Por Carlos Taibo /
Se falarmos do consumo devemos falar também doutra fonte de problemas e alienações: o trabalho. Hora é esta de recordar que cada vez se trabalha mais: desde princípios da década de 1980 tem-se invertido uma tendência histórica para a redução do tempo correspondente. Segundo um estudo recente, em Alemanha 51 % das pessoas trabalhava em 2007 às tardes, às noites ou durante o fim de semana, frente a 38 % que trabalhava assim em 1994; por outra parte, 28 % de quem trabalha dedica a esta tarefa, de forma regular ou esporádica, os dias feriados. Tudo isso contrasta poderosamente com aquilo que —parece— aconteceu há séculos: não falta quem sugira que, apesar das aparências, no passado se trabalhava menos. Marshall Sahlins, por exemplo, tem assinalado que na idade da pedra o trabalho ocupava três ou quatro horas diárias, enquanto Gorz tem salientado que a princípios do século XVIII reclamava umas vinte horas semanais.
É verdade, mesmo assim, que a consciência no relativo às consequências do hipertrabalho começa a manifestar-se, entre nós, de diversas formas. Na Europa comunitária mais da metade das pessoas que trabalham a tempo parcial optaram conscientemente por essa possibilidade. 54 % dos varões e 42 % das mulheres que trabalham declara que preferia dedicar ao trabalho menos horas. O decrescimento que defenderemos umas páginas mais adiante deve reduzir por lógica a oferta de empregos na economia competitiva, como deve impulsar a necessidade de redistribuir aqueles —algo pelo qual lutavam antigamente os sindicatos— e trabalhar menos horas. Em paralelo haverão de aumentar —sublinharmo-lo-emos quando corresponder— as atividades vinculadas com as economias domésticas, com a educação e com o trabalho voluntário. Não está de mais lembrar que, se empregássemos menos energia e menos matérias primas, estaríamos na obrigação de trabalhar menos e viveríamos, então, melhor. “Faríamos menos dano e pouparíamos milhões de horas de trabalho que hoje utilizamos para remediar esses danos”.
Convém agregar, neste âmbito de cousas, uma observação importante. Se durante muito tempo criticamos, carregados de razão, o trabalho assalariado e as suas misérias, hora é esta de considerar seriamente a necessidade de criticar também o trabalho per se. Resgatemos ao respeito o diagnóstico de Paul Lafargue, o genro de Marx: “Uma estranha loucura possui as classes operárias das nações em que reina a civilização capitalista. Essa locura produz misérias individuais e sociais que, depois de dous séculos, torturam a triste humanidade. Essa locura é o amor pelo trabalho, a paixão moribunda pelo trabalho, levada até o esgotamento das forças vitais do indivíduo e da sua progenitura”. Como o assinala Joaquín Valdivielso, e no mesmo sentido, na obra de André Gorz há uma ênfase maior na libertação “além do trabalho” que na humanização dentro deste. Não falta peso, aliás, a esta tradição de pensamento, como o salienta Iván de la Nuez: “Podemos acompanhar Paul Lafargue, por exemplo, e tratar de compreender em que ponto é possível inscrever, nos nossos dias, a sua reivindicação da ‘preguiça’. Ou a Bertrand Russell e a sua alternativa ao capitalismo em termos relativamente semelhantes, com o concurso da reivindicação da ‘ociosidade’. Ou a Slavoj Zizek e a sua persistência crítica frente ao capitalismo desde uma esquerda poscomunista que reivindica ‘as metástases do gozo’ e rejeita comungar com qualquer forma de Gulag como mal menor do socialismo”.
Em qualquer caso, e segundo a fórmula que abraça o mencionado Gorz, trata-se de “obrigar ao capital (…) a pôr a poupança em tempo de trabalho à livre disposição duma sociedade na qual deixem de predominar as atividades submetidas à racionalidade econômica”. Parece lógico afirmar que a redução do relevo do trabalho assalariado se traduzirá numa redução, também, da preocupação pelo consumo, com o qual “parte do tempo liberado da compulsão por trabalhar e consumir se poderia dedicar à educação e à melhora pessoal”.
* Fragmento do livro “Decrescimento, crise, capitalismo” de Carlos Taibo, publicado por Estaleiro Editora.