Ana Cabana (Traduçom do galizalivre) /
Como já se tem assinalado em este portal em mais de umha ocasiom, ao povo galego foram-lhe atribuídas historicamente as características de um povo manso e submisso, mas a nossa História está cheia de episódios conflituosos, que além de desmentir esta tese, supunham umha resistência contra o Poder. Esta resistências podiam adotar diferentes formas, desde o de conflito aberto, como foi a luita da guerrilha antifranquista, até jeitos de protestas mais sutís. Para exemplificar este segundo tipo de resistencias reproduzimos um fragmento de um texto de Ana Cabana Iglesias sobre a resistência civil no campo galego durante os anos 40.
Partindo das realidades que criam as formas que adota o descontento e o protesto, para o caso galego é possível diferenciar dois níveis de protesto. Por um lado, o nível aberto, onde se aglutinam as táticas de protesto visíveis e patentes para as autoridades no seu inicio e desenvolvimento, e, por outro lado, o nível encoberto, onde se englobam os comportamentos anônimos, ocultos ou camuflados, aqueles que procuravam minar até certo ponto algumha norma imposta de maneira nom perceptível ou facilmente detectável para o poder.
O repertório de protestos completa-se com aqueles que tenhem como característica básica a sua natureza encoberta, onde manter o anonimato é umha exigência e que se conectam, e portanto em muitos casos som difíceis de discernir, com o exercício de umha atitude passiva. Som formas que, “carecem de protagonistas, mas que estám repletas de atores secundários”. Em um esforço para sistematizar, englobou-se o conjunto das açons observadas em cinco categorias: participaçom na economia submergida, o uso do rumor, apoio aos fugidos, a realizaçom de boicotes (através de atitudes de dissimulo, de distanciamento, de falsa ignorância, passividade, etc.) e resistência simbólica.
1. Participaçom na economia submergida
Galiza nom foi umha excepçom à tendência geral seguida polo conjunto do estado nos anos 40, e descontento gerado pela política de intervençom na produçom agrícola teve como consequência principal a criaçom de um mercado ilegal de produtos agrícolas. A ocultaçom e a fraude, junto com umha corrupçom administrativa sem precedentes, botarom raízes na economia rural, deixando uma marca indelével na memória coletiva, como evidencia a proliferaçom de testemunhas orais. A abundância de documentaçom sobre as sançons impostas contra o mercado negro e pequenos estraperlistas que aplicavam preços abusivos para a venda de produtos que comercializavam torna-se a prova mais explícita da dimensom do fenômeno da economia subterrânea. O recurso a atividades como o contrabando ou as próprias do mercado negro é retomado sempre que a açom do governo condiciona o mercado. Como a maioria das formas de protesto denominadas encobertas, constituem-se em estratégias de sobrevivência dentro da cultura camponesa, e, portanto, nom ficam fora da percepçom do que é considerado moral ou censurável para a comunidade rural.
2. Rumor e desacordo no nível do discurso
Um recurso que tem sido geralmente esquecido ou desvalorizado pola historiografia como umha fórmula para o protesto é um rumor. Este, como o insulto e as coplas satíricas, também traduzem a inconformidade com as estruturas dominantes e com as normas estabelecidas polo regime de Franco. Em um contexto caracterizado por uma forte hierarquia e polo silêncio como garantia final da sobrevivência, a cultura popular, que revela umha forte criatividade, tornou-se em umha arma para a expressom de queixas. “Na Galiza há um grande descontento e ouvem-se comentários e críticas desfavoráveis contra as autoridades da regiom, principalmente entre os camponeses…” apontavam as autoridades Falangistas. O uso de boatos e do desacordo no nível discursivo (coplas, cançons, etc.) estava mui presente nas comunidades rurais galegas para estabelecer um clima de intranquilidade e assédio que atormentava as autoridades locais, especialmente se eram os “elementos esquerdistas” quem os gerava.
3. Auxilio aos fugidos
O apoio à guerrilha, polo contrário, mereceu mais atençom como mecanismo de dissensom. Trata-se de umha forma de protesto motivada pola quebra dos limites do que é entendido como moral dentro da cultura camponesa. É articulado em uma lógica nós/eles e é baseado na memória da genealogia familiar e nas práticas de grupo e demonstra a firmeza das redes sociais primárias de vizinhança e solidariedade das comunidades rurais. Apoiar umha organizaçom que merecia a hostilidade do poder político, seja mantendo passivamente o segredo e permanecendo em silêncio, seja ativamente, dando informaçons, abrigo ou comida, a populaçom rural galega permitiu que a luita armada continuasse. As autoridades estavam cientes disso, como o evidencia o relatório que o fiscal militar de Lugo fez em um dos seus alegatos:
“… é indubitável que tais planos de violência… (dos fugidos)… nom contariam com a possibilidade de permanência se apenas dispuseram dos seus próprios médios… mas na prática isto nom é assim, já que pessoas… cobertas por umha capa de inocência, que lhes dá a sua aparente qualidade de habitantes pacíficos… emprestam a esses delinquentes, abrigo para o seu descanso, proteçom ou silêncio contra o trabalho inquisitivo das autoridades, alimentos e até muniçom… e sempre suficientes e valiosas notícias sobre o despregue das forças policiais… tudo o que garante aos bandidos certas condiçons favorecedoras de impunidade”.
Do amplo auxilio dado aos fugidos no monte dá boa conta o grande número de causas abertas nos julgados militares da província de Lugo polos delitos de relaçom e apoio aos “bandidos” e o fato de que o último guerrilheiro abatido pola Guarda Civil em Espanha, José Castro Veiga, “O Piloto”, caiu em Lugo em 1965. Outro aspecto deste apoio da comunidade rural para a açom dos maquis, percebida através de testemunhas orais, é o papel da rede social enquanto sustenta, material e emocionalmente das famílias afetadas pela repressom por ter algum dos seus membros a condiçom de fugido. Esta rede realmente é ativada de jeito espontâneo e ajuda de algumha maneira a restaurar algum tipo de “normalidade” nas famílias afetadas, sempre escondendo este trabalho trás umha aparente frialdade e distância com aqueles que tinham sido estigmatizados polo Regime.
4. Boicotes
Na categoria que denominamos de boicote, incluímos todas as atitudes de dissimulo, falsa ignorância e passividade encontradas, bem como as açons que causam danos, que visam minar as pretensons e actuaçons da administraçom. Este modelo de protesto foi ativado pela populaçom rural galega sobretudo para enfrentar a política florestal franquista. Encontramos abundante documentaçom sobre incêndios provocados, pastoreio, roturaçom, etc. em montes repovoados. A falta de interesse ante as iniciativas que som propostas a partir desde os organismos oficiais está no mesmo nível de expressom de desacordo com o enquadramento forçoso nas Hermandades. A este respeito, podemos mencionar as ausências continuadas às Assembleias Plenárias que os registros recolhem ou o desleixo ante a prestaçom estipulada de trabalhos obrigatórios (tais como a limpeza de canais de irrigaçom ou similares). Nessa mesma linha de tornar a passividade e a nom-colaboraçom, umha arma contra o controle social ao que se tentava submeter aos camponeses, é o desleixo com a que tratarom a proposta estatal de implementar os Serviços de Seguro de Gado dentro do Sindicato Vertical. Esta tentativa por parte do Estado visava unificar, ao mesmo tempo que destruir todo o associacionismo mutualista preexistente. A apatia da populaçom rural era tal que esta iniciativa que, no caso de Ponte Vedra, tratava de realizar-se desde fevereiro de 1945, ainda era divulgada em 1949 na imprensa sindicalista. Esta manifestaçom de desinteresse, junto à proliferaçom nesses mesmos anos de mutuas gadeiras fora dos cauces oficiais, som um exemplo claro de que os agricultores, na sua intençom de nom mostrar conformidade com o sistema sindical imposto, conseguiram renunciar e mostram apatia polas suas iniciativas, embora estas nom foram em detrimento delas.
5. Resistência simbólica
A resistência simbólica pode ser vista como a menos intensa dentro do grau de descontento que pressupõe umha açom de protesto, mas foi umha das mais incômodas para as autoridades locais do Regime, pois, apesar de percebê-las, nom permitiram margem algumha para represálias, como sim faziam outros tipos de protestas. O seu grau de efetividade estava no alívio que os seus protagonistas podiam sentir ao executá-los e em conhecer o grau de desconforto gerado naquele ou naqueles que eram alvo de tal açom. Em algumas ocasions, o seu sucesso ia além e gerava mudanças vantajosas para aqueles que se serviram desse mecanismo de protesto. Neste sentido, L. Domínguez Castro documentou como a festa anual realizada desde 1913 para lembrar como a fortaleza camponesa derrotou umha disposiçom do governo na comarca de O Ribeiro, forçou as autoridades do Regime, através de seus dous pilares do poder local, Concelho e Hermandad, para redirecionar os conflitos dessa comunidade rural para a via institucional.
No se conjunto, as atitudes de resistência civil observadas, tanto anônimas quanto abertas, têm em comum episódios de resistência reativa, pontual, coletiva, com baixo grau de organizaçom e, umha vez decorrido o enfrentamento, nom geram umha plataforma para lutar contra o sistema como um todo.
Para concluir
Pesquisas recentes desmentem que as populaçons rurais que viveram baixo regimes totalitários como o franquismo, permaneceram passivas e acataram sem mais as decisons políticas que provocaram que os seus interesses se viram ameaçados e permitem sinalar que os momentos de “paz social” parecem cada vez mais curtos aparecendo formas de protesto em múltiplas frentes. Estes estudos levaram a a valorar à baixa os níveis de adesom e consenso da populaçom com o sistema político. Esta revisom nom ocorreu na historiografia da Galiza, já que a longevidade do regime de Franco e da ausência de grandes distúrbios e episódios de resistência política no campo galego até os anos sessenta converte-o em suspeitoso de umha intensa correspondência com o regime.
O uso de fontes, tais como relatórios de organizaçons locais e provinciais de Falange sobre a situaçom social, documentaçom do âmbito jurídico militar, documentaçom interna de instituiçons como Hermandades Sindicales de Labradores y Ganaderos ou a COSA, os registros de multas, juntamente com a fonte oral, permitem começar a vislumbrar resultados que minam o tópico que iguala o campesinado galego a adeptos ao regime e defensores das suas políticas. Sublinham estas fontes que durante o longo período franquista havia desencontros e tensons entre um Estado que tratava de controlar cada vez mais a populaçom em todos os níveis e um mundo rural que opunha umha ampla gama de dissensos e oposiçons, na maioria das vezes, passivos e camuflados em estratégias destinadas a garantir a sobrevivência. Esta dinâmica fornece um corretor à visom estática de umha sociedade submissa à ordem ditatorial, à imagem de um regime triunfante na sua intençom de controlar totalmente a sociedade rural galega. Que os campos galegos nunca foram o mundo pacífico e harmonioso que a propaganda franquista levou a acreditar fica demonstrado por umha casuística enorme que implica que enquanto Franco proclamava os benefícios da vida rural, as comunidades rurais desenvolviam múltiplas estratégias de protesta e insubordinaçom.
A tipologia das formas de protesta empregadas no rural galego durante os 40 anos demonstra que foram consideradas táticas de todos os tipos, tanto ativas e abertas como anônimas e encobertas, com um protagonismo tanto individual como coletivo e, ao mesmo tempo, explicita o fato de que o conjunto de medidas implementadas polo franquismo no âmbito agrário (política florestal, intervencionismo econômico, organização empresarial, etc.) tiveram umha resposta nom conformista e sim conflituosa. A razom para a implementaçom dessas açons e nom outras diferentes é explicada em termos dos recursos fornecidos pela cultura de resistência preexistente, que, umha vez despojada de formas legais e formais de resistência, conferiu aos camponeses galegos dos anos 40 toda uma série de formas tradicionais de protesta que eles colocam em prática corajosamente contra o Estado espanhol.
Estes modos de protesta servirom sobretudo para deixar patente ao Estado a coesom da populaçom rural que se mostrou capaz de atuar de maneira coesa na defesa dos seus interesses. Assim, mesmo que apenas algumhas dessas formas tenham relatado efeitos proveitosos, enquanto melhoraram as condiçons materiais de vida, todas elas têm um resultado simbólico de grande importância: a reafirmaçom dos laços de solidariedade camponesa, base da resistência civil.