Cedric J. Robinson (traduçom e adaptaçom do Galizalivre) /

O desenvolvimento histórico do capitalismo estivo influenciado dum jeito absolutamente fundamental polas forças particularistas do racismo e o nacionalismo. Isto só podia ser certo se as origens sociais, psicológicas e culturais tanto do racismo como do nacionalismo se anticipárom no tempo ao capitalismo e formárom um todo com esses eventos que contribuírom directamente à sua organizaçom da produçom e ao intercâmbio. A sociedade feudal é a chave. Mais especificamente, os compromissos, estruturas e ambiçons em conflito que compreendérom a sociedade feudal conceptualizam-se melhor como os dumha civilizaçom em desenvolvimento que como elementos dumha tradiçom unificada.

Os processos mediante os que surgiu o sistema mundo contivérom umha oposiçom entre as ideias centrais racionalistas dumha visom do mundo economicista e os momentos políticos da lógica colectivista. Ao Estado feudal, um instrumento de notória importância para a burguesia, cumpria-lhe demonstrar que era tam consistentemente antitético para a integraçom comercial representada por um sistema mundo como o foi para a ideia do cristianismo. Tampouco o Estado nem depois a naçom se podiam desfazer das psicologias e interesses particularistas que agiam como contradiçons para umha comunidade global. Umha conseqüência fundamental do conflito entre essas duas tendências sociais foi que os capitalistas, como os arquitectos deste sistema, nunca atingírom a coerência da estrutura e a organizaçom que fora a promessa do capitalismo como sistema objectivo. Pola contra, a história do capitalismo de nengum jeito se diferenciou de épocas anteriores quanto às guerras, as crises materiais e aos conflitos sociais. Umha conseqüência secundária é que a crítica do capitalismo, até o ponto em que os seus protagonistas baseárom a sua análise no presuposto dumha racionalidade económica determinante no desenvolvimento e expansom do capitalismo, caracterizou-se por umha incapacidade de aceitar a direcçom dos desenvolvimentos do sistema mundo. O marxismo, a força dominante que adoptou a crítica ao capitalismo no pensamento ocidental incorporou debilidades teóricas e ideológicas que se desprendiam das próprias forças sociais que sentárom as bases da formaçom capitalista.

A criaçom do capitalismo foi muito mais que um assunto de deslocamento dos modos feudais e as relaçons de produçom por outros capitalistas (Sweezy, et al., 1976) (Marx, 1965). Sem dúvida, a transformaçom das estruturas económicas da Europa nom capitalista (especificamente o mercado, o comércio e os sistemas de produçom mediterráneo e europeu ocidental) em formas capitalistas de produçom e intercâmbio foi parte importante deste processo. Porém, a primeira apariçom do capitalismo no século XV involucrou também outra dinâmica (Braudel, 1973). Os complexos sociais, culturais, políticos e ideológicos dos feudalismos europeus contribuírom mais ao capitalismo que as “algemas” sociais (Marx, 1972, pp. 158-161), que precipitárom a burguesia a revoluçons sociais e políticas. Nengumha classe foi criaçom sua. Sem dúvida, o capitalismo foi menos umha revoluçom catastrófica (negaçom) das ordens sociais feudais que a extensom destas relaçons sociais no tabuleiro maior das relaçons políticas e económicas do mundo moderno. Historicamente, a civilizaçom que evoluiu nos extremos ocidentais do continente asiático/europeu, e cuja primeira conseqüência é a Europa medieval (Latouche, 1961), passou com poucas disjunçons do feudalismo como modo predominante de produçom. E desde os seus mesmo começos, esta civilizaçom europeia, que continha particularidades raciais, tribais, lingüísticas e regionais, construiu-se sobre diferenças antagónicas.

O desenvolvimento do capitalismo pode-se ver assim como determinado na sua forma pola composiçom social e ideológica dumha civilizaçom que assumira as suas perspectivas fundamentais durante o feudalismo. Os padrons de recruta de escravos e mercenários seguírom-se cumprindo para as burguesias e os proletariados. Segundo Robert López, o comércio a longa distância do Império Carolíngio estava dominado por judeus e italianos (López, 1966). Na europa medieval, López e Irving Raymond (1955) documentárom a importância dos comerciantes mediterráneos em mercados internacionais, e o desenvolvimento das casas mercantes estrangeiras nas cidades do interior.

Para o Império Hispánico, baixo o reinado de Carlos V (1516-1556) e de Filipe II (1556-1598), os Fuggers alemáns, os genoveses e outras “firmas mercantes internacionais” organizárom os ingressos do Estado, explorárom minas e administrárom muitas das propriedades mais importantes (Braudel, 1976). E em Constantinopla, banqueiros e comerciantes genoveses, venecianos e ragusianos guiavam as relaçons comerciais e financeiras entre Europa e o Império Otomano (Inalcik, 1966). Para as cidades mediterrâneas do século XVI, Braudel observou as funçons do “indispensável imigrante”. Para Salónica, Constantinopla e Valona, italianos e sefardis, como comerciantes e artesaos, trouxérom novos ofícios para alargar ainda mais umha já multicultural burguesia.

A burguesia que liderou o desenvolvimento do capitalismo saiu de grupos étnicos e culturais específicos; os proletariados europeus e os mercenários dos principais Estados, doutros; os seus labregos, ainda doutras culturas; os seus escravos de mundos completamente diferentes. A tendência da civilizaçom europeia com o capitalismo foi logo nom homogeneizar, senom diferenciar até a exageraçom as diferenças regionais, subculturais e dialécticas para umhas diferenças “raciais”. Como os escravos se virárom nos escravos naturais, a casta racialmente inferior para dominar e explorar durante a primeira Idade Média, também no entrelaçamento sistémico do capitalismo no século XVI, os povos do Terceiro Mundo começárom a encher esta categoria na expansom dumha civilizaçom reproduzida polo capitalismo.

Os contrastes de riqueza e poder entre a mao de obra, o capital e as classes médias virara-se demasiado extremo para suportar o mantimento contínuo das classes privilegiadas na casa e o sustento dos motores da dominaçom capitalista no exterior. Requeriam-se novas mistificaçons, mais ajeitadas para os tempos, autorizadas por novas luzes. As falsas ilusons de cidadania medieval, que se estenderam ao património partilhado e persistiram por cinco séculos na Europa ocidental como o único gram princípio igualador fôrom suplantadas pola raça e (para empregar a expressom germana) Herrenvolk, nos séculos XVII e XVIII. As funçons destas construçons ideológicas posteriores estavam relacionadas, mas eram diferentes. A raça virou-se em gram medida na justificaçom lógica da dominaçom, a exploraçom ou o extermínio dos nom “europeus” (incluindo eslavos e judeus).

Depois, no século XIX, apareceu o nacionalismo moderno. De volta, o surgimento do nacionalismo nom foi nem acidental nem alheio ao carácter assumido historicamente polo capitalismo europeu. Novamente, a burguesia das culturas e estruturas políticas particulares negou-se a reconhecer a sua identidade lógica e sistémica como classe. No canto disso, o capitalismo internacional persistiu numha anarquia competitiva -cada burguesia nacional em oposiçom aos outros como inimigos “naturais”. Mas mália o poderosa que puder ser a burguesia e os seus aliados na aristocracia nalgumhas formas, ainda requeriam da cooptaçom do seu proletariado “racional” para destruir os seus competidores. O nacionalismo mobilizou o poder armado que requeriam bem para destruir capacidades produtivas daqueles a quem se opunham, bem para se assegurar novos mercados, nova mao de obra e recursos produtivos. Ao cabo, os desiguais desenvolvimentos dos capitalismos nacionais haviam ter horríveis conseqüências tanto para Europa como para os povos sob o domínio europeu.

Em Alemanha e Itália, onde as burguesias nacionais se formárom de jeito relativamente tardio, a organizaçom das forças sociais nacionais (labregos, agricultores, obreiros, cregos, forças profissionais, a aristocracia e o Estado) atingiu-se mediante a fantasmagoria ideológica da raça, a Herrenvolk e o nacionalismo. Esta composiçom de violência, na sua época, conheceu-se com o nome de fascismo.

Com a criaçom do fascismo, a burguesia retivo toda a série das suas prerrogativas sociais, políticas e económicas. Possuía o controlo total da sua sociedade nacional, um instrumento eficiente para estender o seu domínio e expropriaçom ao Terceiro Mundo, e o meio definitivo para reparar as feridas e humilhaçons do passado. De novo, nom de jeito inesperado, a escravitude como forma de trabalho reaparecia em Europa.

Mas isto vai além dos nossos fins imediatos. O que nos preocupa é que entendemos que persistírom o racialismo e as suas permutaçons, arraigadas nom numha época específica senom na civilizaçom mesma. E ainda que a nossa época poderia parecer especialmente ajeitada para depositar as origens do racismo, esse juízo só reflecte a resistência da ideia à análise e o potentes e naturais que se virárom as suas especificaçons. As nossas confusons, porém, nom som únicas. Como princípio perdurável da ordem social europeia, os efeitos do racialismo estavam cominados a aparecer na expressom social de cada estrato da sociedade europeia sem importar as estruturas sobre as que se formassem. Ninguém era imune: isto provou ser certo tanto para o proletariado rebelde como as as classes cultas radicais. De novo, era um acontecimento bastante natural nos dous casos. Mas para os últimos -as classes cultas radicais- era também um acontecimento inaceitável, um que posteriormente negárom. Porém, isso insinuava-se no seu pensamento e nas suas teorias. E assim, na procura dumha força social radical, um sujeito histórico activo, impujo certas cegueiras, confusons que à sua vez haviam subverter de jeito sistemático as suas construçons analíticas´e os seus projectos revolucionários. Mas isso ainda está por demonstrar.

 

(Adaptado do artigo publicado no número 28 de revistatabularasa.org)