Por Robert Kurz /

Continuaçom do artigo publicado a semana passada.

Henry Ford e a produçom em massa

No início, o automóvel era algo restrito a umha elite, um brinquedo da aristocracia endinheirada. Produzido dispendiosa e artesanalmente, o automóvel era inacessível a seres humanos médios, como antigamente as carruagens ou outros meios de transporte de traçom equina. Em 1907, havia em toda a Alemanha apenas 16 mil automóveis registrados, ou seja, um carro para cada 4 mil habitantes. Mesmo nas grandes cidades, era umha sensaçom, principalmente para crianças e adolescentes, ver passar um automóvel. Também essa limitaçom só podia aparecer para o “espírito do capitalismo”, e para a sua lógica econômica, como um impedimento a ser superado. Nom por acaso, o automóvel conheceu a sua primeira ampliaçom para o consumo de massas nos Estados Unidos. As dimensons do mercado interno, que se estendia de costa a costa, foram o melhor estímulo para que se passasse a umha produçom em massa.

Já no estágio de produçom artesanal, logo no início do século, os Estados Unidos ultrapassaram a Europa em termos quantitativos de produçom anual de automóveis. A forte demanda e a possibilidade de explorar novos potenciais de mercado fizeram surgir, na produçom automobilística dos Estados Unidos, novos métodos de produçom que iriam adquirir caráter exemplar. O engenheiro americano Frederick Winslow Taylor (1856-1915) publicou, em 1911, a sua obra “Os Fundamentos de Administraçom Científica”, e o taylorismo, baseado nessa obra e mundialmente conhecido, possibilitou a sistematizaçom, o controle e a mecanizaçom do processo de trabalho humano. Até hoje, a administraçom moderna se nutre desse fundamento. Somente com a nova ciência, de organizaçom microeconômica, e da racionalizaçom, a “lógica do dinheiro” podia, penetrar até o âmago dos processos do trabalho.

Juntamente com a organizaçom rígida dos fornecedores e da distribuiçom (concessionárias) e de novas formas de produçom em linha de montagem, o taylorismo possibilitou um aumento violento de produtividade, que, primeiramente, tornou-se eficiente na jovem indústria automobilística americana. Foi, sobretudo, o empresário automobilístico Heny Ford quem assimilou sistematicamente os novos métodos, desenvolvendo-os. Foi ele quem impôs pola primeira vez o princípio da reduçom permanente dos custos unitários. Umha maneira para isso foi a padronizaçom e a simplificaçom de todos os elementos de produçom, a montagem precisa, ditada polo cronômetro, mas principalmente a própria esteira. Realmente, a esteira tornou-se o símbolo do trabalho do século XX, e Henry Ford passou a ser a figura lendária dessa época.

Apenas com a produçom em massa da indústria automobilística se realizou, em grande escala, a concentraçom industrial dos “exércitos do trabalho” prevista por Marx. O trabalhador de esteira, como espécie de robô humano, caricaturado sarcasticamente por Charles Chaplin no seu filme “Tempos Modernos”, foi considerado, ora como o novo herói, ora como vítima da transformaçom social originada pola indústria automobilística. Henry Ford se justificou através de umha espécie de “religiom do trabalho (industrial)”, na qual tentou justificar como progresso a padronizaçom nom só da indústria e da atitude produtiva, como da própria vida.

Inicialmente, o sucesso pareceu dar-lhe razom. Os novos métodos de produçom, adotados de maneira mais consequente na fábrica Ford, em Detroit, conseguiram pola primeira vez, baratear tanto o produto automóvel, que permitiu alcançar o consumo em massa. O preço unitário despencou de mais de mil dólares rapidamente para quatrocentos dólares. Enquanto na Europa ainda se produziam anualmente apenas alguns milhares de unidades, a Ford aumentava a produçom e a venda para mais de 30 mil carros no ano de 1911. Em 1914, já se produziu o fantástico número de 248 mil carros, que também foram vendidos. O famoso modelo “T”, produzido em série padronizada ininterruptamente até 1927, experimentou, até aquele ano, umha produçom total de 15 milhons. Essa representou umha abertura histórica, nom só da própria produçom tecnológica em massa, como também de um modo de vida tecnológico e massificado, em que os indivíduos solitários, tomados pola compulsom monetária do “levar vantagem”, começaram a ordenar-se como limalha de ferro numha mesa magnética.

A agressividade masculina, produzida socialmente, e a tradicional dominaçom masculina na formaçom do capitalismo também tiveram as suas consequências para a nova produçom em massa da indústria automobilística. O automóvel, enquanto “auto”-expressom da personalidade mecanizada e “estruturalmente masculina”, demonstraria simultaneamente força e capacidade de imposiçom. Essa dimensom psicológica transpareceu até na própria direçom do desenvolvimento tecnológico. Nom foi só por razons imanentemente técnicas que o desenvolvimento do “eletromóvel”, até 1914 ainda indefinido, foi paralisado. A maior autonomia, mas, principalmente, força e velocidades maiores, determinaram a vitória do motor a combustom, agressivo e nocivo ao ambiente. “Tempo é dinheiro” era o lema. Motores, cada vez mais fortes, e a “embriaguez da velocidade”, cada vez maior, agitaram a capacidade de imposiçom individual e a disposiçom na concorrência.

Mobilizaçom total

Como nom poderia deixar de acontecer, a indústria automobilística, com o seu potencial mecânico de agressom, nom só encontrou a sua utilizaçom militarista, como ela mesma se militarizou. A Primeira Guerra Mundial, em 1914, ainda viu os homens patriotas, barbudos do século XIX, entrar na guerra cantando, a pé ou a cavalo. No final da guerra, quatro anos depois, tanques automobilizados revolviam a terra com as suas correias barulhentas. Os soldados voltavam para as suas casas como trabalhadores industriais de guerra, cínicos e com semblantes petrificados. A indústria automobilística se desenvolveu otimamente por conta dos massacres em massa dos dous lados do Front. Ela explorara novos campos de atuaçom. Além de caminhons e tanques, construíram-se cabinas de comando e motores para avions. Empresas como a Mercedes, a Büssing e a Opel, atingiram novas dimensons. Os maiores produtores de automóveis já duplicaram nos primeiros dous anos de guerra os seus dividendos.

Com a Primeira Guerra Mundial começou, portanto, um desenvolvimento no qual a matança estatal cientifizou-se, mecanizou-se e, principalmente, automobilizou-se. A ênfase da potência armamentista transferiu-se pouco a pouco da antiga indústria pesada para a indústria automobilística. A Segunda Guerra Mundial, umha guerra mobilizada e plenamente industrializada, deu continuidade a essa tendência, que até hoje se mantém. Assim, nom foi acaso, mas devido a lógica interna de umha, agora já prolongada tradiçom, que as empresas automobilísticas até hoje atualizam os seus negócios de destruiçom militarista. Mais umha vez, a indústria automobilística entra com o seu capital na produçom armamentista. Em 1985, a General Motors comprou fábricas de armamentos no valor de 5 bilhons de dólares, produzindo foguetes, helicópteros e satélites militares. Também em 1985, sob a direçom de Edzart Reuter, a Daimler-Benz comprou umha completa mercearia militar e é hoje a maior empresa armamentista da Europa Central. Essa indústria é literalmente umha indústria da morte, o que ficou comprovado em toda a sua trajetória histórica.

O elo agressivo de trabalho em massa, consumo em massa e destruiçom em massa, iniciou um processo que ultrapassou de longe a produçom bélica. O escritor Ernst Jünger, autor de um dos mais polêmicos testemunhos desse século, glorificou a “vivência” da batalha de equipamento militar industrializado no seu primeiro livro “Em Tempestades de Aço” (In Stahlgewittern). Mais tarde, ele tentou justificar a sua própria fascinaçom pola megamáquina da guerra total. Com a noçom de “mobilizaçom total” (1934), que forneceu umha palavra-chave aos Nacional-Socialistas, ele nom fez apenas umha alusom à imagem da aparência externa no sentido militarista. Com essa noçom, que marcou época, ele tentou desenvolver a ideia de umha automatizaçom cega e dinâmica total da sociedade de trabalho automobilística. Jünger dizia que a guerra mundial fazia parte das dores de parto do deslanche dessa sociedade. Ao lado dos exércitos de “trabalho”, diz Jünger, aparecem “os novos exércitos de transporte” e umha “integraçom absoluta da energia potencial” da sociedade.

Seria, portanto, umha interpretaçom errônea, e também umha ilusom, limitar o conceito de “Mobilizaçom Total” ao Nacional-Socialismo e à Segunda Guerra Mundial. A produçom de automóveis, aparentemente tam banal, surge como o coraçom mecânico robótico de um processo histórico que perdura até hoje e que, entretanto, penetrou na autoconsciência das massas e de cada indivíduo. Na Europa, as duas guerras mundiais promoveram as condiçons favoráveis para a difusom do taylorismo de administraçom empresarial e científica, como ocorrera nos Estados Unidos, graças à quase inesgotável dimensom do seu mercado interno. A República Federal da Alemanha da pós-guerra, com o seu caráter supostamente civil, nom fez parar o desencadeamento destrutivo da sociedade de trabalho total, mas, ao contrário, fez dela o estado normal cotidiano, democrático. O carro continuou sendo o portador dessa mobilizaçom total e desmedida.

A anuência terrível a esse processo totalitário unifica os campos aparentemente hostis da história da modernizaçom automobilística. Nom por acaso, Lenin e Stalin puderam entusiasmar-se com o taylorismo e os métodos de produçom de Henry Ford. O comunismo de trabalho soviético, burocrático-estatal, mesmo externamente tam distante da individualizaçom ocidental, repetiu, apenas sob outras condiçons, os seus motivos centrais. Só que nom além de umha espécie de capitalismo ferroviário siberiano. Mesmo nas suas ramificaçons ocidentais, ele só conseguiu desenvolver a produçom automobilística individualizada em umha forma degenerada, o que nom impediu de implantar a mesma lógica e os mesmos desejos mecanizados nas suas populaçons. Também ele visava umha “mobilizaçom total” irracional em guerra e paz. Ele nunca conseguiu distanciar-se decisivamente do “espírito do capitalismo” e da “forma” do trabalhador abstrato evocada por Ernst Jünger.

Isso vale ainda mais para o Nacional-Socialismo e também para o Fascismo Italiano. Esses regimes eram, em muitos sentidos, verdadeiras máquinas de modernizaçom. A instalaçom da indústria automobilística nesses regimes, consciente e estatalmente forçada, constituiu o centro de ataque das mudanças sociais. Tal como os planejadores estatais russos, os Nacional-Socialistas também olharam com cobiça para os êxitos de Henry Ford. Ainda anteriormente ao comunista italiano Antonio Gramsci, que morreu nos cárceres de Mussolini, o economista alemám Friedrich von Gottl-Ottlilienfeld, que posteriormente se tornaria o papa da economia nacional do “Terceiro Reich”, criou o conceito notável de “fordismo” para a relaçom entre “indústria e razom técnica” (1926). Como se sabe, a hoje maior empresa automobilística na Europa, a Volkswagen, foi totalmente criada no Nacional-Socialismo, tal como as respectivas criaçons “Autobahn” (auto-estrada) e “Blitzkrieg” (guerra relâmpago), expressons integradas na sua forma alemã a diversas línguas.

Essas relaçons apontam para umha certa identidade interna entre o capitalismo fordista dos Estados Unidos, o nacional-socialismo alemám e a economia de estado soviética. É verdade que essa identidade oculta se impôs em ambientes e constelaçons historicamente diferentes. Contudo, ela permitiu que pensadores politicamente tam distantes, como Gramsci e Friedrich von Gottl-Ottlilienfeld, pudessem referir-se ao fordismo da mesma maneira positiva. Nom se tratava, de forma algumha, da mera identidade de um grau de desenvolvimento tecnológico, totalmente desvinculada da essência de sociedades diferentes. Ao contrário, foram criadas, apesar de todas as oposiçons externas, umha forma de relaçom social substancialmente idêntica e umha imagem comum do homem mecânico, “moldado polo automóvel”. Essa imagem do homem entrou hoje (e agora em todos os países da terra) nas nossas entranhas.

Surpreendentemente, essa identidade oculta também transparece em outra parte do processo de produçom ideológica. A da “religiom do trabalho” industrial, defendida, nas suas modalidades específicas, tanto por Lenin e Stalin, como por Henry Ford e Adolf Hitler, nom quis reconhecer a sua sub-ordenaçom objetiva à lógica do dinheiro. Ao contrário, o “trabalho industrial honesto” deveria comandar o dinheiro. Em todas as sociedades em estágio de desenvolvimento fordista havia tendências que atribuíram o permanente domínio do dinheiro, incompatível com o trabalho honesto, a umha imagem de inimigo externo e fantástico: o “capital financeiro judaico”. O arquiamericano capitalista Henry Ford, figura símbolo do ascenso dos Estados Unidos, mostrou um verdadeiro ódio aos judeus. O seu livro “O Judeu Internacional” teve grande aceitaçom na Alemanha nacional-socialista. Por outro lado, somente agora começa a ser escrita a história da perseguiçom stalinista aos judeus. O anti-semitismo é a história secreta do capitalismo automobilístico e a sua mobilizaçom total de trabalho industrial e administraçom científica. Na Alemanha, essa história secreta resultou em um regime aberto de extermínio. Auschwitz era, nesse sentido, um fenômeno profundamente fordista, e as suas formas terríveis de organizaçom “científica”, um retrato fiel da indústria automobilística. O modo de vida fordista.

A situaçom do trabalhador no processo de produçom fordista, quase de um robô, desde o início provocou críticas. A racionalizaçom, que até hoje avança continuamente em etapas, mostra-se umha ditadura duradoura, capaz de extorquir o máximo do produtor, sugá-lo até a última gota. Ford se justificava com o argumento de que somente assim seria possível pagar salários altos e baratear os produtos para o consumo em massa. Obviamente, só os trabalhadores da indústria automobilística nom podiam comprar carros produzidos em massa. Em torno do núcleo da indústria automobilística desenvolveu-se rapidamente todo um anel mágico de indústrias, que começaram a imitar esse exemplo. Formaram-se, entom, as indústrias de eletrodomésticos e de aparelhos eletrônicos, bem como as indústrias de alimentos, as grandes lojas de departamentos e supermercados. Nom devemos esquecer que também o sistema de crédito ao consumidor e o pagamento em prestaçons foram criados nos EUA. Além disso, a agricultura foi reestruturada, em todo lugar, segundo os moldes fordistas.

O padrom básico consistia no fato de que os novos produtores em massa se tornaram, ao mesmo tempo, consumidores em massa, sob a lei geral e comum da valorizaçom do dinheiro. O dinheiro capitalizado se transformou, somente dessa maneira, naquela grande roda de impulso social que hoje caracteriza, como se fosse natural, a imagem de nossa sociedade. Em outras palavras: a subordinaçom à ditadura fordista do tempo e do trabalho foi “recompensada” polo consumo em massa de carros, geladeiras, máquinas de lavar, rádios, TVs, etc. Essa engrenagem de produçom, renda monetária, venda e consumo, também foi denominada “sistematizaçom fordista” (Elmar Altvater).

Porém, com isso ocorreram modificaçons nom imaginadas para todo o modo de vida. Até a Primeira Guerra Mundial, o capitalismo ainda nom se estendera a toda a vida humana, apropriando-se dela. Por toda parte, o capitalismo ainda era permeado e cercado de elementos da antiga economia doméstica (hortas, oficinas, lavanderias, etc.). Inclusive, a maioria dos trabalhadores industriais, principalmente as mulheres, ainda produziam muitas cousas da necessidade cotidiana. Porém, exatamente essas atividades foram sendo cada vez mais consideradas inferiores, por nom renderem dinheiro. Mesmo assim, existia umha certa relaçom recíproca entre “o setor tradicional” da economia doméstica e o “setor da economia de mercado” do capitalismo, conforme demonstrou em umha importante pesquisa o sociólogo de Munique, Burkart Lutz. Partindo da indústria automobilística essa relaçom começou agora a se desenvolver. Primeiro, nos Estados Unidos, entre as duas Guerras Mundiais, e, posteriormente, também na Europa, a vida organizou-se de forma industrial, abrangendo todo o território, conduzido polo cálculo da rentabilidade microeconômica e dependente dos grandes espaços anônimos do mercado. Também isso é um aspecto da mobilizaçom total.

Com isso, aumentou a utilidade de muitos bens e, além do mais, integraram-se necessidades totalmente novas ao consumo. Isso caracteriza a grande força de atraçom do novo modo de trabalho e vida. Mas essas vantagens custaram muito caro. Foram pagas com a perda total do controle dos homens sobre as suas próprias vidas, abandonadas aos poderes anônimos e às normas objetivas do mercado total. Como um “junky” paga a “viagem” da droga com a servidom imposta pola necessidade de conseguir dinheiro, assim os prazeres mecânicos de consumo dos trabalhadores fordistas precisavam ser pagos com a servidom na forma de umha dependência total do “emprego”. Também o relativo alívio do trabalho doméstico pola mecanizaçom, sob a coerçom do dinheiro, é umha faca de dous gumes. As mulheres podiam, dessa maneira, submeter-se também ao trabalho assalariado industrial. Muitos bens do assim chamado consumo de nível elevado até hoje som apenas alcançáveis para as massas através do sistema da “dupla renda”. Mas assim chegamos, em vez de reduzir a carga de trabalho das mulheres, a umha dupla carga, porque as mulheres ficaram integradas no trabalho doméstico e no trabalho assalariado. Os homens nem pensaram em aceitar umha distribuiçom de trabalho mais equitativa e assim ficaram eles com as vantagens principais do modo de vida fordista. Isso até hoje nom mudou muito. Esse modo de vida da dependência total da renda monetária levou, finalmente, até a um estranhamento entre marido e mulher, pais e filhos. As relaçons familiares antigas, muitas vezes rudes, nom foram substituídas por umha relaçom humana melhorada. Em vez disso, a crescente ocupaçom, quase autista, dos “indivíduos isolados” consigo mesmos, completou, com brinquedos tecnológicos dispendiosos, aquele indivíduo solitário, que, como átomo de umha massa sem rosto, a lógica interna desenvolvimento capitalista já tinha formado há tempo. A Miséria da Sociedade Automobilística de Tempo Livre.

O consumo tecnológico em massa, aparentemente tam magnífico, foi desde o início nom mais do que um equilíbrio pobre para a ditadura nom natural de tempo do “trabalho”. Nom conseguiu equilibrar, mas, ao contrário, reforçou mais a alienaçom mútua dos homens, que cada vez menos sabem se relacionar um com o outro. Na Alemanha era o mesmo nacional-socialismo assassino que, ao lado de um programa de modernizaçom fordista de “trabalho”, iniciou simultaneamente um programa de tempo livre para o conjunto da sociedade como parte da sua campanha de mobilizaçom total: “Kraft durch Freude” (KdF) (“Força através da Alegria”). O “Volkswagen” (carro do povo) fazia parte desse programa total. A sociedade do tempo livre e a sociedade do trabalho, dous lados da mesma moeda, prepararam o seu caminho em conjunto. E é óbvio que o carro tornou-se o brinquedo número um do tempo livre.

É verdade que se ampliou o horizonte dos homens fordistas dessa maneira. A massificaçom de umha mobilidade, que antigamente era privilégio de poucos ricos, possibilita pola primeira vez, que simples assalariados possam viajar ao exterior, ao sul, ao mar. Mas, porque essas conquistas nom conseguiram ser apropriadas culturalmente, pois foram permeadas polo sopro pestífero da valorizaçom coercitiva do dinheiro, nom puderam levar a nenhuma aproximaçom interna ao outro e a nenhuma vivência da natureza. A onda automobilística do tempo livre e das férias vomita, desde entom, homens fordisticamente homogeneizados, em ritmo de umha máquina semanal e anual; seja para umha natureza, adaptada em funçom de um tempo livre mecanizado e subordinada à economia, seja para os guetos de turistas, que começaram logo a ser terrivelmente parecidos com os locais de trabalho e os dormitórios fordistas.

Apesar de toda “individualidade”, sempre invocada no mundo da propaganda, os homens automobilísticos, atrás dos seus vidros, só conseguem fazer experiências totalmente idênticas e estandardizadas. Tanto as férias estereotipadas no mediterrâneo, quanto os passeios dominicais ao “verde”, agora cinzento, nom tem nada a ver com experiências individuais. Cria-se, cada vez mais, apenas um pseudo-acontecimento normatizado e cunhado por elementos culturais pré-fabricados. “Individual” nom é o conteúdo da vivência, mas somente a forma técnica do transporte, que, pola sua vez, destrói os monumentos artísticos e a natureza dos países turísticos. Umha antiga propaganda da Ford parece hoje umha total zombaria: “Cada um, que ganha um salário razoável, tem possibilidade de comprar um carro para gozar com a sua família o bendito descanso ao ar livre, puro e divino” (1923).

Mas o pior é que no tempo livre fordista, no fundo, o “trabalho” tem continuidade com outros meios; mais ou menos como umha experiência terrível, que se repete infinitamente num pesadelo. Mais umha vez, foi Ernst Jünger que apresentou esse problema na sua maneira notável, meio conservadora-crítica, meio fascinante. Ele constatou que os homens fordistas, também no tempo livre, nom se livram “do círculo mágico dos autômatos” e do “ritmo dos relógios”, eles “permanecem num espaço, determinado polas duas figuras, a da roda e a da esteira mecanizada”. Pois também auto-estradas ou filmes som “esteiras”, e o tempo livre continua, como o “trabalho”, parte ou segmento “de um movimento gigantesco circular” (Das Sanduhrbuch, 1954). A “mobilizaçom total” impom-se também, portanto, em um espaço apenas aparentemente “livre” e pessoal. O trabalhador fordista, enquanto homem automobilístico, também está sendo posto em movimento fora da própria relaçom de compulsom. O ritmo de máquina do “ganhar dinheiro” continua como impulso interiorizado e abstrato em todos os âmbitos da vida. A assim chamada recreaçom consome tanto a vida quanto o “trabalho”.