Por Marcos Abalde Covelo /

De joelhos contra a parede durante duas horas. Assim castigavam o historiador Xosé Estévez por utilizar o galego. “Aldeano, que es usted un aldeano”. O artista Siro López explica como estas humilhaçons eram constantes simplesmente por se lhes escapar algumha palavra no nosso idioma. Malhar nos dedos até fazê-los sangrar era o método empregado na escola da poeta Luz Fandinho para que deixassem de “hablar mal”. Vivências partilhadas por todo o país e com profundas consequências psicológicas.

Na América Latina também padecérom a barbárie das ditaduras. Ali a sobrevivência do trauma nas vítimas de terrorismo de Estado foi muito mais investigada (Kersner, Madariaga, Edelman, etc). Segundo estes estudos, as suas sequelas afetam várias geraçons: isolamento, inibiçom social, agressividade, auto-censura, insónia e outras doenças severas. Favorecido pola impunidade, é comum a irrupçom do trauma passados vinte anos. Fenómeno que deita umha nova luz sobre a rutura da transmissom familiar da língua.

O golpe de Estado fascista profundou umha experiência escolar devastadora para o psiquismo infantil. O movimento de renovaçom pedagógica que a Segunda República impulsara foi extirpado a base de depuraçons e assassinatos. Para conseguir a adesom ao novo regime, de repente implantou-se unha violência extrema e planificada que invadiu todos os âmbitos, incluído o da vida quotidiana. Com umha populaçom em shock, a escola tornou-se num centro de maus-tratos infantis e de exaltaçom do supremacismo castelhano. Esta catástrofe social pode dividir-se em três fases:

Na primeira fase (1936), as agressons físicas e psicológicas reforçam as pautas diglóssicas, mas nom conseguem mudar os hábitos linguísticos. Entre outros motivos porque a maior parte do alunado só frequentou esta instituiçom dos seis aos doze anos. Porém, o desgarro do mundo interior foi tam fundo que atingiu o inconsciente e vai-se manifestar décadas depois na intimidade.

Na segunda fase (1956), o “desarrollismo” procura a total escolarizaçom e aprova a construçom de 25.000 novos centros de ensino. Com umha atmosfera de terror consolidada, propaga-se de jeito maciço o colapso do galego dentro da casa. As maes e pais socializados na fase anterior nom transmitem a língua, transmitem o trauma. Com a nova geraçom reactiva-se a vivência de desamparo que infringe unha cisom na própria subjetividade. Como mecanismo de defesa perante um passado de maus-tratos, as pessoas adultas ocultam e excluem a sua descendência da comunidade linguística.

Na terceira fase (1976), o fortalecimento das organizaçons nacionalistas forja umha tímida esperança no meio dumha autoestima coletiva desfeita. Na Galiza contemporânea, o sócio-linguista Fernando Ramalho quantifica em 70.000 as pessoas neofalantes. Milhares de homens e mulheres que nom aceitárom a privaçom linguística, rachárom com o medo e incorporárom-se ao galego de adultas. Eis o objetivo: viver sem complexos, falar com consciência. Contudo, esta nova fase de reparaçom comunitária ainda nom contra-arresta as duas anteriores que sustenhem o processo etnocida.

Nom banalizemos o franquismo. O extermínio e repressom que as classes populares padecérom é dumha dimensom difícil de conceber. Muitas das suas inércias continuam ativas. Para interrompermos o seu impacto, cumpre restaurar esta memoria ferida, isto é, enfrentar-se ao trauma, verbalizá-lo, socializá-lo. De aí a relevância do documentário A memória da lingua ou de iniciativas como a Semente. Há umha parte pequena mas significativa da sociedade que reparou o trauma e transformou o estigma em estima. O galego permite passar da barbárie à democracia. Eis a sua funçom reparadora.

*Publicado em Novas da Galiza.