Por Antom Santos /
“Qualquer que seja o regime político em que a Galiza viva, a nossa Terra, autónoma ou nom, está já proclamada moralmente como umha naçom” (Plácido Castro)
Nos dias 16, 17 e 18 de Setembro de 1933, o IX Congresso das Nacionalidades Europeias reunia-se no Hotel Savory de Berna. Cumprem-se agora 85 anos dumha efeméride que a imprensa servil continua a silenciar, e a casta política galego-espanhola se encarrega de manter bem agochada. Entre os muitos delegados congregados na capital suíça encontrava-se um galego de Corcubiom, Plácido Castro ; através dumha declaraçom no nosso idioma, também traduzida ao inglês, o delegado do Partido Galeguista situava a Galiza como umha das muitas naçons que pulavam polo seu reconhecimento na Europa de entreguerras.
Em tempos de mapas políticos cambiantes e assunçom crescente -polo menos no papel- do direito de autodeterminaçom, o Congresso das Nacionalidades Europeias, ligado à Sociedade de Naçons, abria às suas portas à Galiza. O convite era o resultado do interesse do secretário do Congresso, o estónio Edwald Ammende, polos povos da Península Ibérica. O Partido Galeguista decidiu-se a enviar umha figura prominente, um intelectual cosmopolita e políglota que fijo do encaixe internacional da nossa Terra um dos motivos centrais da sua vida, sempre nas coordenadas do atlantismo e do celtismo.
Plácido Castro, outro galego na sombra
A dimensom de Plácido Castro na nossa memória colectiva está injustamente empequenecida. Ainda que a sua figura é promovida em ámbitos intelectuais, entre a imensa maioria da populaçom, e numha parte importante do nacionalismo, é um total desconhecido. A ocultaçom deliberada por parte da mída e o sistema educativo espanhóis explica só em parte o olvido; certo desleixo independentista na difusom dos nossos vultos agrava ainda a desmemória.
Castro realizou umha achega enorme ao nosso rejurdimento nacional. Foi, aliás, umha figura de tremenda originalidade. A sua origem social e os seus interesses intelectuais singularizárom-no face o resto de correligionários.
Nasceu numha família de capitalistas da Costa da Morte em 1904; o seu pai, deputado liberal, era armador e empresário de minas. Se o resto de galeguistas ilustrados procurárom o conhecimento da cultura universal nos livros e em viagens ocasionais, Castro mamou directamente achegas foráneas estudando em Glasgow desde os seis anos e logo morando em Londres; conhecendo a vida política británica de primeira mao como cronista de imprensa, e estabelecendo relaçom directa com outros nacionalismos de países celtas, como o galês ou o irlandês, que na década de 20 culminara com êxito a sua aposta insurreccional.
O seu galeguismo bebe do magistério dos irmaos Vilar Ponte, que tratava nos veraos corunheses, ao recalar na Galiza depois dos seus estágios británicos. Plácido Castro é dos pouquíssimos exemplos de nacionalistas galegos criados em meios abastados, e portanto, dum tipo humano peculiar, que acompassou a procura dumha elevada posiçom social (típica da sua classe) com a preocupaçom polo bem comum e a recuperaçom da dignidade do seu povo. Rodeado dumhas elites político-económicas empenhadas na demoliçom da Galiza, e directamente herdeiras dos beneficiários da ocupaçom tardomedieval, Plácido Castro sentiu a soidade nos tempos mais benignos e, quando o fascismo consumou o genocídio, padeceu ostracismo e exílio. Porém, desde a pluma ou desde a militáncia, Castro foi quem de pôr os recursos culturais acumulados num meio tam privilegiado como o seu ao alcanço de todos os amantes do país. Jornalista profissional em ‘El Pueblo Gallego’, o leitor puido seguir de primeira mao o que acontecia nas Ilhas graças às suas crónicas : a coluna ‘Impressons da Irlanda’ oferecia ao público galego um relato da nova República sem passar pola peneira de Madrid. Praticamente nativo em língua inglesa, traduziu peças de Yeats para o nascente teatro das Irmandades, e até os anos finais da sua vida, verteu ao galego poesia gaélica, anglosaxona e francesa.
O jornalista Francisco Pablos descreveu assi o seu perfil humano e intelectual, segundo a crónica recolhida no web da Fundaçom Placido Castro:
“Grande, volumoso, rotundo. Redonda a face, subtil o olhar dos seus olhinhos claros. Gordechas e grandes as maos, palpavam com amor a taça que levavam à boca para beber a grandes grolos. Dos bolsos saiam sempre montes de livros (…) Era um galego surprendente. O mesmo fazia um tratado sobre determinadas espécies de bolboretas que traduzia poemas hindus ou persas dos séculos em que agrupavam as estórias que comporiam mais tarde as universais “Mil e umha noites”…Inesgotável e exquisito, Plácido, sabedor de todas as cousas, fonte formidável de citas e erudiçons, de conhecimentos estranhos, era um homem do Renascimento.”
Celtista e militante
Castro actualizou em novas coordenadas o celtismo que herdáramos da tradiçom decimonónica. Arredou-no da mera reconstruçom arqueológica para fazê-lo umha ferramenta de presente e de futuro. Em todo o que estivo ao seu alcanço, ressituou a Galiza num mapa internacional nórdico e atlántico, favorecendo o constante diálogo cultural e o reconhecimento mútuo. Diz-se que num encontro formal com nacionalistas irlandeses, um deles manifestou-lhe que estava encantado de ‘conhecer um natural da Galiza, a terra dos seus devanceiros’.
Porém, nom procurou similitudes atlánticas em origens remotas, senom em afinidades vigentes de carácter : humor, lirismo, imaginaçom e querência pola arte. Mediou na polémica da saudade muito antes de que Ramom Pinheiro a fixesse um enigma metafísico. No conhecido artigo ‘A saudade e os povos célticos’ (‘El Pueblo Gallego’, 1928), Castro apostou na defesa contundente do que considerava um traço senlheiro do nosso carácter ; traço mais bem indefinível, mas de algum modo ligado com umha ‘arela sempre insatisfeita de perfeiçom’. Em qualquer caso, para ele resultava tendencioso associá-la com qualquer tendência mórbida ou suicida pois, como esclarece, a saudade está presente em outros povos com grandes realizaçons práticas : na Escócia laboriosa e na Irlanda combativa que se lançara ao alçamento de Páscoa e iniciara a guerra de independência.
Os conhecimentos de Plácido Castro em matéria de política internacional levárom o PG a situá-lo como delegado no Pacto de Compostela de 1934, em aliança galego-basco-catalá, posto que desempenhará de novo no Galeusca de 1935.
Os estudiosos do nacionalismo situam-no na corrente de esquerda moderada que bolia dentro do galeguismo, acarom de intelectuais como Lois Tobio ou Carvalho Calero, e de mártires como Vítor Casas ou Ánxel Casal. Colaborou como o jornal esquerdista ‘Ser’ mas, a diferença dos sectores seduzidos polo republicanismo espanhol, tivo sempre clara umha política de pureza e intransigência nacionalista. A Galiza, manifestava, nom é só umha colónia económica, senom também espiritual, e mentres nom superasse condutas fanadas e vergonhentas, receberia ignoráncia e desprezo. “Um povo é tanto mais eficiente e admirado quanto menos se deixa influenciar polo resto do mundo”, afirmou. Por isso desconfiava de consecuçons apressadas de estatutos mirrados, concedidos graciosamente polo poder central, e vincava na necessidade dum trabalho conscienciador silencioso e profundo.
Liberal no político e conservador no cultural, nom foi, porém, um reaccionário. Agnóstico e nom católico, a diferença de muitos companheiros de fileiras, atento aos logros da ciência e porém aberto ‘ao inexplicável’, acreditava abertamente num nacionalismo da emoçom que desafia os esquemas utilitaristas e pragmáticos da mentalidade de hoje. Embora via poderosas razons económicas para o nacionalismo galego, enfatizava o papel do sentimento, a necessária recuperaçom do passado, e observava umha ‘incompatibilidade de carácter’ entre a Galiza e Espanha.
Genocídio e exílio
Em 1936, os golpistas desterram-no de Mugia, castigam-no com umha multa de 250000 pesetas, e inabilitam-no por quinze anos. Recala em Vigo, mas nom participa das tentativas reorganizadoras do PG. Aqueles anos de sacas, cadáveres e terror condicionam o seu carácter. Quem o conhecêrom descrevem-no como traumado e possuído polo pessimismo. Nacionalmente virado cara o arredismo, pola sua decepçom com Espanha, mas totalmente incapacitado para a acçom.
Procura o ar fresco em Lisboa e logo em Londres, onde é contratado para participar das emissons internacionais da BBC. Durante seis anos, Plácido Castro dá voz a figuras da cultura nos seus programas em galego, espanhol e inglês, mais um espaço de normalidade para a nossa Terra em décadas tam difíceis como as de 40 e 50.
A ignoráncia internacional com a Galiza, quando nom a pervivência de tópicos de indignidade e rebaixamento, é mais um dos obstáculos que ainda tem que superar a nossa causa. Plácido Castro foi plenamente conhecedor do problema e tendeu pontes com o nosso espaço de relacionamento histórico, fazendo-nos assi mais conscientes do que fomos e do que, livrados do lastro do complexo, realmente podemos chegar a ser.