Por Maria Vilaverde /

A discriminaçom do galego na escola. Um fato contrastado

Todos os dados, todas as estatísticas de todas as instituiçons que fam referência ao estado em que se encontra a nossa língua alertam-nos, desde hai décadas, sobre o descenso no seu uso em todos os espaços e em todos os âmbitos de usos linguísticos, tanto privados como públicos. Porém, nos últimos tempos a situaçom tem-se voltado crítica, pois novos dados contrastados, falam de umha quebra na trasmissom geracional da língua que, finalmente, vem significar a morte da mesma. É por isto que a escola joga para nós um papel fundamental no contexto do conflito linguístico que se vive no país. A escola hoje, ocupa um espaço determinante na esfera da reproduçom social, numha sociedade em que o papel da família ampla e das redes de sociabilidade vizinhais,tenhem-se reduzido drasticamente nos últimos tempos, e onde os primeiros ensaios de relacionamento social fam-se no espaço fechado da escola. Além dos dados, as maes e os pais galego-falantes testemunham este facto através da sua experiência, as crianças galego-falantes começam o seu percurso escolar falando galego e finalizam-no falando espanhol. De todas as perspectivas que analisemos a questom, a conclussom que tiramos é a mesma, a escola do estado, a escola pública, na Galiza, funciona como um agente desgaleguizador.

Desde que iniciamos o percurso na Semente em lugo, apostando, como o resto das Sementes que agromárom no país, na necessidade da imersom linguística como modelo de educaçom, estabelecendo ligaçons com distintos agentes normalizadores, maes e pais, educadoras, ativistas…, assistimos, com preocupaçom, a certa banalizaçom do problema, a umha tendência para restar gravidade ao fenómeno, “já recuperarám a língua na adolescência” é a justificaçom desta postura bastante comum. Muitas vezes coincidimos no diagnóstico com setores da comunidade linguística: existe marginalizaçom linguística na escola, mas, para nós, longe de considerá-lo mais um aspeto no processo de minorizaçom da nossa língua em todos os âmbitos, colocamo-lo no centro do problema e, se a escola é central no processo de minorizaçom linguística, deve sê-lo também no processo de normalizaçom. Dizia James Baldwin, escritor negro e homossexual, ativista polos direitos civis dos negros norte-americanos, que a discriminaçom,“nom só se conhece e se estuda, também se sente”. Se as nossas crianças abandonam a sua língua na escola é porque nela sofrem umha violência naturalizada e normalizada, as crianças galego-falantes vem-se afetadas no seu relacionamento com os seus iguais e com as docentes, na sua autoestima, no seu desenvolvimento pessoal.

Convém lembrar que umha língua, além de ser um instrumento de comunicaçom, é também um conjunto de valores e atitudes que conformam umha identidade coletiva, na medida em que a escola do estado censurou e eliminou do seu curriculum qualquer referência a umha língua que sobreviveu nos usos e na cultura de tradiçom popular no seu próprio país, podemos falar sem eufemismos, dum racismo institucional como base dum modelo educativo que promove o supremacismo linguístico e cultural do espanhol. O galego apenas tem presença sempre que nom discuta o status de poder do espanhol, nom é por acaso que a perspectiva reintegrancionista da língua galega foi combatida e reprimida polos poderes públicos, pois inscreve o galego no âmbito dumha língua de cultura internacional que ultrapassa os limites da fronteira do Estado. Mesmo reduzido à condiçom de subordinaçom, as políticas implementadas nos últimos tempos polo governo da Junta, refletem umha clara vontade de aniquilaçom da identidade linguística e cultural.

Sabemos ademais que umha identidade linguística e cultural, nom conforma umha realidade monolítica e impermeável, a discriminaçom linguística há que situá-lo no contexto da escola pública hoje. Um dado muito significativo diz-nos que as raparigas mudam para o espanhol numha percentagem 2% maior que os rapazes, a discriminaçom de género, a escola como reprodutora dos roles tradicionais da sociedade patriarcal, cria situaçons de vulnerabilidade para as raparigas, que no nosso país, atingem formas de discriminaçom singulares. A escola pública como reprodutora dos valores normativos da sociedade, castiga as crianças galegas duas vezes no mesmo ato de castigar umha, como classe popular e como galega, como rapariga e como galega, como transexual e como galega. Podemos pôr o exemplo da uniformizaçom do saber, e a valorizaçom do mundo urbano próprios da cultura escolar moderna, e os efeitos demoledores que produzem no nosso país, até ontem, predominantemente rural, e que hoje sofre um processo de desruralizaçom brutal que oferece cada ano a sua cara mais violenta projetada na imagem dos lumes devorando o território. Imaginai o que pode sentir umha criança de Castroverde ou de Barbaim, quando o seu mundo, o seu universo, se traduze num livro de texto de primária, e reproduzo literalmente, no: “lugar de donde se extraem las matérias primas”.

Porém, umha achega à discriminaçom linguística do Galego, ficaria incompleta se nom ligarmos o presente com os acontecimentos passados, o status de poder da língua espanhola no ensino tem umha história, nom podemos esquecer que para geraçons anteriores à nossa, o uso da língua galega na escola foi castigado com a humilhaçom, o escárnio e o castigo físico. A imposiçom do espanhol na escola através da violência e do terror tem condicionado a percepçom e a valorizaçom social da nossa língua e cultura, e as consequências seguimo-las sofrendo hoje.

Que Podemos Fazer. A Necessidade de imersom linguística.

Se a leitura do presente é crítica, isto exige para quem a fai, o compromisso para mudá-lo. Reverter a atual situaçom de discriminaçom exige aliás, umha resposta coletiva. É responsabilidade da comunidade linguística galegófona proteger as crianças galego-falantes,e é a nossa obriga garantir o cumprimento dos seus direitos.

Esta convicçom é partilhada polos distintos projetos educativos da Semente que funcionam no país. Se o estado nom garante o direito a umha educaçom em galego, e se as instituiçons autonómicas tampouco, é a iniciativa popular quem deve criar as condiçons para o seu exercício. A iniciativa popular ao nom estar condicionada por interesses alheios, supom aliás , a possibilidade de ensaiar novas vias para a normalizaçom do galego.É, nesse sentido, que a Semente apostou desde o seu início polo método de imersom linguística, criando um espaço onde a língua veicular é o galego, garantindo o relacionamento entre as crianças na sua língua, normalizando o seu uso, promovendo a qualidade linguística e favorecendo a aquisiçom da mesma a crianças nom galego-falantes através do jogo e dos cuidados. A adopçom do modelo de imersom linguística impulsada pola Semente procura ademais socializar a necessidade de consciência linguística, rompendo de passo, os muros fechados que separam a escola da sociedade. Para a Semente, a implicaçom das famílias, das sócias, das ativistas, som fundamentais no processo de imersom linguística. Contamos aliás, com o exemplo de outras realidades de línguas minorizadas que aplicárom distintos modelos de imersom linguística com êxito.

Da Semente vimos pulando num modelo de imersom linguística próprio, consideramos que a educaçom em galego nom é umha operaçom mecánica, que o seu método tem que ser colocado no contexto da sociedade que existe. A condiçom do galego como língua minorizada coloca-nos numha situaçom privilegiada para entender os mecanismos de discriminaçom social. Da nossa perspectiva educar as nossas filhas na consciência linguística significa também reforçar a sua autoestima, facilitar o desenvolvimento do pensamento crítico e da sua autonomia. Educar na consciência linguística é também adquirir consciência da pertença a umha comunidade e da responsabilidade do compromisso com a solidariedade, a gratidom, a cooperaçom…, significa também valorizar a diversidade linguística, cultural, sexual…

Para várias geraçons de galegas alfabetizadas no espanhol e educadas no auto-ódio, a imersom linguística supom um horizonte, umha perspectiva de futuro e a reconciliaçom com um passado traumático. Eu própria, filha dum operário e dumha labrega, fum educada em espanhol, pois para os nossos pais apenas o espanhol garantia algumha oportunidade de bem-estar para o futuro. Mais tarde, quando adquiri consciência linguística, a transiçom para a língua galega foi acompanhada por meus pais, de maneira conflitiva, problemática, pois enfrentava-os a umha desgarradora contradiçom, mas também foi vivida por eles como umha espécie de libertaçom e de catarse, e hoje acompanham as suas netas na adquisiçom e na consolidaçom da sua própria língua com total normalidade. Hoje, quando a situaçom do galego piorou de forma drástica, devemos converter esta operaçom numha estratégia social, e para isto é necessário o envolvimento de todos os agentes normalizadores do país. Queremos Mais: Mais iniciativas populares de imersom linguística, mais Sementes no nosso país, e mais luita pola imersom linguística na escola pública.

*Maria Vilaverde é ativista na escola Semente em Lugo.