Por P. Fernandes Pastoriça e J. Paços /
Afonso II passou à posteridade como o monarca baixo o que se descobriu o suposto sepulcro apostólico, ou como um dos reis de nosso que enviou umha delegaçom à corte franca de Carlomagno, reafirmando a Galiza no palco internacional. É menos conhecido por protagonizar umha das batalhas mais cruentas no interior do país, procurando desfazer-se pola força do que fora o seu grande aliado mussulmano, Mahamud ben Abd al-Yabbar .
Afonso II viviu durante os séculos VIII e IX, justo na etapa prévia à instalaçom do poder político galaico na cidade de Leom. Foi criado e educado no mosteiro de Samos ; reinou durante cinquenta e um anos, em duas jeiras diferenciadas, com a ameaça da usurpaçom de nobres reais. De facto, nos primeiros anos de mandato foi expulsado polo seu tio Mauregato e procurou refúgio em terras bascas. Estes enfrentamentos internos fôrom umha constante nos primeiros séculos do Reino, e aconteciam segundo as pautas das rivalidades entre caudéis militares que pretendiam dominar vastos territórios com escassos meios militares e burocráticos.
A sua instalaçom definitiva como rei tem lugar em 791, trás a queda em combate de Bermudo I na batalha do rio Búrbia, enfrentando-se com os mussulmanos. Afonso instala a capital em Uvieu e desde alô lança importantes ofensivas. Foi um monarca belicoso que atacou e tomou temporalmente Lisboa, em maos árabes, e também Porto, entom despovoada ; defendeu o território das incursons mussulmanas em Anceo (perto de Ponte Sam Paio) e na comarca de Chantada.
Reconquista ?
O feito de Afonso II estar envolvido em iniciativas bélicas contra os mussulmanos, e de estabelecer umha zona de segurança arredor do Douro, levou a historiografia espanhola decimonónica a erguê-lo como emblema da Reconquista : o rei asturiano que recuperou a ideia nacional visigótica para expulsar os árabes.
Nada mais longe da realidade, segundo descobre a investigaçom recente. Javier Peña, catedrático de História Medieval na Universidade de Burgos, declarava recentemente : « a palavra Reconquista nom existe na Idade Média, utilizam-na pola vez primeira os cronistas espanhóis por volta de 1800 ; cumpre distinguir entre mito e realidade histórica », concluiu. Dizer, como fijo Sánchez Albornoz, que don Pelaio começou a luitar em Covadonga « fundando a naçom espanhola é umha barbaridade », afirmou o catedrático. Estas palavras, pronunciadas por umha pessoa sem relaçom nenhuma com o galeguismo, podem ajudar-nos a entender mais atinadamente os tempos de Afonso.
A batalha de Santa Cristina do Viso.
As origens do conflito acham-se nas desavinças no próprio mundo mussulmano. Segundo conta a Crónica de Afonso III, o monarca dera acolhida a um dissidente do califato de Córdova :
« Mahamud, cidadao de Mérida e muladi de berce, que se rebelou contra o emir de Córdova, Abderramám, e dirigiu muitos ataques contra ele e pujo em fuga os seus exércitos. Quando já nom puido habitar naquela terra, dirigiu-se ao rei Afonso II, e o rei acolheu-no com honores ».
Estamos ante mais um caso de aliança cristá-mussulmá das muitas que se vivêrom no medievo, e que desmentem de raiz a ideia de qualquer vocaçom de ‘reconquista’. Neste caso, a aliança esmoreceu com a passagem do tempo. Mahamud viviu durante sete anos na Galiza com todo o seu séquito e, se fixermos caso às crónicas, aproveitou-se da sua posiçom para conspirar contra o rei que o acolhera. « Reuniu alô os seus camaradas, juntou umha tropa e saqueou a terra ».
É neste momento quando o monarca organiza o seu exército e vai à caça do rebelde, atrincheirado no castelo de Santa Cristina do Viso. Que sabemos da batalha que tivo lugar naquele empraçamento ? Nom demasiado : as crónicas som serôdias e apologéticas, polo que nom resultam demasiado confiáveis. Para começar, ainda nom sabemos a sua localizaçom exacta. Para Juan Pallares Gayoso, coengo da catedral lucense no século XVII, a luita livrou-se em Santa Cristina do Viso (Íncio) arredor de 840. O erudito decimonónico J. Francisco Masdeu escreve que Santa Cristina estaria situada entre Sárria e o Vale de Lemos. Outros autores situam o choque em Sam Romám, no actual concelho de Lugo.
Seja como for, tratou-se dum enfrentamento terrível. As crónicas medievais -tendentes ao exagero- falam de 50000 mussulmanos passados polas armas, e da obriga de todos os sobreviventes de se converter ao cristianismo.
Como acontecera na batalha de Castro Cupario, referenciada já neste portal, o sanguinhento do choque deixou pegada na cultura popular. Assi o ratifica González Reboredo, que na obra El folklore en los castros gallegos, recolhe esta tradiçom : « Santa Cristina era moura, namorou-se dum branco e traiçoou os mouros, e deu-se umha batalha tam fera que ia a auga do rio Mao vermelha até Belesar ; e por isso o rio Mao nom tem peixes, apenas truitas ».