pós-neolíticas do planeta, porém, o patriarcado que se impom no capitalismo é um em concreto. Nom é o patriarcado galego em que as mulheres podiam falar em nome da casa no concelho aberto quando nom existia nem sufrágio universal no resto de Europa, nom. Nom é o patriarcado chinês nem bantu, é o patriarcado cristao ocidental co amor romântico e a família burguesa de modelos. O trabalho de reproduçom da força de trabalho, a criaçom de mais trabalhadores, nom é natural, é um trabalho que a acumulaçom de capital aforra pagar naturalizando-o. Um trabalho que o capital percebe sem necessidade de mercá-lo. E sobre todo nom, nom se inclui no salário do homem, isso é a aplicaçom da sua naturalizaçom mais extrema. Mas bem, fago propósito de apagar da memória estas ideias que lhe lim à falsa marxista Sílvia Federici para seguir o que me di Maurício, porque ele sim é um verdadeiro marxista.

Sim, reconheço que dá que pensar que o mesmo que fala dumha revoluçom burguesa centenária espanhola questione que houvo umha revoluçom polos direitos civis dos negros em USA nos sessenta e setenta. Também que resulte contraditório que nom considere revoluçom vencedora a de Mandela que consegue “tombar um regime institucionalmente racista” porque “ nom houvo revoluçom social na África do Sul”, quando ele mesmo pedia exemplos de revoluçons apenas “por umha raça”. Mas as contradiçons partem do nosso desconhecimento sobre a verdade, porque Maurício sim é um verdadeiro marxista.

Igual nos parece que Maurício ignora o fracasso da “descolonizaçom” do século passado levada a cabo em nome de “umha revoluçom social em que a maioria trabalhadora derrotasse o colonialismo e/ou a dependência, impondo, mediante as luitas de classes, a igualdade real para além das raças.” A maioria dos novos Estados rematárom em neocolónias e as estruturas e dispositivos de poder colonial mantivérom-se quase intactos. Precisamente desde essa derrota partem muitas das análises pós-coloniais e decoloniais, para entendermos as origens do fracasso. Todas concluem que o erro é a tendência da colonizada a remedar o colonizador e as suas instituiçons e marcos mentais mesmo na própria “liberaçom”. Coma nós coa nossa RAG a imitaçom da RAE, por exemplo. Também nos pode estimular o sorriso que o companheiro Maurício fale de que estas análises som “nóvissimas” quando aparecem já nos primeiros 70. Mas entende-se dadas as referências do começo aos debates e obras de Hobsbawn e Takahashi nos anos cinqüenta. Pode haver até quem julgar que o companheiro Maurício nom entendeu os falsos marxistas Wallerstein, Quijano ou Grosfóguel quando ele interpreta que querem substituir o capitalismo pola modernidade. Alguém até porá isto em relaçom co seu reconhecimento expresso de ter poucas leituras dos autores decoloniais. Contodo, fago emenda das minhas “ideias bizarras” e até das demandas “pós-materiais” que nom identifico, porque mo di ele, que é um verdadeiro marxista.

Reconheço assim e todo que me encheu de saudades o companheiro Maurício quando me explicou a teoria da mais-valia. Lembrei os dous anos em que percorrim o país de assembleia obreira em assembleia obreira fazendo o mesmo, há já mais dumha década. Foi justamente daquela quando conhecim a falsa marxista Isabel Ráuber, professora de marxismo na Universidade da Havana e que Maurício ignora na sua resposta ao meu anterior artigo. Se calhar, porque ela defende, como Samir Amin (tampouco responde sobre ele), que nom existe a classe obreira como sujeito histórico principal e mecânico, senom que se constrói e se adapta. Mas bem, o funcionário Maurício fala-nos de que a exploraçom se mede objectivamente em funçom do que o explorado produz, nom do que ele percebe no salário. Sim, igualinho que o professor de Filosofia lhes explica aos bachareis do meu centro. Escuitei a explicaçom até para justificar o cobro dos obscenos soldos dos políticos profissionais por parte doutros verdadeiros marxistas: “Exploraçom é exploraçom, nom salário, e nom lhe vas pedir a um funcionário de 3000 euros que se empobreza co salário médio porque queira representar-te.” Tem razom o Maurício, ainda que pareça que o emprega para opacar que, a igual trabalho, sistematicamente as mulheres cobram menos que os homens e que os negros e galegos menos que os trabalhadores espanhóis, porque o importante é a unidade de classe e nom a distribuiçom racista e machista do trabalho e do salário. Já sei que se pode pensar que, segundo esse razoamento de que nom interferem género nem raça/nacionalidade no roubo da mais-valia, teremos que concluir que, nos mesmos postos de trabalho, a mulher cobra menos porque produz menos para o capital e o galego menos do que o espanhol.

Vale, sim, também pode que hoje eu prefira explicar, co falso marxista Dussel, o roubo da mais-valia a partir do trabalho vivo, do roubo da vida do explorado, como também faziam Marx e Lenine. É só umha questom de pedagogia e perspectiva. E falando de perspectiva, Marx cuidava que os funcionários como Maurício produzem sobretrabalho para criar condiçons gerais favoráveis à produçom de mais-valia, mas nom mais-valia propriamente. Lenine, pola sua vez, diferenciava entre funcionariado que administrava e controlava o Estado burguês participando da exploraçom da nossa classe e o que simplesmente lhe vendia o trabalho participando, por tanto, da sua reproduçom. O Trotski ao que tanto nos remetem indirectamente as ideias do Maurício era muito mais drástico, chamava-lhes pequena burguesia aos funcionários coma ele. Porém, para mim Maurício pertence à nossa classe, mália às diferenças salariais e ao meu maior número de horas de trabalho que me empece a sua presença nas redes sociais. Ao cabo, ele é um verdadeiro marxista.

Falando de Trotski, nom podo evitar sentir nas posiçons essencialistas da classe de Maurício os ecos de discursos doutras latitudes. Sim, tenhem acordes parecidos às críticas dos troskistas argentinos ao marxismo peronista ou dos esquerdistas venezuelanos de Bandera Roja ao chavismo que escuitei nesses dous países. A classe abstracta como luz cegadora que impera sobre qualquer prática real anti-imperialista, anti-colonial, anti-patriarcal, e que acusava de idealismos nacionalistas pequeno-burgueses aos seus respectivos governos da altura favorecendo assim os interesses ianques. Mas bem, pode ser aparência minha, fruto dumha visom que nega a totalidade divina da classe abstracta e “pretende estabelecer divisons e mais divisons sociais e nacionais com critério racial, religioso ou cultural.” Porque ao cabo, a soluçom é que a vanguarda obreira dirija o Procés catalám ou a nossa própria liberaçom nacional, sem mais. Por isso cumpre repetir a cita de Samir Amin que o Maurício nunca respondeu, ainda que ele sim seja um verdadeiro marxista: “os sujeitos da história cumpre vê-los como nom definidos a prióri. A posiçom contrária estivo e está marcada se calhar mui fortemente nas correntes dogmáticas, mesmo em correntes com vocaçom revolucionária como os trotskistas, que falam de classes e de classe operária em especial como que é necessariamente e em todo momento sujeito das história, e que se nom o é, isto obedece a razons conjunturais, à traiçom dos chefes e cousas desse tipo.”

Aliás de bom marxista, Maurício tem retranca. No mesmo parágrafo em que me di: “cai o César na caricatura quando me atribui desprezo por autores atuais”; vai e oculta as principais facetas do falso marxista Hinkelammert, economista, e de Dussel, filósofo e historiador, chamando-lhes teólogos. A David Harvey, verdadeiro génio à hora de explicar os processos de acumulaçom do capital e as suas inter-relaçons locais e mundiais, apenas geógrafo. Sim, tenhem doutoramentos em todas essas carreiras, também em teologia os dous primeiros, mas é como dizer: “o advogado Lenine fala-nos de economia.” Umha “paverada” dum marxista auténtico.

Resulta impossível vencer um Muk Yan Chong, o wooden dummy co que se identifica Maurício. O aparelho só tem três paus que se interpretam como punhadas e outro para pontapés. Já lhe podes realizar as técnicas mais floridas e elaboradas que ele vai manter a imobilidade e esses três golpes, sota-cavalo-rei, sem variar a estratégia e sem queixar-se. Tam invencível como aqueles mormons que quigem convencer da origem mesopotámica e da interpretaçom simbólica da Génese. Nom deixárom de repetir-me os versículos como se a discrepância provinhesse da minha incomprensom. Punha-ao ali no livro, ou nom o via? Por isso me confesso falso marxista e lhe entrego a autenticidade da etiqueta sem remorsos. Para ele essa identidade ideológica se coincidimos no trabalho independentista e anti-capitalista que nos tocou levar a cabo nesta fase tam difícil para o movimento de liberaçom nacional galego. E sim, sei que vai ser assim porque mesmo fomos quem de dar este debate sem dramas e incluso divertindo-nos. Saúde e obrigado, companheiro.