Quando cruzas as ruas do centro da cidade é estranho que algum rapaz novo, de vinte e tantos anos, nom te aborde para convencer-te para fazeres-te sócio de umha organizaçom que defende os direitos da infância, de umha associaçom que trabalha na defesa do meio ambiente, ou para qualquer outro filantrópico propósito. Assim, com apenas dez ou quinze euros mensais, dizem, ajudas a umha causa solidária.

Sem entrar a debater sobre a funçom que em realidade desempenham as organizaçons nom governamentais no terreno de jogo internacional, lembre-se, por exemplo, o papel que exerceu Amnistia Internacional nos conflitos sírio ou líbio para legitimar a sua invasom polos exércitos da OTAN, na nossa sociedade tenhem umha funçom analgésica. Quando finalmente te convencem para que te faças sócio dumha destas organizaçons já podes despreocupar-te, já deixas domiciliada na tua conta bancaria a boa obra que se espera de ti como o cidadão exemplar que és. Ademais, desgrava para a declaraçom da renda, todo vantagens. Umha vez canalizado o teu descontento e calmada a consciência através dum dos canais que o sistema nos proporciona já nom é necessário que milites nem que te organizes.

Este discurso que apela à responsabilidade individual vê-se reforçado por vozes de todo tipo. Escutamo-las a diário e recalcam a importância das acçons individuais para mudarmos o estado de cousas. Ontem mesmo era publicado no jornal de máxima tiragem do nosso País, um artigo de opiniom titulado “Cambio climático: tu és o responsável” onde responsabilizava ao povo do desastre ambiental que sofremos e apelava à consciência individual e a novas condutas de consumo para solucioná-lo. Colocava à mesma altura deixar de apagar cigarros na areia de umha praia com a mudança do modelo energético cara a fontes renováveis. O autor rematava o texto dizendo que “a responsabilidade global por melhorar as cousas começa por nós mesmos. Cada um saberá”. Delirante.

Continuando com o exemplo, um ecologismo que nom tenha em conta as relaçons de classe e o sistema de produçom estará incompleto e como mínimo tratará-se de um engano e umha fraude. Deste jeito, muitas das propostas feitas desde o ecologismo mais idealista nom solucionam nada e incluso beneficiam ao sistema como demonstra a recente obrigatoriedade de as lojas cobrarem as bolsas de plástico. Outras ideias mesmo atentam contra a classe trabalhadora, como as recentes críticas a que as casas de obra disponham de sistemas de refrigeraçom. Imaginem-se umha estrutura metálica pré-fabricada exposta ao Sol durante horas em pleno mês de agosto. Este tipo de propostas somente podem ser feitas desde umha posiçom de privilégio.

Alguém pensa que o colapso ecológico se soluciona com medidas como estas sem mudar o sistema económico? Este tipo de discurso faz que te sintas culpável por acender a calefaçom em inverno ou por mercar roupa made in Taiwan, apenas gera culpa por participar em algo que nos vem imposto: o sistema capitalista.

Neste caso, no ecológico, a soluçom pode passar por abraçar as teses do decrescentismo, mas entendendo este como um programa político e nom como umha opçom individual. Qual é a diferença? Para reduzir o consumo de dispositivos tecnológicos, por exemplo, nom é o mesmo dispor dos médios de produçom e impedir a obsolescência programada que apelar à consciência ecológica dos indivíduos para que nom mudem de modelo de telefone cada ano. Nom é o mesmo criar umha rede eficiente de transporte público, em lugar do precário sistema de transporte coletivo (mas gerido por capital privado) que existe atualmente, que simplesmente alentar a utilizar o autocarro em lugar de mover-se em carro particular, pois esta é umha falsa eleiçom para a maioria da populaçom.

Apelar à responsabilidade individual impede realizar mudanças radicais. Para fazer os câmbios necessários, sejam estes ecológicos ou do tipo que for, é imprescindível ter o poder. E neste punto é onde há que centrar-se, no jeito de alcança-lo, sem esquecer que isto suporá entrar em conflito com o sistema.