César Caramês/
Agradeço-lhe a Maurício Castro a oportunidade de continuarmos o debate que nos fornece aqui. É toda umha honra fazê-lo com quem tenho de referente em matéria de reintegracionismo e de conhecimento do Brasil, além de ser um militante com décadas de entrega ao lombo. Procedo logo por partes e mui sinteticamente.
1- Mecanicismo e eurocentrismo
Afirma o companheiro Maurício que o acuso de mecanicismo e eurocentrismo por copiar o positivismo marxiano quando digo aqui que fala “da burguesia que luita por instaurar o capitalismo no Japom contra a nobreza feudal”. Porém, apenas constatei que o processo é levado a cabo por umha parte da nobreza daimiá, nom por nengumha fantástica burguesia do shogunato, como ele reconhece na sua resposta. Mas claro, o meu curto entendimento nom percebe o mesmo nas palavras do seu primeiro artigo: “No caso japonês, a analogia possível seria com a aliança entre o campesinato e o espiritualismo feudal contra a modernizaçom capitalista e a padronizaçom do seu xintoísmo de Estado, da mao da burguesia ascendente.”
Acusa-me entom a mim de negar o papel da burguesia no capitalismo japonês. Nom, ho, claro que existe burguesia nacional japonesa, configurada através da transformaçom que realizou previamente esse sector da nobreza e com base nele. Mas posteriormente, nom como motor de nengumha revoluçom burguesa. Nesta linha, pergunta-me o companheiro Maurício que quê era senom feudalismo o sistema anterior à Restauraçom Meiji. (Repare-se no esquema eurocéntrico escravismo-feudalismo-capitalismo-socialismo que mantém) Era um sistema senhorial, o dos daimiôs, sem as características, mui concretas, do feudalismo cristao e germânico europeu. Como sistema senhorial era o clientelar tardo-romano sem ser feudal. A propósito, enquanto Europa vive o feudalismo, este nom aparece no mundo muçulmano, que goza do seu momento de esplendor comercial e cultural. Sem ir mais longe.
2- Dogmatismo.
Insinua o companheiro Maurício que acompanho a divisom althusseriana (sem nomeá-la) dum jovem e velho Marx. O primeiro mais humanista e hegeliano e mais economista e contundente o segundo. Nem partilho essa divisom nem a maioria das conclusons que tira este autor sobre a evoluçom de Marx. Apenas sinalei que, ao final da sua vida, Marx superou o determinismo dos chanços dumha história ascendente, como demonstra o seu posicionamento sobre o agrarismo russo. Neste sentido, lamento que o companheiro Maurício se sinta assim: “Nom fai falta dizer que eu fico recluído na pior versom, sob o pesado manto do dogmatismo.” Nunca lhe dixem eu tal cousa, ho.
A seguir, o companheiro Maurício defende que som burguesas todas as revoluçons que contribuírom a instaurar a burguesia como classe hegemónica mundial no presente e que por isso ele fala da revoluçom burguesa espanhola que eu lhe critico. Mas bom, qual é essa revoluçom burguesa espanhola do século XIX? A do triénio liberal com Fernando VII de rei? A regência de Espartero, mao direita de Isabel II? A “Revolución Gloriosa” que coroa a Amadeo de Sabóia?
Afirma também Maurício que: “Já os casos de Itália e de Espanha, salvando as grandes diferenças de cada um, mostram também processos tardios, prolongados e deficitários de modernizaçom, dando como resultado oligarquias à frente dos Estados-naçom numha altura em que o medo ao proletariado impediu que seguissem a via democrática inglesa ou francesa.” Porém, Itália unifica-se e “independiza-se” total e realmente do império Austro-Húngaro e da França ainda em 1870 co apóio prussiano. O caso espanhol, um império em decadência com umha velha oligarquia terra-tenente e parasitária da administraçom imperial hispánica desde o século XVI é radicalmente diferente. Nom é o medo ao proletariado o que empece que se siga a via inglesa ou francesa no século XIX. A nossa classe, nessa centúria, carece de peso organizado até a última década do século e em núcleos mui concretos. Essa idealizaçom dos factos históricos com base no modelo de revoluçom burguesa que se corta por medo à força do proletariado é também pré-fabricado e nom lhe quadra para nada ao XIX no Estado espanhol. Mas sim à II República Espanhola que pinta a óptica troskista e anarquista. Se calhar, o companheiro referia-se a isso.
Congratulo-me da concordância co companheiro Maurício na negaçom desse determinismo etapista do marxismo mais mecanicista na sua resposta. Porém, nom podo evitar perceber como segue a chamar-lhe revoluçom burguesa à Restauraçom Meiji e feudalismo ao sistema senhorial dos daimiôs.
3- Messianismo
Mantém aqui o companheiro Maurício que: “TODOS os processos revolucionários dirigidos pola classe trabalhadora, em aliança com outras, ao longo do mundo no século XX. Nengum deles foi liderado por outra classe que nom fosse a trabalhadora, embora tivesse participaçom determinante do campesinato”. Mas um pergunta-se daquela se o Plan de Ayala zapatista da revoluçom mexicana estava redigido polo escasíssima classe operária desse país na altura. Era certo que tinham influências magonistas, mas nom, abofé! Fôrom as comunidades labregas e indígenas a reclamarem a devoluçom das suas terras colectivas coas armas na mao. Questiona-se um também se Maurício condena a Mariátiegui ou a Mao por defenderem o carácter revolucionário da classe camponesa. Mas bom, que saberiam Zapata, Mariátegui ou Mao de processos revolucionários? Contodo, quiçá a maior valentia intelectual da resposta do companheiro Maurício a constitua a afirmaçom de que a Revoluçom Cubana (sim, o movimento 26 de Julio e a guerrilha camponesa de Sierra Maestra triunfante em nome de valores anticoloniais e democrático-formais) estava dirigida pola classe obreira. Ou que era o proletariado da gigantesca indústria fordista vietnamita (retranca, obviamente) a que guiava a luita de liberaçom nacional e social desse país. Porém, o companheiro Maurício inclui a Mariátegui, Ho Chi Minh e Fidel Castro na listagem de avais práticos da sua ideia do proletariado como classe universal dirigente. Mesmo agrega a Samir Amin, ainda que lhe encabeçasse a minha primeira resposta com umha cita sua na que contradi totalmente esa tese e que volto a reproduzir por se nom a leu: “os sujeitos da história cumpre vê-los como nom definidos a prióri. A posiçom contrária estivo e está marcada se calhar mui fortemente nas correntes dogmáticas, mesmo em correntes com vocaçom revolucionária como os trotskistas, que falam de classes e de classe operária em especial como que é necessariamente e em todo momento sujeito das história, e que se nom o é, isto obedece a razons conjunturais, à traiçom dos chefes e cousas desse tipo.”
Indica-me depois o companheiro Maurício que é a minha falta de conhecimento do “processo de reproduçom ampliada de capital e o processo de acumulaçom mundial de capital” o que me vira incapaz de entender esta centralidade da classe obreira idealizada. Pode ser, mas entom o trabalho de reproduçom da força de trabalho, do que o capitalismo aforra os salários naturalizando-o e feminizando-o? Quer dizer, os cuidados domésticos e a criança, fundamentais para produzir mais trabalhadores e que o capital nom tem que retribuir. Nom é esse trabalho também axial? Marx cuidava que essa reproduçom da força de trabalho era natural porque nom era quem de pôr ainda os óculos feministas. Nom é determinante essa distribuiçom do trabalho na ordenaçom da sociedade e das identidades em funçom da acumulaçom de capital, como nos di a feminista marxista Sílvia Federici? Para o companheiro Maurício, nom. Todo se resolve desde a classe obreira ampliada ao funcionariado que reconhece luitas parciais. E sinala: “nengumha revoluçom até hoje foi liderada polas “minorias oprimidas” nem, felizmente, por umha “raça” ou conceito racial.” Adeus a Malcolm X, às Black Panthers, a Mandela e sobre todo a Angela Davis. Mas pode ser que o companheiro Maurício ignore a centralidade da raça como critério organizador do trabalho no capitalismo? A escravitude nom é umha inércia dumha etapa anterior ao capitalismo, é central para ele, parte constitutiva. A acumulaçom de capital também aforra nela os salários, como nos ensinou Aníbal Quijano. Porém, no capitalismo, a diferença doutros escravismos, só se escravizou a quem se inferiorizou racialmente por mor matriz colonial de poder que se impujo, naturalizando assim essa exploraçom. Este critério é o mesmo que marca ainda hoje a distribuiçom do trabalho, atravessa a nossa classe. Nom é o mesmo ser trabalhador negro ou cigano que branco, como nom é o mesmo ser trabalhadora galega que madrilenha. Cobramos menos e trabalhamos e morremos mais. É o racismo fruto da modernidade e da colonialidade capitalista o que provoca o fenómeno. A burguesia intermediária mexicana e boliviana som branquinhas; em Galiza falar o nosso idioma coa nossa fonética, mesmo conservar o nosso sotaque em espanhol, é de pobres. Isto entendeu-no sempre a tradiçom política do soberanismo galego marxista, desde a UPG dos setenta, identificando bem conceitos como aristocracia obreira colonial. Nunca confundimos o internacionalismo co idealismo e o essencialismo do cosmopolitismo obreirista mais colonial. O mesminho que o feminismo marxista a respeito da unidade de clase e de género. Ideias que Maurício nega a partir da abstraçom e da igualaçom perversa da ideia de salário: “A exploraçom nom é umha questom valorativa, nem dependente da quantia do salário, do sexo ou da raça da trabalhadora ou trabalhador afetado.” Vamos, que as companheiras que cobram menos que os homens nos seus trabalhos som um problema secundário.
Mas para o companheiro Maurício todo isto som posmodernidades e socialismo romântico anacrónico que fala de luitas abstractas entre raças, géneros e naçons. Quiçá o mais grave é quando me atribui um “essencialismo anti-histórico, que situa o racismo e o machismo na “essência” do home branco europeu”. Assim, de grátis, porque ele o di. O pior é que nom só a mim, também à Isabel Ráuber que questiona igualmente esta centralidade da classe operária no anticapitalismo. Ainda que seja a professora de marxismo da Universidade da Havana, (sim, a Cuba de Fidel). Ou Enrique Dussel, director da cátedra que leva o seu nome na UNAM e que dedicou este ano às quatro redaçons d’O Capital. Alguém que entregou umha vida a estudar a Marx em língua original, referente teórico de Hugo Chávez e Evo Morales para as revoluçons do século XXI e agora também de MORENA. Um professor do seu departamento, curiosamente, acabou também sendo conhecido desde que se foi para as montanhas de Chiapas e se fijo chamar Subcomandante Marcos. Mas bom, nem eles nem os processos latino-americanos do presente século que assessorárom gozam da pureza marxista da que Maurício nos excomunga repetindo-me os rudimentos da lei do valor interpretada como lei da natureza ao jeito do materialismo dialéctico mais ranço. Himkelammert e David Harvey poderiam ajudar a completar-lha um chisco, mas claro, som demasiado actuais e igual tampouco tam marxistas, mália que todo o planeta os classifique assim. O futuro é retro, a volta ao modelo de partido marxista-leninista dos anos trinta, mas purificado de desviacionismos como nos demonstram os exitosos exemplos contemporâneos de… hmmm…? Que PC ortodoxo triunfou nalgures nos últimos 50 anos fora dos computadores? Voltando à alegoria marcial: o Karate tem umha estética tam atractiva como a soviética dos anos vinte; o filme Karate Kid pode-nos emocionar tanto como entoar o Bella Ciao; mas para o combate real prefiro os meus Sandá e Muay, as MMA ou o Jiu Jitsu brasileiro que practica o companheiro Maurício. Quando os erros nas escolhas doem fisicamente, quando queremos ganhar a sério, nom andamos com saudosismos bolcheviques nem esteticismos. Porém, essencialismo anti-histórico disque é o meu.
Abofé que “sem quebrar a maquinaria de reproduçom do sistema, nengum voluntarismo ou essencialismo nacional, racial ou de género poderá sozinho ultrapassar as condiçons necessárias de reproduçom do capital.” Porém, insultar as luitas anticapitalistas nom estritamente obreiras assim, desde um outro essencialismo da classe, nom ajuda em nada a essa unidade quebradora. Negar o messianismo da classe, a sua preferência natural sobre as outra luitas, e a sua construçom mecánica como sujeito histórico, nom supom negar a luita de classes, implica valorizá-la num contexto mais complexo para sermos efectivos. Mais ainda num momento de fragmentaçom da nossa classe e das luitas anticapitalistas em geral, como o companheiro Maurício reconhece. Porém, a unidade e a organizaçom, imprescindíveis para dar feito algo contra este sistema assassino, nom podem ser construídas voltando a modelos superados de seu e concebidos desde e para outras realidades. Quantas vanguardas obreiras comunistas e soberanistas chegou a a haver na Galiza dos noventa? Quantas criárom unidade entre elas polo menos? Quantas eram realmente obreiras? Dussel e Boaventura de Sousa, também Ráuber em certa maneira, falam de construir esse novo sujeito transformador unitário como “povo” de jeito analéctico. Quer dizer, mediante a elaboraçom plural e colectiva dum discurso unificador que reconheça as luitas variadas e foque a superaçom de todas elas num programa comum. Movimentário e nom institucionalista, mas sem desbotar a via institucional. O partido-movimento do que fala o Paco Taibo II de MORENA ou o nosso David Rodríguez e no que adoraria poder encontrar-me co companheiro Maurício para seguir debatendo e militando até vencermos.