Por Jorge Paços /

Pouca gente sabe que o primeiro maratoniano morto em plena competiçom foi Francisco Lázaro, um carpinteiro português que defendeu a sua bandeira até expirar na agonia. Aconteceu nas Olimpíadas de Suécia em 1912, e o seu gesto -heróico para alguns, absurdo para outros- alimenta um debate plenamente actual. Até que ponto tenhem sentido as entregas desportivas, a colecçom de registos e a concorrência ? Umha controvérsia com mais transfundo político do que comumente se pensa.

Para Pierre de Coubertin, fundador do olimpismo moderno, “nom existe o desporto sem excessos”. Nos alvores da moderna competiçom, os e as participantes aplicavam fielmente tal espírito. Embora com marcas mui inferiores às actuais, como consequência do nível rudimentário dos treinos e a nutriçom, os atletas amossavam um nível de entrega apavorante ; décadas depois, passárom à mitologia popular os triunfos de Abele Bikila a correr descalço sobre os adoquins de Roma os treinos inumanos de Emil Zatopek.

Francisco Lázaro, de nome real Francisco da Silva (1888-1912) foi dos primeiros expoentes desta escola. Lisboeta benfiquense de 22 anos, aprendiz de carpinteiro logo ascendido a oficial de primeira, trabalhava na factoria Ferreira e Viegas, no Bairro Alto. Na altura, a maior parte das viaturas ainda estavam feitas de madeira, e o desporto era umha actividade amadora desenvolvida por obreiros ou moços abastados da classe média ; o profissionalismo desportivo considerava-se ainda um desonor.

Lázaro ganhou fama em corridas locais, e isto possibilitou-no ser um dos representantes da primeira Missom Olímpica Portuguesa, debutante em Estocolmo. Chegara a tal posiçom polas suas grandes capacidades físicas, pois Lázaro, como todos os fundistas da altura, nom tinha treinador. Corria, provocando o abraio da vizinhança, polo meio de Lisboa, desafiando os poucos transportes públicos e eléctricos ‘americanos’ que transitavam as suas ruas. Militava no Velo Club de Lisboa e recebia o assessoramento de D. José de Mascarenhas, o Marquês de Fronteira, que o educou nos princípios do ‘higienismo’ dominante na época.

Entrega e drama.

No Domingo 14 de Julho de 1912 amanheceu caloroso em Estocolmo. O termómetro marcava até 32º, umha temperatura inusual nos países nórdicos. Quase setenta atletas, representando 19 naçons, tomárom a saída. Só 34 alcançárom a meta.

Antes de sair, Francisco Lázaro dixera à sua mulher grávida: “ou venço ou morro”. Cumpriu as suas palavras, pois no kilómetro 30, depois de ir mui perto da cabeça da corrida e começar a cambalear, caiu inanimado. Acasos ou nom, o trofeu desta ediçom representava o soldado Filípides, que caira também morto ao termo da primeira maratona da história.

Excesso e “doping”

A posteriori, soubo-se que Lázaro tinha besuntado todo o seu corpo com graxa antes da prova, método que se pensava eficaz para eliminar a dor muscular e prever as caibras. Na realidade, isto dificultava o corpo transpirar, e tivo muito a ver com o passamento do atleta.

O besuntamento pode-se considerar umha forma rudimentária de doping em tempos de escassos conhecimentos de ciência desportiva. E, dum ponto de vista mais filosófico, trata-se de mais umha tentativa artificial para sobardar os limites da nossa natureza.

Certa crítica esquerdista ao desporto deslegitima-o polo seu vencelho com os valores concorrenciais, belicistas e masoquistas ; umha outra corrente, nascida do socialismo real, exaltou-no e potenciou-no, como mostra do ‘homem novo’ que sairia da forja do esforço, a auto-superaçom e o esmero. O caso de Francisco Lázaro pode ser analisado das duas ópticas. O carpinteiro português, assim, foi visto como umha vítima por uns, ou como um herói por outros. O seu nome é lembrado em Lisboa em placa de homenagem.