Por P. Fernandes Pastoriça e J. Paços /
A hegemonia da visom historiográfica espanhola leva-nos a imaginar umha Galiza medieval em enfrentamento permanente com as tropas mussulmanas ; na realidade, esses choques fôrom muito espaciados no tempo e livrárom-se maiormente fora do nosso território. O grande desafio bélico da Idade Média plena na nossa Terra fôrom os ataques viquingues, normandos ou ‘lordomanos’, que mudárom profundamente a nossa geografia urbana e obrigárom ao reforçamento do Reino.
A história militar de nosso nom decorre só polos caminhos mesetários, senom também polas rotas atlánticas, as mesmas que situaram a Galiza como centro das comunicaçons marítimas desde a pré-história. Do norte chegaram em sucessivas razzias, desde o século IX, as ‘gens crudelissimas’, que as crónicas apresentam como ‘mais ferozes que os mussulmanos’, e que mantivérom em alerta todo o occidente europeu.
Os baleiros.
Que sabemos deles ? Muito menos do que gostaríamos. Para começar, cumpre distinguirmos o tópico que deforma os ‘viquingues’ como um tipo étnico. ‘Fazer o viquingue’ era umha actividade de saqueio estacional de parte das populaçons do norte da Europa, cristianizadas de maneira muito seródia e vistas com horror polos povos do sul monoteísta (os mussulmanos, que também padecêrom os seus ataques, chamavam-lhes ‘madju’, ‘os pagaos’). Nom temos a certeza do lugar de origem dos atacantes do nosso território, mas si sabemos que as costas galegas padecêrom ofensivas de dinamarqueses ou noruegos, populaçons escandinavas assentes na Irlanda, ou de normandos instalados na regiom francesa hoje chamada Normandia.
Cumpre-nos enorme cautela na reconstruçom histórica. A ofensiva vikinga só foi narrada polas crónicas cristás (da Albeldense à Silense, passando pola Iriense ou pola “História Compostelana”) ; os poucos auto-retratos dos povos nórdicos som os das sagas, mais literários do que historiográficos. Quanto aos árabes, vincárom numha visom tam unilateral e condenatória como os próprios galegos.
Ao contrário do acontecido em território inglês, irlandês ou francês, os normandos nunca pactuárom na nossa terra com poderes autóctones (agás acordos pontuais muito focalizados no tempo e no labor a desenvolver), e tampouco nom procurárom aguilhoar as contradiçons entre reinos peninsulares para tirarem benefício ; segundo a historiografia dominante, isto deveu-se ao ‘pouco interesse que tinham no nosso país’ dum ponto de vista geopolítico. Para González López, historiador corunhês sensível ao galeguismo, o certo é que o nosso povo nunca lhe deu oportunidade para tal : limitou-se a combatê-los sem quartel até fazê-los fugir.
Três vagas e três respostas.
Embora se discute o ano exacto, há certo consenso em assinalar que a primeira vez que os normandos pisam terra galega foi no verao de 844. Daquela, fortes trovoadas empurraram as suas naves de França ao Cantábrico. A Crónica Rotense conta como Ramiro I os combate ‘ao pé do faro de Brigantium’, e afirma que os galegos queimaram até 70 naves. A pegada da batalha foi perdurável, e antes mesmo de nascer a historiografia moderna, esta era recriada : assim nos ‘”Anales del Reyno de Galicia” de Xavier Manuel de la Huerta y Vega (1736), conta-se com orgulho a façanha dos resistentes.
Porém, os normandos eram um inimigo formidável. Sabe-se que com as suas naves remontárom o Ulha e, destruindo fortalezas como a de Merlám, alcançárom o centro do país. Alô topárom-se precisamente com as forças de Ramiro I ; da derrota dos viquingues ficou o topónimo homenagem de ‘Campo Ramiro’, actual paróquia de Chantada
Sabemos que poucos anos mais tarde, em 850 ou 859, outro contingente de homens do norte alcança a Galiza ; nesta ocasiom eram dinamarqueses e irlandeses dirigidos polos temidos Hastings e Bjorn ‘Costela de Ferro’. Escolhem com inteligência a Ria de Arousa, com mares mais calmos, longas praias para o desembarque, e pequenas ilhas como bases de retaguarda. Desta razzia data a conhecida destruçom de Íria Flávia, que tam tremendas consequências havia de ter para a nossa história institucional. Foi entom quando o rei Ordonho solicitou ao papa Nicolás I o translado do pessoal catedralício de Íria a Compostela, núcleo que a monarquia blindaria com todos os avanços militares da época. Apesar de ser atacada, a nossa capital história resistiria o embate, e doravante será centro arcebispal.
A ameaça do norte nom atingia apenas a costa nem localidades cercanas. Na terceira jeira da ofensiva vikinga, em 968, a aristocracia lucense solicita ao rei da Galiza a construçom de ‘casas fortes’ em Lugo para se proteger dos normandos.
Na altura, os atacantes conhecem a fama apostólica de Compostela e devecem polas suas riquezas. Na cidade, o arcebispo Sisnando afortala os sistemas de defesa, e ainda expande o círculo defensivo às fortalezas da Lançada e Cadafeita. As informaçons som muitas, e contodo muito confusas. A tradiçom popular fala-nos do ‘Milagre de Sam Gonçalo’, no que um religioso do mesmo nome consegue, com intecessom divina, afundir dúzias de naves normandas baixo a oleagem (a estória conservava-se em forma de fresco na igreja de Sam Martinho de Mondonhedo). E porém, as novas nom eram demasiado boas para os galegos. O arcebispo Sisnando, dos que a “História Compostelana” descreve como ‘de báculo e besta’, cai na batalha de Fornelos frente o rei nórdico Gunderedo. A Galiza chegou a estar três anos baixo domínio normando, e isto explica a chegada dos saqueadores a Pedrafita de Cebreiro. Apenas a reorganizaçom galaica permite a posterior expulsom dos nortenhos, consumada numha batalha perto de Ferrol.
O século XI marca o clímax e posterior devalar da ameaça normanda ; mais focados no saqueio do sul, os atacantes destruem por completo a vila de Tui, teoricamente bem defendida por um sistema de alertas apoiado em sinais de fogo. Segundo nos conta a “Knytlinga Saga“, Ulf O Galego caiu derrotado por Crescónio, mais um na linha de arcebispos guerreiros dominantes no medievo galego.
A instalaçom dos normandos em Inglaterra a partir de 1066 marca um ponto e aparte na história vikinga, pois a agressividade com as terras do sul esmorece. Desde entom, as crónicas falam-nos de visitas pontuais, nom sempre hostis e nom sempre com finalidade militar. A Galiza, o ‘Jacobsland’ dos nórdicos, era passagem obrigada nas pelegrinaçons por mar cara Jerusalém, e os nossos portos tenhem acolhido naves de vikingos já cristianizados. Em 1189, há notícia de 60 barcos a recalarem na Galiza, desta volta para visitarem Compostela.
Consequências perduráveis.
A constante ameaça normanda obrigou a monarquia galega, de braços dados com o poder eclesiástico, a umha verdadeira coordinaçom político-militar para afortalar as cidades, mudar as sedes episcopais quando estas eram arrasadas, e ter a disposiçom um bom contingente guerreiro. A madurez do Reino da Galiza e o papel central de Compostela, blindada como nenhuma outra urbe do país, tivo muito que ver com a existência desde inimigo que intermitentemente aparecia no horizonte atlántico.
Tampouco devéssemos desprezar as heranças culturais que se puidérom originar a partir do século XI, quando os vikingos abandonam a violência contra o sul, e visitam o nosso país como centro de pelegrinagem ou escala cara Oriente Médio. Na realidade, os homens do norte davam continuidade a umha via de comunicaçom milenária que situou a Galiza na cabeça da Europa atlántica.