Por Jorge Paços /
Certas vozes racham o monólogo mediático espanhol sobre o que está a acontecer na Catalunha e, mais em geral, sobre o processo em andamento de laminaçom das liberdades básicas. Para além das consabidas posiçons críticas dos independentismos galego, basco ou catalám, algumhas teses dissidentes espanholas abrem-se passo na mídia mais convencional.
É o caso de Joaquín Urías, professor de direito constitucional na Universidade de Sevilla, e ex-membro do Tribunal Constitucional. Num artigo feito público nestes dias num jornal espanhol de grande tiragem, falava em “golpe de Estado jurídico” para explicar a nova fase da ofensiva estatal para desartelhar o pouco que resta de autonomia catalá.
Como é sabido, o BOE negou-se a publicar a nomeaçom dos cargos assinada polo presidente Torra após a sessom de investidura ; ainda que semelha que com esta decisom assistamos a um simples formalismo, topamo-nos ante um caso de extrema gravidade : o incumprimento flagrante do funcionamento do dito Estado de direito nos seus procedimentos mais ordinários. É por isso que Urías qualifica a medida de “erro político e ataque frontal às normas essenciais da orde constitucional”.
Contra o que sostém o discurso central da esquerda reformista espanhola, movendo-se sempre nas coordenadas entre a cautela e o colaboracionismo, Urías acha que a situaçom estabelecida desde o passado Outubro -início da aplicaçom do 155- “vai alterar todo o sistema constitucional espanhol”. De facto, embora o Senado declarou que o 155 era umha medida transitória à espera da eleiçom dum novo governo catalám, o estado de excepçom mantém-se penamete vigente. A Catalunha continua sem o auto-governo que a Constituiçom diz reconhecer.
Com a eliminaçom do acto de governo do BOE, as decisons da Generalitat passam a ser invisíveis e, portanto, legalmente irreais e inexistentes. Eis a razom de Uría falar de “golpe de Estado judicial”.
A engrenagem institucional do Estado espanhol fica portanto reformulada de facto por umha decisom do executivo : pois embora corresponde ao Senado a decisom sobre a duraçom do 155 contra a Catalunha, e o governo espanhol quem de facto chouta por riba da segunda cámara e aplica a medida com critério ditatorial.
Nom é raro que os grandes valedores do constitucionalismo -eles mesmos filhos dumha ditadura de quatro décadas- sejam os primeiros em violar a lei que apregoam como própria. O independentismo galego conhece-o de primeira mao em matéria de direitos e liberdades ou em política penitenciária. O que resulta novidoso é que com luz e taquígrafos todo um presidente do Estado espanhol se declarar -por palavras de Urías- desobediente à Constituiçom e ao Senado.
Retrocesso acelerado
Sem aventurarmo-nos a previsons apressadas, o ritmo acelerado com que os poderes fácticos avançam no esvaziamento do Estado de direito, fam temer tempos de certa dureza contra os sectores resistentes. Neste contexto mais amplo cumpre analisar a perseguiçom judicial e policial de artistas populares como Valtonyc ou Pablo Hasel, e também a investigaçom aberta pola Audiência Nacional contra jornalistas de meios de comunicaçom como Novas da Galiza ou galizalivre.
O recuo cara um contexto que lembra em tantos sentidos aos complexos anos 30 fai-se com o concurso imprescindível da esquerda reformista, gorada polos seus medos na hora de denunciar o processo que vivemos.
Quer nas grandes questons, quer nos assuntos domésticos, a dirigência reformista nom é quem de traçar umha linha vermelha que os arrede do fascismo com toda claridade. Precisamente no dia de onte, o governo “do cámbio” da cidade da Corunha apostava na institucionalizaçom dos espaços populares libertados e secundava com malabarismos verbais o matonismo policial contra manifestantes.