Por Antom Santos /
Dizia José Velo, a propósito da sua tentativa insurreccional nas fileiras do DRIL, que para lançar o seu projecto, nom confiara ‘nos comunistas dogmáticos, nem nos galeguistas románticos e apáticos’. A quem se referia com esta última expressom ? Particularmente, a quem foram membros do PG da década de 30 que, baixo os rigores da ditadura, apostaram exclusivamente no cultivo das letras. Mas na realidade a acusaçom era mais ampla : nom aponta apenas a umha sigla, nem a um programa, nem a certos nomes próprios. Aponta a umha corrente persistente ensimismada na especulaçom e no cultivo erudito que, desde os seus primórdios, lastrou o nacionalismo político.
‘Culturalismo’ foi um dos nomes -mais ou menos coloquiais- que recebeu esta tendência. Que nom apareça abertamente confessada nos programas, ou que figure coberta por um véu de confusom nas declaraçons dos seus protagonistas, nom lhe resta nem miga de importáncia. Os mais dos galeguistas dedicavam os seus esforços à literatura e aos tratados académicos, no canto de procurar a interlocuçom directa com o povo e de dar o passo à acçom conscienciadora ; boa parte deles -de novo numha polémica plenamente actual- camuflavam-se em alianças espanholas com a prentensom de efectividade eleitoral. Os arredistas de além mar soubérom detectar com perspicácia a coartada, e dedicárom-lhe ataques acendidos : ‘A falta de espírito cívico, a falta de consciência galega, som os já resobados tópicos de que botam mao os nacionalistas na Galiza para justificarem a sua brandura na enunciaçom dos postulados galeguistas.’ Porém, e ainda reconhecendo o que de verdade poderia haver nesses obstáculos, o motivo de fundo das práticas conciliadoras é bem outro : ‘A política dos nacionalistas em povos assovalhados é um estado de semi-esquecimento de si mesmo, requer dotes excepcionais, nom intelectuais : homens de carácter forte, templados para a luita (…) se um nacionalista galego nom tem temple de político, apresentará o melhor serviço à pátria nom metendo-se à laboura para a qual nom tenha fôlegos’. (Vicente Barros, A Fouce, 1931). As páginas d’A Fouce ou do Guieiro, ao igual que os manifestos do Comité Revolucionário Arredista Galego, incidem umha e outra vez neste tema. A recorrente legenda ‘A Galiza honra-se com feitos, e nom só com palavras’, sintetiza a posiçom.
As críticas eram -e som- tam incómodas que normalmente se respondiam com o silêncio. Mas em ocasions, o galeguismo hispanodependente e os grémios intelectuais que lhe davam soporte participavam abertamente da polémica. Blanco Amor, o novelista que se apoiava nas redes do grande cacicato galego da emigraçom para medrar no jornalismo, decicou aos pondalianos estes qualificativos : ‘garabos indiscretos, verseadores, analfabetos, humilhados, ofendidos, caluniosos, intrigantes, insidiosos…que se metem com todo o mundo : com a Federaçom (de Sociedades Galegas), com o PG, com os deputados constituintes, com Vilar Ponte, com a Bíblia em verso.’ Mas, além desse tom faltom do que se acusa A Fouce, que havia de verdade ou de mentira nas análises independentistas? Blanco Amor prefere obviar essa questom central, para apontar noutro sentido : a classe social dos arredistas. ‘Escrever nom é o seu, evidentemente (Dediquem-se) a raparem barbas, venderem tartám, pintarem tápias, venderem leite e biscoitos de baunilha, empacotarem sapatos, venderem chafalonias, pintarem cartazes de cinema ou encerarem pisos…é o seu ofício, nom pretendam umha outra cousa.’ (Allegue, G. : Eduardo Blanco Amor. Diante dun xuíz ausente, 1995).
Por trás do desprezo ao tom panfletário da Pondal há um desprezo de classe, aos trabalhadores advenedizos que ousam entrar na teorizaçom política e na controvérsia pública. O elitismo cultural nom foi um elemento menor do galeguismo apático. Aparece nitidamente na correspondência de Vicente Risco a Lousada Diegues ; num dos seus recorrentes acessos de melancolia, escreve o ourensano : ‘está-nos bem empregado por querermos salvar um povo de cabrons como o povo galego, por quereremos dotar de consciência nacional um povo que quer perder o carácter de povo, um povo suicida que quer perecer como tal povo’ (Carta a Lousada Diegues, 1921). Quem dizia isto nom era um filiado da ORGA, nem um possibilista, senom um teórico daquele ‘nacionalismo integral’ que procurava umha acçom absolutamente à margem da política espanhola. O seu discurso resultava tam atractivo que mesmo atraiu às fileiras da ING galeguistas de esquerda como Ramom Vilar Ponte ou Jaime Quintanilha. Porém, da ensonhaçom das palavras à realizaçom prática havia um longo treito. Treito que a cultura especulativa e a nulidade prática de Risco nom permitia em nenhum caso percorrer. De novo em conversa com Lousada, revela-se a sua indisposiçom para abraçar a militáncia : ‘cumpre-me umha temporada de descanso. Tenho, ou nom tenho direito a ele ? Merece algumha consideraçom a minha qualidade de ser vivinte, a minha saúde, a minha tranquilidade ? (…) E o meu labor literário e erudito ? Quando vou poder eu escrever umha cousa séria ? Quando vou concluir a Galiza céltiga ? Quando vou fazer o estudo das superstiçons galegas ? Quando vou fazer um livro ? Nom é injusto que todos tenham tempo para isso e eu nom ? Quando vou estudar ? (carta a Lousada Diegues, 1922). Como é sabido, a elaborada ideia dum galeguismo conspirativo e segredo, nutrido de ‘frades e soldados’ ficou em pura utopia. Álvaro Cunqueiro, que fora moço arredista, também explicava em carta a Fernandes del Riego a sua renúncia ao ideário galego : ‘ficava-nos demasiado grande o casco’, diz ao seu amigo nos anos 40.
Nom surprende por isso que em 1931, com a proclamaçom da efémera República galega, o mais escolhido dos homens de letras da nossa terra mantenha um calculado silêncio, como podemos comprovar revendo as páginas d’A Nosa Terra, quase monograficamente dedicadas à questom estatutária. À frente do tumulto estavam pondalianos vindos da Argentina, líderes agraristas ou militantes fogueados no sindicalismo americano : ‘Os acontecimentos do Carvalhinho e Ourense terám de fazer sair as cores nas meixelas de muitos que, por um prurito de vaidade ou de outra cousa, esquecêrom-se do compromisso e obriga que tenhem contraído com a sua Pátria’, escreviam n’A Fouce em Julho daquele ano. Nessa mesma década, vai ser Joám Jesus Gonçález, um pedreiro autodidacta, convertido por próprio esforço em advogado e escritor, o que proclame um ‘nacionalismo de acçom’ e tente a primeira maridagem entre independentismo e socialismo, liquidada polas armas dos golpistas. E já em plena ditadura, um jovem arredista, Antom Moreda, chega ao país com a desconhecida palavra ‘militáncia’ para tecer a rede que daria lugar à reconstruçom do nacionalismo na posguerra, ao nascimento do independentismo contemporáneo e à mais grande popularizaçom das nossas ideias que a Galiza conhecera.
Mas nom há dúvida que a contradiçom no campo nacional permanece irresolta, enquanto o processo assimilador da Galiza continua com passo rápido. Vivemos em certa situaçom de urgência, e os lastros que condicionárom o passado da nossa causa som ainda, em grande medida, os que condicionam o nosso presente; Como sabiam os nossos antecessores, sem combate ‘à falta de enteireza, exitismo, logreirismo e vontade de ganhar o favor dos espanhóis’ (Vicente Barros) jamais conseguiremos avanços decisivos.