Por Marcos Abalde Covelo /
Gritavam: “Temos fame! Abaixo os acaparadores!”. Naquele março de 1918 Fene emerge como um farol da dignidade humana. A paragem do comboio de Baralhobre só levava cinco anos inaugurada e as classes populares já desenvolveram a coragem precisa para pararem aquelas máquinas de ferro.
12 de março. Da outra banda da ria chegam notícias terríveis: Na manifestaçom do dia anterior, os disparos da guarda municipal acabárom com a vida de dous rapazes, um de 17 anos e outro de 12. Os caciques e os seus lacaios faziam negócio com a fame do povo. Fartas de tanta injustiça, as mulheres tomam elas próprias o poder. Vam até a casa do alcalde de Fene, Agustin Abelleira Balado, e apedrejam-lha. Depois sacam-no à força e obrigam-no a ir ao Concelho para que assine umha solicitude dirigida ao governador civil onde exigem que baixe o preço dos alimentos.
Esse mesmo dia grupos de camponesas vam até a estaçom de Baralhobre, mas nom dam assaltado o comboio. Destroçam portas e janelas do edifício da estaçom. Entram no armazém e derramam o conteúdo de dezanove bocois de vinho. É magnífica a imagem daquelas indomáveis a beberem o vinho nas socas como lembra umha testemunha. Segundo o investigador Henrique Sanfiz, a vizinhança conhecia estes sucessos como a “guerra das mulheres”. O nome da dirigente “honrada mas decidida” ficou gravado na memória: Aurélia Pedreira.
13 março. Esse mesmo dia será a matança de Sedes. Na comarca, a revolta atinge o seu ponto culminante. Às 9.05 da manhá quinhentas mulheres deitam-se nos caminhos de ferro e obrigam o comboio a deter-se. Para além disto, as amotinadas deitam grandes traves e pedras. Enquanto os trabalhadores dos caminhos-de-ferro tentam abrir passo, centos de mulheres assaltam o comboio. Clamam: “Pobre do que se mova”. Socializam vinte e três sacos de farinha e várias caixas de embutidos. Ninguém consegue contê-las nem resgatar o expropriado.
Empregarám a mesma técnica os dias 14 e 15 de março. Baralhobre converte-se num dos epicentros deste terremoto que estremeceu a Galiza. Aliás, tivo as suas replicas nas seguintes paragens de Perlio e Neda. Quatro dias com as fenesas mobilizadas avondárom para provocar a demissom do alcalde.
A partir do dia 16 reforços da Guarda Civil controlam estaçons e estradas e impedem mais assaltos. O 17 de março umha comissom parte para Corunha para negociar com o governador. Portam umha solicitude com as suas reivindicaçons com as assinaturas do alcalde, pároco, juiz municipal, médicos, farmacéuticos e industriais. Serám acompanhadas por Antom Valcarcel, membro da Irmandade da Fala da Corunha.
Nom só eram movidas pola fame, também nutria aquela revolta um substrato organizativo anterior. Em 1909 nas eleiçons municipais o agrarismo solidário derrota os partidos turnistas em boa parte dos concelhos da comarca. Atinge a maior parte dos vereadores em Serantes, Narom, Neda, Sam Sadurninho, Moeche, Fene, A Capela, Monfero e Vilarmaior. No entruido, a populaçom canta coplas como a seguinte: “E se isto nom é bastante/ devemos todos luitar,/ combater o caciquismo./ Viva a Solidaridá!”
Em 1910 fundam a Federaçom Agrícola Ferrol-Pontedeume e proponhem Rodrigo Sanz como deputado às Cortes. Infelizmente o advogado ferrolám e presidente das Asembleias Agrárias de Monforte nom sai eleito. No entanto, converteu-se num fito, pois será o de Pontedeume o único distrito de toda a Galiza que conte com um candidato agrarista. Onde antes dominava o caciquismo, por primeira vez há pugna eleitoral. Na Federaçom unem-se doze entidades. A sua sede no local da Sociedade Agrária “A Necessária” de Fene.
Nas eleiçons às Cortes de fevereiro de 1918, as Irmandades apresentam quatro candidatos: Porteiro Garea por Celanova, Lousada Diegues pola Estrada, Vazquez Henriques por Noia e Rodrigo Sanz por Pontedeume. Este veterano luitador agrarista era considerado o irmandinho de maior projeçom política e o distrito do Eume contava com umha base camponesa consciencializada e organizada que resistira a desfeita de Solidariedade Galega. Nos meetings, Rodrigo Sanz junta milhares de pessoas e os oradores falam galego.
Em 1919 a Federaçom Agrícola Ferrol-Pontedeume adere-se à 2ª Assembleia Nacionalista. Ao longo desta década desenvolveu umha intensa e variada atividade na qual atingiu um especial protagonismo o também irmandinho Jenaro Moreda Martinez, presidente da Federaçom, farmacêutico, vereador, diretor de diferentes publicaçons (Fene Solidario, Cultura Campesina…) e secretario da Sociedade de Instruçom “Naturais de Fene na Habana” que cria as escolas laicas e gratuitas “Concepción Arenal” de Fene e “Curros Enriquez” de Maninhos.
Com uns antecedentes tam combativos, nom surpreende que em março de 1918 as mulheres passaram à ofensiva.