ENTREVISTADOR: Segundo certo rumor, você protesta em contra de que o chamem “pacifista”. Comprenderá que esse rumor nos desconcerte, e mesmo nos apavore.
G. ANDERS: Nom fai falta nenhuma. O único que quero dizer, ao rejeitar essa classificaçom, é que quem hoje em dia siga a chamar-se “pacifista”, parece supor acriticamente que os objectivos da política de poder podem acadar-se também com métodos pacíficos. Mas esse já nom é o caso. Hoje em dia, qualquer guerra, polo menos qualquer guerra entre potências mundiais (ainda que também os estados pequenos acadárom já a “maioria de idade nuclear”), ia desembocar automaticamente, e pode que aos poucos minutos, numha catástrofe total
1. Fim do pacifismo
Posto que –como afirmei há trinta anos- nom existe já nenhum alvo bélico que nom ficasse destruído polos efeitos dos meios bélicos utilizados, porque qualquer efeito seria incomparavelmente maior que qualquer alvo concebível ou desejável, por todo isso, nom há mais alternativa que ser pacifista. A consigna –ainda assim falsa- de que “o fim justifica os meios”, na actualidade devêssemos reempraçá-la pola noçom verdadeira de que “os meios destruem os fins”. E porque isto é assi, nom há mais alternativas que ser pacifista. Por isso o som. Onde nom há alternativa, um termo especial como o de “pacifista” vira supérfluo.
E.: Estamos-lhe muito agradecidos por esta aclaraçom. E ainda mais agradecidos porque também se rumorea, curiosamente, todo o contrário sobre você.
G. ANDERS: E logo que se rumoreia?
E.: Que você…desculpe, mas eu nom som responsável por esse rexoube…
G. ANDERS: Que rexoube?
E.: Que você se pronunciou explicitamente em contra da exclusividade da nom violência como princípio.
G. ANDERS: E logo porque havia de ser isso um rexoube? Se é a pura verdade!
2. A nossa negaçom da nom violência é a afirmaçom do nosso direito à legítima defesa baixo o estado de excepçom
E.: A pura verdade?
G. ANDERS: esse assombro seu produz a impressom de que você pensa que eu aderim algumha vez explicitamente ao princípio de nom violência. Disso, naturalmente, nem falar.
E.: Você chama “natural” a essa viragem de chaqueta?
G. ANDERS: Que eu o “chamo” assi? E que “viragem de chaqueta”? O direito à legítima defesa de pessoas que estám ameaçadas de morte, que podem mesmo ser agredidas em qualquer instante é, naturalmente, umha cousa natural! Mesmo o direito natural.
E.: Você chama “legítima defesa” à renúncia à nom violência?
G. ANDERS: Umha outra vez esse “chamar”. É legítima defesa! E já que a ameaça é total, e a possível desfeita global, a nossa legítima defesa deve de ser total e global. Tem que se converter em guerra de defesa de todos os ameaçados. E isso quer dizer: de todos os seres humanos de hoje e de amanhá.
3. A moral está por riba de legalidade
E.: Como e porque chegou você a essa…extranha posiçom?
G. ANDERS: O raro, o que precisaria aclaraçom, seria, pola contra, que nom tivesse chegado a esta posiçom.
E.: E dá-lhe com revirar as minhas perguntas.
G. ANDERS: A ver, oh, a ver. Alguém cuja vida transcorresse como a da minha geraçom, na época das ditaduras e das guerras de agressom, alguém que vivisse conscientemente nessa época durante mais de setenta anos…
E.: Como?
G. ANDERS: Si, desde agosto de 1914. Quem vivesse conscientemente essa época, e isso significa: quem nom afastar a olhada durante nenhum instante da sua vida, quem nom pudesse afastar a olhada das atrocidades que acontecêrom enquanto viva, nom importa onde acontecessem (porque a distáncia nom diminui a nossa obrigaçom); e quem mesmo nos instantes de ledice nom afastasse a olhada, nem nos tempos de felicidade, porque no emocional sempre cumpre “tocar a duas maos”…
E.: (Dá sinais de completa incomprensom)
G. ANDERS: Tampouco nom tinha muito mérito. Nem o tem sequer, quiçá seja mesmo um defeito. Seja como for, quem é contemporáneo de Verdum e de Auschwitz e de Hiroshima, de Argélia e de Vietnam…se você pudesses escuitar todo o que acontece no mundo ainda que os mais de nós somos surdos, entom teria que se tapar os ouvidos, porque a balbúrdia que chega de toda parte nom cessa nem num intre…
E.: (Tapa os ouvidos, arrepiado.)
G. ANDERS: Deixe-o, home, deixe-o! Quem estivesse condenado, e o continue a estar ainda, a viver esta época, a ouvir o seu estrondo, dia trás dia, e ano trás ano…
E.: Si?
G. ANDERS: E agora vem a consequência que você nom aguardava…
E.: Qual?
G. ANDERS: Esse nom pode, nom tem direito a se converter em advogado da nom violência a qualquer preço, nem a sê-lo nem a continuar a sê-lo; porque os agredidos, as vítimas da chantagem –cousa que concede nom apenas o direito internacional, senom mesmo o direito eclesiástico-, estám legitimados, obrigados mesmo, a exercer a defesa legítima ante as ameaças de violência e, com mais razom ainda, ante os actos de violência. Os adversários do nuclear estamos a livrar, portanto, umha luta defensiva contra uns ameaçadores tam enormes como nunca antes existiram.
Temos portanto o direito a empregar a violência contra a violência, ainda sem estar sostida por nenhum poder “oficial” nem “legal”, quer dizer, por nenhum Estado. Mas o estado de excepçom legitima a defesa: a moral está por riba da legalidade. Penso que nom é preciso justificar esta regra douscentos anos depois de Kant. Nom nos deve imutar que aos kantianos de hoje se nos qualifique de “amigos do caos”, ainda que creamos afogar-nos no fedor a cerveja ao ouvir esta palavra, porque nom é mais que umha mostra de analfabetismo moral de quem nos etiquetam assi. Posto que sabemos quem foi o engenhoso acunhador dessa inventiva, o mesmo home que há anos já nos riscou de “ratas” e “caga-roupas”, devêssemos aceitar esse apelativo como um título de honor. Eu polo menos fago-o.
4. A capacidade de exercer violência, chamada “poder”, arroga-se o monopólio da legalidade
G. ANDERS: Chamam-nos “amigos do caos” por nom reconhecermos o monopólio do seu poder baseado na violência, quer dizer, na capacidade para ameaçar e bater. Já que eles fazem passar o poder, o seu poder, por ordem, logos nós somos portanto os desordeiros, os amigos do caos, desqualificados mesmo polo peiteado, o cavelo longo que para Durero ou Schiller era ainda normal, como umha mostra de desleixo, de criminosidade, de bolchevismo. Polos vistos, quem leva o cavelo longo (ainda que o número de guedelhas entre os inimigos do nuclear é avondo reduzido), nom tem direito a defender o direito da humanidade à sobrevivência. Por absurdo que for, os Strauss e os Zimmermann utilizam como argumento em favor de Wackensdorf e outras instalaçons nucleares a afirmaçom de que apenas a gente suja e guedelhuda se opom à corrida armamentística nuclear. (3)
5. A inversom
G. ANDERS: Ao mesmo tempo que nós, os defensores da paz e os adversários da ameaça, somos riscados de “violentos”, ao nom limitarmo-nos aos protestos puramente verbais, todas as potências verdadeiramente agressivas consideram-se a si mesmas defensivas. Por trás da intoxicaçom química de Vietname ou do recente bombardeamento de Trípoli nom estava, obviamente, nenhum “departamento de agressom”, senom um “departamento de defesa”, ainda que evidentemente nem a Vietname nem à minúscula Líbia se lhe teria ocorrido querer (nem poder) atacar os Estados Unidos.
Quando os agressores se chamam “defensores” (e, corrompidos pola sua própria mentira, nem sequer se assombram de levar e reivindicar essa etiqueta mentireira), entom tampouco nom surprende que, ao invés, tratem como agressores quem estamos a lutar pola paz utilizando contra nós armas que som claramente armas de guerra, como aconteceu, por exemplo, em Wackersdorf. Esta actividade contrarrevolucionária sua converte-nos com efeito em revolucionários e provoca umha situaçom que se aproxima de verdade à dumha guerra civil nom declarada. E se um cidadao sofre um dano, entom demonstra com isso que ele fora o agressor.
6. Sobre os happenings e a dialéctica da nom violência
E.: O termo “legítima defesa” que você utiliza, nom me dá acougado. Nom será que você, ao falar assim, está, digamos, a cruzar um Rubicom?
G. ANDERS: Um Rubicom? O Rubicom! (4)
E.: Isso queria dizer eu.
G. ANDERS: Mas nom som eu quem o cruza, já que foi cruzado há muito por quem nos ameaçam. Ou considera você que os culpáveis som quem se defendem? Você diria que a defesa estamos a inventá-la?
E.: Nom, claro que nom.
G. ANDERS: Olhe. Aliás, nom cumpre exprimir todo isto de maneira tam pedante; nom é este o lugar onde presumirmos de formaçom humanista, mesmo seria um sinal de covardia. Quanto pior for o tema, com mais sobriedade nos devemos de expressar.
E.: E como expressaria você isto todo?
G. ANDERS: Já o fixem, mas temo que você nom quera compreender. O que quero dizer é que as simples declaraçons som ineficazes e, portanto, vergonhentas e imorais.
E.: Mas nom se pode…
G. ANDERS: Si que se pode, ou teria-se podido, ou teria que ter-se tido que poder, vai-no ver e vai-no admitir você aginha quando dê um chimpo ao antes de onte.
E.: Que quer dizer você?
G. ANDERS: Qual teria sido a maneira de combater Hitler? Considera você imorais as poucas tentativas de eliminá-lo que, por desgraça, fracassárom miseravelmente? Ou teria sido imoral nom tocá-lo (como, com efeito, se fijo, com excepçons), ainda sabendo que sacrificaria sem duvidar milhons de seres humanos aos seus objectivos demenciais?
E.: Como pode você comparar o de hoje com o de aquela!
G. ANDERS: Nom anda você tam trabucado com essa objecçom. Porque o de entom foi, apesar dos sessenta milhons de mortos, apenas o ensaio geral do que nos aguarda, que é incomparável.
E.: Porquê o ensaio geral?
G. ANDERS: Porque os Hitler de hoje, ao disporem dumhas armas que já nem se podem chamar “armas”, som incomparavelmente mais perigosos do que foi Hitler. Temo que você apenas reconhece como perigosos os Hitler do passado, em tanto fôrom perigosos; os de hoje prefere nom reconhecê-los.
E.: (A matinar.)
G. ANDERS: Mas volvamos ao assunto principal. Só com os meios da nom violência (que provavelmente nem som meios, porque continuam a ser nom violentos) nom se pudo combater os Hitler do passado nem se pode combater os de hoje. Nom é só que eles nom temam essas medidas e simplesmente se riam delas, nom, nem tam sequer rim, porque lhe parecem demasiado insignificantes mesmo para rirem-se delas. Tampouco nom podem aceitar-se como “métodos de luta” meras inactividades como, por exemplo, os jejuns, que nom fam mal aos Hitler, nem aos Reagan, nem aos Strauss, e apenas mancam quem pretendem, mediante a sua renúncia ao estilo arcaico dos sacrifícios religiosos, submeter a chantagem a alguém mais poderoso.
O ascetismo e a dor que se causa um mesmo jamais serviu para exercer umha chantagem exitosa sobre nenhum deus nem potência nenhuma. Da mesma seriedade pecam sentimentalismos como, por exemplo, a entrega de feixes de flores aos polícias que, armados com porras, nem sequer estám em condiçons de recebê-los. Dito brevemente: os happenings nom avondam.
E: (Desconcertado) Happenings! Nom lhe parece que esta comparaçom vai além de…
G. ANDERS: Nom. Nom vai além de nada. Nem tampouco nom é umha comparaçom. As acçons de resistência nom violenta nom se semelham apenas aos happenings: som de feito happenings.
E.: E porquê o som?
G. ANDERS: Porque os happenings som seudoactividades lúdicas, som “como-se” que pretendem ser mais algumha cousa, a saber, acçons de verdade ou, quando menos, bastardos de ser e apariência, de seriedade e jogo. (5).
E.: Si, mas…
G. ANDERS: Nom há “mas” que valha. Só “e”. E nesses “como-se” e pseudoactividades que pretendem ser acçons, consistírom, polo menos até há uns meses, as manifestaçons de resistência. (Ao que parece, desde entom fijo-se sentir timidamente a vergonha de estar fazendo apenas comédia). Com o que nom pretendo afirmar, naturalmente, que nom haja diferença entre os happenings dos anos sessenta e os de agora. Tampouco os actores e o público, ou o adversário, som os mesmos. Nem o estilo e o papel social de tais empresas.
Os happenings de há vinte anos fôrom realizados por indivíduos, com umha roupa pretenciosa e às vezes engenhosa e surreal, ante uns congéneres aos que se dirigiam como público, enquanto as acçons nom violenta dos nossos dias som actos de massas, a cujos participantes nom se lhe ocorre a ideia de fazer o original e o engenhoso; nom ouvírom falar nunca de surrealismo, senom que se comportam com seriedade pequeno burguesa, e ainda com unçom e patetismo. Sem mentar as moreias que convertem as suas manifestaçons de protesto da maneira mais inferior em joldas populares com salsichas assadas: o banquete funerário antecipado. E com guitarras: lá onde triunfa essa gente que toca os três acordes que sabe, começa o domínio da vulgaridade. É certo, a diferença social e de estilo entre os happenings de onte e os de hoje é inegável. E, porém, conservou-se a oscilaçom entre ser e apariência, entre seriedade e jogo.
Acaso pensa você que é coincidência histórica que esses dous “como se”, essas duas formas de pseudooposiçom ou de pseudorrevoluçom, os happenings e a nom violência, surgiram no mesmo quarto de século? Nom som ambos obviamente as espernejadas do homem privado de poder pola superioridade dos aparelhos técnicos e, portanto, obsoleto?
E.: Nunca vira essa relaçom entre as duas cousas.
G. ANDERS: Daquela, é hora de que a veja. As duas som “como-se” obedientes, terrivelmente obedientes.
E.: Terrivelmente obedientes?
G. ANDERS: Justo. Porque os autores do como-se até pressumem do seu como-se, fazendo passar pomposamente a sua inefectividade por “humanidade” ou respeito ou mesmo até polo “espírito do sermom da montanha”. Nom há nada mais tremendo, por certo, que quando a submissom e o “valor de ser covardes” se atreve a reinvidicar a Jesus Cristo.
E.: Valor de ser covardes? De que me está a falar ?
G. ANDERS: De todas as seudoactividades. No melhor dos casos trata-se –digo “trata-se” porque falar aqui de agentes seria dizer demais- de gente que protesta de forma nom violenta porque carecem de toda possibilidade técnica de oferecer umha resistência real contra a tremenda superioridade das máquinas; gente que, porém, nom conforma de início polo “como-se”, fai-no por própria necessidade. O terceiro volume de “A obsolescência do homem” deverá conter, por desgraça, um capítulo sobre “A obsolescência das revoluçons”, causada pola superioridade de forças dos instrumentos e das pessoas que os dominam. Mas o conhecimento da obsolescência nom deve empecer a reflexom sobre que novos tipos de revoluçom temos que inventar ou inaugurar. Porque o feito de a luta tornar-se mais difícil, nom supom que nom haja que continuá-la.
E.: Tam sistematicamente artelhou você as suas teses filosóficas?
G. ANDERS: As filosofias nom se artelham “sistematicamente”. Que quer dizer você com isso?
E.: Eu refiro-me à tese, que você defende desde há várias décadas, da superioridade que acadárom sobre nós os instrumentos que nós mesmos temos produzido; e refiro-me à sua crítica da nom violência, e ao seu cepticismo com a revoluçom.
G. ANDERS: Repito: “artelhado sistematicamente” é umha formulaçom desajeitada. E além disso é fazer-me demasiado honor, porque a conexom entre os elementos que você menta nom é obra minha nem mérito meu. Existe na realidade: só cumpre deter-se e olhar.
E.: Mas todos esses “isso nom é certo”, essa equivocaçom entre happening e nom violência…logo Gandhi conformava-se com happenings?
G. ANDERS: (Trás umha pausa matinando). Do ponto de vista da história mundial, temo-me que si. Ou consideraria você que a actividade de Gandhi, espido, tecendo a mao, que se espalhou em milhons de fotografias, era mais algo que um happening antimaquinista? Nem pudo parar a indústria, nem alterar a miséria das castas da Índia. A sério. Se Gandhi chamava à resistência “nom violenta”, fijo-o faute du mieux (6). Provavelmente nom se sentia orgulhoso, senom amargado por ter que se conformar com isso. O que quijo dizer era: “talvez podamos resistir de algum jeito, ainda que o poder e, portanto, a violência necessária para agir nom estiverem ao nosso alcanço”.
O decisivo para ele –e isto é o importante- nom era a violência como tal (como único método moralmente lícito ou como princípio ou como meto), senom a mui reduzida eventualidade de ser capazes, talvez, de oferecer resistência apesar da falta de armas. O principal nom era, entom, a afirmaçom do “sem” (sem armas) senom a do “apesar de” (a falta de armas).
E.: Em definitiva, entom você está a favor da violência.
G. ANDERS: Estou a favor da violência como defesa legítima.
E.: E isso serve de vez?
G. ANDERS: Nom, claro que nom! Aguardo que nom. Serve só mentres a defesa legítima contra o estado de excepçom continue a ser precisa. Exercemos a legítima defesa com o fim exclusivo de fazer supérflua a sua necessidade, e fazê-la desaparecer. Umha “dialéctica da violência”, se quer chamá-lo assim.
E.: Quer dizer, empregar a violência para superar a violência.
G. ANDERS: Exacto. Ao nom conhecermos mais que um só objectivo, a conservaçom da paz, aguardamos que depois da vitória (se a acadarmos, o que temos que duvidar seguido) nom tenhamos necessidade da violência. Nós devemos utilizar a violência só como um meio dos desesperados, como contra-violência, como algo provisório; porque ao final aponta ao estado de nom violência. Ora, enquanto os poderes estabelecidos continuem a utilizar a violência contra nós, que nom tempos poder, porque nos privárom deliberadamente de todo poder (e, portanto, contra os netos que aguardamos ter); mentres nos ameacem com converter as nossas casas em ruínas infestadas de epidémias, mentres construam centrais energéticas supostamente inócuas; mentres eles continuem a tentar dominar-nos ou submeter-nos a chantagem, ou a nos aldrajar e a nos aniquilar, mentres só aceitem a possibilidade da nossa destruçom (e esse “só” já é avondo!), o estado de excepçom continua a obrigar-nos.
Sinto-o, mas obriga-nos a renunciar à renúncia à própria violência. Por outras palavras: nunca devemos de abusar do nosso amor à paz oferecendo aos sem escrúpulos a possibilidade de nos aniquilar a nós e os nossos descendentes. Olhar cara a cara esse perigo sem alporiçar-se e sem cruzar-se de braços ao mesmo tempo, como fai o noventa e nove por cento dos nossos congéneres, nom é mostra de valor, nem de audácia, senom só de humildade (desculpe esta expressom indecente).
E.: Que quer dizer você?
G. ANDERS: Que face os que nom tenhem escrúpulos, nom há nada mais indigno que a humildade.
E.: Vejo que está deveras a favor da violência.
G. ANDERS: Repito: a favor da contraviolência cujo nome é legítima defesa.
E.: Este manobrar entre violência e nom violência, essa afirmaçom sua de que “a violência nom é violência”, todo isso soa mui pouco convincente. E quase tam ambíguo como as palavras do ministro Zimmermann.
G. ANDERS: A comparaçom parece-me, polo menos, original.
E.: Ele apagou, o mesmo que você, a distinçom entre violência e nom violência. Segundo o jornal Die Welt dixo: “também a resistência nom violenta é violência, porque é resistência”. Bonita ecuaçom.
G. ANDERS: Em resumo, a violência como tal é resistência.
E.: Si.
G. ANDERS: E que se supom que há de semelhante entre a minha máxima e essa ecuaçom, esse dictum que resume os princípios de todas as ditaduras? Se diz todo o contrário da minha máxima! Porque o que eu afirmo –por mais que me pesar, você sabe-o- nom é que a violência nom seja violência senom, à inversa, que o emprego da contra-violência que se nos impom é legítimo, unicamente, porque tem por alvo o estado de nom violência. É dizer, assegurar a paz, que está ameaçada (e nom por nós). É um “se e só se”. E pensa você seriamente que esta máxima é da mesma ambiguidade moral que a ecuaçom de Zimmerman, que condena toda liberdade, toda expressom dumha opiniom independente, toda discrepáncia?
E.: (Cala.)
G. ANDERS: Por suposto que em certo sentido a minha máxima significa também algumha cousa negativa: que só com boas palavras, com (como se diz tam repulsivamente), “unidades de carícias” ou com argumentos razoáveis, nom seremos capazes de fazer entrar em razom aos partidários dos mísseis e das centrais nucleares.
E.: Como é possível que um racionalista, um ilustrado profissional, fale dessa maneira contra a razom e contra os argumentos!
G. ANDERS: Pois justo por isso. Só os exaltados sobreestimam o poder da razom. A primeira tarefa do racionalismo consiste em nom se fazer ilusons sobre o poder da razom e a sua força de conviçom. E isto leva-me umha vez e mais outra à mesma conclusom: contra a violência, a nom violência nom serve. Aqueles que estám a preparar ou ao menos aceitar a aniquilaçom de milhons de seres humanos de hoje e de amanhá, a nossa aniquilaçom definitiva, devem desaparecer, nom tenhem direito a seguir a existir.
E.: O que significa…
G. ANDERS: Quer que lho repita de novo?
E.: Si, faga o favor.
G. ANDERS: Nom lhe entra na cabeça?
E.: Nom.
G. ANDERS: A mim tampouco. Mas eles sós nom o vam fazer.
E.: E logo isto significa que os há que destruir?
G. ANDERS: Nom se faga você o parvo. Viver neste mundo nom é nenhuma trapalhada. E o que nom tiver o valor de assumir o converter-sem culpável, segue a ser imaduro e…
E.: E?
G. ANDERS: …Imoral.
E.: (Sacode a cabeça com incredulidade apaixonada.)
G. ANDERS: Seja você razoável, faga o favor! Que opina você que teria que ter-se feito com Hitler, Himmler e companhia assi que nom havia já dúvida nenhuma –e isso foi mesmo antes da conferência de Wansee (7)- de que esses…homens nom teriam a menor dúvida em queimar como combustível (é insoportável que esta expressom se ouça ainda em bocas inofensivas) a milhons dos seus congéneres? Que lhe parece a você? Teria que ter-se limitado a gente a manifestaçons pacíficas e educadas contra disso? Mas já o sabe você mesmo: a gente nem se atreveu a manifestar-se pacificamente. Nem muito menos…
E.: Já o sei. É que mesmo isso era impossível.
G. ANDERS: Exacto: porque a resistência era considerada eo ipso violenta, ao jeito de Zimmermann.
E.: Assi que ficárom absoltos?
G. ANDERS: Em absoluto. Aquilo foi muito pior ainda.
E.: Porquê?
G. ANDERS: Porque nem sequer se indignárom, nom: provavelmente nem se dérom de conta de que já nom podiam protestar, de que já nom se lhe permitia protestar ou…
E.: Ou que?
G. ANDERS: Ou de que já nom desejavam protestar. Pola contra: celebrárom-no com ledice. Celebrárom com música, com alegria e com fachos acesos, que nom se lhe permitisse protestar. Desfrutavam como que se proibisse protestar, desfrutavam da servidume total com umha pertença total ao colectivo, o totalmente negativo como umha cousa totalmente positiva. Nom é culpa sua: é dos seus pais.
E.: Tampouco resulta mui consolador.
G. ANDERS: Sinto-lho bem. Mas nom deveriam de ter aniquilado eles os aniquiladores.
E.: Pode que si. Assi que você compara os ameaçadores de aquele tempo com os de hoje.
G. ANDERS: Justo. Mas também comparo os nom-resistentes de hoje com os de aquele tempo. A tarefa de hoje nom é menor do que teria sido a de entom. Do que teria sido. E quiçá seja ainda mais grande e mais inadiável que a que tínhamos daquela, porque está em jogo ainda mais.
E.: Sei-no.
G. ANDERS: Pois eu duvido-o e, para voltar de novo à frase infame de Zimmermann, àquela frase injusta, escarnecedora, desalmada, antidemocrática e anticristá: aquela frase que dizia “a resistência nom violenta é violência porque é resistência”. Este “porque” é na verdade o “porque” mais infame que escuitei jamais. Com esta frase Zimmermann nom só testemunha a sua mentalidade ditatorial senom que verdadeiramente presume dela. Esta frase poderia ter sido um ladrido ceivado pola boca de Hitler. É um eco que chega com cinquenta anos de retraso.
E.: E você pensa que chegamos quase a tanto?
G. ANDERS: Nom é questom de crenças. O que proclama, como Zimmermann, que a resistência nom violenta é violência porque é resistência, nega todo direito à dissidência e com isso converte em usurpaçom punível toda livre expressom de opinions, toda crítica das medidas do poder dominante. Assi, por exemplo, qualquer advertência contra os joguetes bélicos, por mui amavelmente que se expressar, exporia-se à sospeita de ser um acto violento, camuflado de “cristao” ou “nom violento” e dirigido contra os “valores da liberdade”.
Nom se pode negar, desde logo, que há casos em que pessoas amáveis que defendem abertamente cousas nom ordenadas oficialmente ou mesmo oficialmente proibidas conseguem certos sucessos transitórios. Mas aos olhos de Zimmermann, o sucesso é, no fundo, um privilégio dos que tenhem o poder. E no fundo (ainda que isto, evidentemente, nom se diz), os sucessos devem-se conseguir exclusivamente mediante a ameaça da violência (como prova de poder e, portanto, de legitimidade). Aquilo que a mao do establishmen, erguida para bater, pode fazer (e, portanto, tem supostamente direito a fazer e deve fazer), nom se lhe permite à mao que acarícia. Aos olhos de Zimmermann, a bondade que trata de intervir (e que por vezes mesmo o consegue), nom é mais que um truco; a doçura nom é mais do que violência camuflada.
Para eles, todo anho é um lobo com pele de anho; os anhos de verdade nom existem do ponto de vista dos poderosos, e isso quer dizer evidentemente também que, aos olhos de quem reconhecem legitimidade só à violência e à violência baseada no poder, os cristaos autênticos som de feito hipócritas. Que os Zimmermann jamais admitam isto fai parte da natureza dos Zimmermann. E que os lobos com pele de anho, camuflados de “nom violentos”, nom podem ser tolerados polos lobos honrados (que, por serem os proprietários do poder, possuem também o monopólio legítimo da violência), é algo que se entende por si mesmo.
E.: Nom haverá, porventura, um fundo de verdade na desconfiança ante a nom violência? Nom será que os poderosos, e também as igrejas poderosos, as que encarnam a religiom do amor, chegárom a se contentar muitas vezes com a nom violência só porque, se nom conseguiam os seus alvos “polas boas”, poderiam recorrer em qualquer momento à violência? E porque sabiam que os sem poder o sabiam?
G. ANDERS: É certo. Ora, você fala da nom violência que os poderosos se podem permitir utilizar como meio de pressom graças ao seu poder, por vezes durante períodos extensos. Mas nom é esse o nosso tema. Porque nós vínhamos falando dos que nom tenhem poder e se acham baixo o estado de excepçom sem poderem permitir-se renunciar à violência se é que querem sobreviver, aqueles que estám na obriga, portanto, a exercer a legítima defesa ou, quanto menos, a tentar com actos violentos salvar a humanidade.
E.: Assi que já nom se pode contar com você como pacifista.
G. ANDERS: Pode-se, pode-se. Mas para mim a paz nom é um meio, e um fim; e nom é um meio, porque a paz é o fim. Nom aturo ver que nós, que estamos ameaçados de morte polos violentos, nós e os nossos descendentes, cruzemos os braços e nom nos atrevamos a utilizar a violência contra o que nos ameaça. Posto que a afirmaçom de Hölderling, que tanto gostam de citar os oradores domingueiros (8), de que “alô onde ameaça o perigo também está perto o que salva” (9), simplesmente é falsa: é sabido que em Auschwitz e em Hiroshima nom se achegou nada que salvasse.
A nossa tarefa é intervir para salvar: aniquilar o perigo ponhendo em perigo os aniquiladores.
E.: Rematou?
G. ANDERS: Nom. Umha última frase, para que você a leve como lembrança: nos cemitérios onde jazeremos nós ninguém vai chorar; porque os mortos nom podem chorar os mortos.
Notas
[1] Günther Anders. Die Antiquiertheit des Menschen, vol. 1, Múnich, 1956, pág. 261. (N. do A.)
[2] Ibid., p. 251. (N. do A.)
[3] A invocaçom às pessoas de cavelo curto (igual a limpeza) em todos países resulta mais cómica ainda se lembrarmos (cousa que os incultos senhores filiesteus, desde logo nem sospeitam) que a moda do cavelo curto que eles louvam foi introduzida polos sans-culottes como protesto contra a aristocracia, que levava perruca. Como tantas vezes, a ignoráncia é fonte da história, nom só de quem a escrevem, também de quem a fam. (N. do A.)
[4] César desafiou a lei romana que proibía atravessar o Rubicom ao início da guerra civil contra Pompeyo e, segundo diz a tradiçom, pronunciou entom a frase: “a sorte está botada”. A guerra acabava de entrar numha fase de “nom retorno”.
[5] Die Antiquiertheit des Menschen, vol. II, Múnich, 1980. pp. 355 e ss. (V do A.)
[6] A falta de algumha cousa melhor.
[7] A reuniom da elite dirigente nazi que tivo lugar o 20 de Janeiro de 1942, em que se decidiu levar a termo a “soluçom final”, o extermínio industrial dos judeus.
[8] Refere-se a Heidegger e os epígonos. Cf. pág. 62
[9] Literalmente, Hölderlin diz: «Mas alô onde há perigo, medra/também o que salva» (Wo aber Gefahr ist, wächst/das Rettende auch)
* O texto forma parte do livro “Llámese cobardía a esa esperanza” publicado por Besatari. (Traduçom do galizalivre)