Por Jacques R. Pauwels (traduçom do galizalivre) /
Para ganhar a guerra planejada por Hitler, a Alemanha, um país muito industrializado mas sem colónias, e portanto pobre em matérias primas essenciais, devia de ganhar aginha; mesmo antes de ficar sem as suas reservas de petróleo. Tais reservas, muitas das quais importadas dos Estados Unidos, foram artelhadas durante os anos prévios à deflagraçom, e nom iriam poder ser adequadamente fornecidas nem por combustível local (a partir do carvom), nem por petróleo procedente de países amigos ou neutrais (caso da Roménia, ou da URSS posterior ao Pacto de Amizade Germano-Soviético).
É neste cenário que os nazis desenvolveram a estratégia da « guerra lôstrego », consistente em ataques sincronizados com grande número de tanques, avions e camions carregados de infantaria. Tratava-se de furar as linhas defensivas do inimigo, por trás das quais se achava o cerne suas das forças; estas achavam-se lá comodamente instaladas, segundo o modelo da I Guerra Mundial, e de serem alcançadas apenas teriam duas opçons: aniquilaçom ou capitulaçom. De 1939 A 1940, a estratégia funcionou perfeitamente : O Blitzkrieg produziu a Blitzsieg; isto é, da « guerra lôstrego », à « vitória lôstrego » contra a Polónia, a Holanda, a Bélgica e -de jeito espectacular- também contra a França. Quando, na Primavera de 1941, a Alemanha nazi argalhou o ataque contra a URSS, todo o mundo -e nom só Hitler e os seus generais, mas também os comandantes do exército de Londres e Washington- aguardavam um cenário semelhante a ser desenvolvido : o Exército Vermelho iria ser esnaquiçado pola Wehrmatch, no máximo, numha campanha de dous meses. Na véspera do ataque, Hitler sentiu-se enormemente confiado : ao que parece, imaginava-se a ele mesmo « a piques de conquerir o grande triunfo da sua vida ». Do Ostkrieg, a sua guerra lôstrego no leste, Hitler e os seus generais esperavam bem mais que as suas prévias campanhas lôstrego. As suas reservas de combustível e caucho reduziram-se trás serem absorvidas polos motores de explosom e a extensom dos Panzer, que sementaram morte e desfeita na Polónia e na Europa Occidental; na Primavera de 1941, as reservas restantes de combustível e recámbios, nom davam para alimentar a guerra motorizada mais de dous meses. A escasseza nom poderia ser compensada por importaçons dos ainda neutrais Estados Unidos, que continuavam a chegar, maiormente através de Espanha. Aliás, em contrapartida polos limitados recursos de petróleo da Rússia soviética, a Alemanha tivera que enviar produtos de alta qualidade industrial e tecnologia militar ponta, utilizada polos soviéticos para afortalarem as suas defesas em preparaçom para o ataque alemao (ataque que eles aguardavam para mais cedo do que tarde).
O dilema resolveu-se atacando a URSS, e atacando-a o mais aginha possível, mesmo antes da testuda Grande Bretanha ser vencida: a vitória lôstrego que tam confiadamente se esperava no Leste iria dar aos alemáns os ricos campos de petróleo caucásicos, onde os vorazes Panzers e Stukas poderiam, no futuro, encher os seus depósitos até rebordarem. A Alemanha viraria entom um verdadeiramente invencível über-Reich, capaz de ganhar mesmo guerras longas e afastadas contra qualquer antagonista. Eis o plano, com o nome em código « Barbarroxa », e a sua aplicaçom pujo-se em andamento no 22 de Junho de 1941; mas as cousas nom corrêrom como os seus desenhadores berlineses tinham gizado.
Se bem o Exército Vermelho recebeu umha terrível malheira ao primeiro, nom massificara as suas forças na fronteira; antes disso, apostara na defesa em profundidade. Retirando-se numha orde relativamente aceitável, arranjou-se para evitar a desfeita total numha ou em várias das gigantescas batalhas em círculo que Hitler e os seus generais sonharam. Os alemáns avançaram, mas cada vez mais devagar, e ao preço de inúmeras baixas. Nos finais de Setembro, eles estavam em ningures: perto de Moscova, mas ainda muito longe das areladas reservas do Cáucaso, o seu verdadeiro objecto de desejo. Nom demorou em aparecer o bulheiro, pois a neve e a friagem dum Inverno temperao iam criar novas dificuldades para tropas que endejamais enxergaram luitar em condiçons tam esgrévias. No entanto, o Exército Vermelho recuperara-se das feridas que lhe foram impingidas, e no 5 de Dezembro de 1941 lançou umha arrasadeira frente a Moscova. As forças nazis tivérom que recuar e adoptar posiçons defensivas onde puideram sobreviver o Inverno, assim que o ataque soviético se esgotara. No serao daquele malfadado 5 de Dezembro, os generais do alto mando da Wehrmatch comunicárom a Hitler que, levando em conta a falência da estratégia da guerra lôstrego, a Alemanha nom tinha esperança nenhuma de ganhar a guerra.
A batalha de Moscova apregoou o fracasso da estratégia do lôstrego contra a URSS; umha vitória rápida havia de fazer da derrota alemá na Grande Guerra um impossível; é provavelmente exacto dizermos que, se a Alemanha nazi derrotara a URSS em 1941, a Alemanha ainda seria hoje a dominante na Europa, e quiçá no Oriente Médio e no norte da África. Porém, frente a Moscova, em Dezembro de 1941, a Alemanha nazi sofreu a derrota que fijo dumha vitória total do nazismo numha realidade impossível.
Cumpriria recordarmos que nessa altura -uns poucos dias antes de Pearl Harbor- os Estados Unidos nom estavam ainda envolvidos na guerra contra a Alemanha. De feito, os Estados Unidos chegárom a implicar-se na guerra apenas pola batalha de Moscova. Quando, uns poucos dias depois de receber as más novas de Rússia, Hitler tivo notícia do ataque japonês sobre Pearl Harbor no 7 de Dezembro de 1941, e a subsequente declaraçom de guerra dos Estados Unidos contra o Japom, ele mesmo declarou a guerra a Norteamérica no 11 de Dezembro. A sua aliança com o Japom nom requeria tal cousa, e alguns historiadores sostenhem este ponto de vista, desde que a terra do sol nascente nom era o objecto, mas o sujeito dumha agressom. Mas com este espectacular gesto de solidariedade com os seus colegas japoneses, ele esperava conduzi-los para declarar a guerra ao seu inimigo mortal, a URSS. Neste caso, o Exército Vermelho deveria ter que luitar em duas frentes, e iso iria reviver as oportunidades alemás de vencer no Leste. Mas o Japom nom mordeu o cebo, e deste modo a Alemanha viu-se na obriga de enfrentar um outro inimigo formidável (embora as tropas americanas demorassem um bom tempo em comprometer-se a combater os nazis).
A batalha de Moscova foi sem dúvida o ponto de inflexom da Segunda Grande Guerra, mas um ponto de inflexom que Hitler e os seus generais só a custo alviscaram. Desde entom, a Alemanha estava abocada a perder a guerra, embora fora no longo prazo. A opiniom pública ainda nom era ciente disto, nem na Alemanha, nem nos países ocupados, e tampouco na Grande Bretanha ou nos Estados Unidos. Semelhava que a Wehrmatch sofrera um contratempo momentáneo, alegadamente -dacordo com a propaganda nazi- pola chegada temperá do Inverno; mas estava ainda acobilhada nas fonduras do território soviético, e era esperável que retomasse a sua ofensiva em 1942, como de feito aconteceu. Além do próprio Hitler, dos seus associados militares mais próximos e dos seus políticos, existiam de facto outros observadores bem informados que eram cientes, afinal de 1941, e mesmo antes nalguns casos, que a Alemanha estava condenada à derrota, se bem por razons várias nom espalhárom a informaçom. Entre eles estavam um fato de generais colaboracionistas de Vichy, os serviços segredos suíços, e também o Vaticano.
Na Primavera de 1942, Hitler reuniu os anacos ciscados das suas forças ainda disponíveis para umha ofensiva ; o nome em chave, « Operaçom Azul ».(Unternehmen Blau). Dirigiriam-se aos campos petroleiros do Cáucaso. Ele tinha-se convencido que ainda restava umha oportunidade para a guerra ser ganhada pola Alemanha; mas sempre no caso de conseguir o petróleo de Maikop e Grozny. Perdera-se o elemento surpresa, porém, e os soviéticos dispunham ainda de massas enormes de homens, petróleo e outros recursos. A Wehrmacht, por outra banda, nom poderia compensar as enormes perdas que sofrera e 1941, na sua cruzada contra a URSS: 6000 avions e mais de 3200 tanques e veículos semelhantes; aliás, mais de 900000 homens foram mortos, feridos, ou desaparecidos e combate; no total eles eram quase um terço das forças armadas alemás. As forças susceptíveis de avançarem polos campos do Cáucaso eram portanto extremadamente limitadas. Baixo estas circunstáncias, é salientável que em 1942 os alemáns foram tam longe como puideram. Mas a sua ofensiva, inevitavelmente, esmaciava-se, em Setembro daquele ano: as suas fracas linhas de defesa esticavam-se demais muitos milheiros de kilómetros, e viravam assim um alvo perfeito para o contra-ataque soviético. Eis o contexto no que um exército alemao ao completo foi taponado, e finalmente esmigalhado, em Estalinegrado; tratou-se dumha batalha de titáns que começou no Outono de 1942 e rematou a inícios de Fevereiro de 1943, justo há 75 anos. Após esta vitória sensacional do Exército Vermelho, a inelutabilidade da derrota alemá na Segunda Grande Guerra era evidente para qualquer que tivesse olhos; e este feito -combinado com o número sem precedente de baixas de ambos os bandos- é que o que levou tantos historiadores a vincarem esta batalha como parte-águas da guerra.
Em qualquer ámbito que esculcarmos, o impacto da batalha de Estalinegrado foi enorme. Na Alemanha, a opiniom pública deveu dolorosamente ciente de o seu país estar a dirigir-se cara umha derrota ignominiosa, e moreias de pessoas que torceram polo nazismo, agora voltavam-se contra ele. Muitos, se nom os mais dos dirigentes civis e militares envolvidos na tentativa de executar Hitler numha acçom clandestina, idolatrados como heróis e mártires da resistência, tais como Stauffenberg e Goerdeler, quiçá eram indivíduos afoutos, mas eles apoiaram Hitler com entusiasmo quando ele triunfava, isto é, denantes de Estalinegrado. Se, depois de Estalinegrado, eles queriam livrar-se de Hitler, era por temerem que o ditador os arrastasse com ele à ruína. A consciência do significado da derrota alemá nas ribeiras do Volga derrotou de maneira equivalente os aliados da Alemanha, levando-os a procurarem vias para abandonarem a guerra. Na França, e também em outros países ocupados, líderes do colaboracionismo iam-se arredando discretamente dos alemáns. À inversa, as novas de Estalinegrado alentárom a moral dos inimigos do nazismo em toda parte. Depois de longos anos de tebras, quando a Alemanha nazi parecia dominar toda a Europa para sempre, os combatentes da resistência na França e fora dela alviscavam a proverbial luz no fim do túnel; muitos pegárom nas armas, muitos que estiveram no letargo antes de eles receberem a feliz exclusiva de Estalinegrado. Na França, em particular, o nome de Estalinegrado chegou a ser um berro de guerra da resistência.
Depois da vitória do Exército Vermelho em Estalinegrado, portanto, a Alemanha nazi e os seus aliados houvérom de confrontar-se com a inevitabilidade da derrota, enquanto a França e todos os outros países ocupados puidérom enxergar a sua libertaçom. Mas a perspectiva dumha Alemanha derrotada, e dumha França e Europa libertadas polo Exército Vermelho acendêrom todos os alarmes no poder de Londres e Washington. Os líderes norteamericanos e británicos sentiriam-se felizes de ficar a um lado enquanto nazis e soviéticos se encirravam num combate mortal na frente do leste. Com o Exército Vermelho fornecendo a carne para canhom precisa para vencer a Alemanha, os aliados occidentais minimizárom as suas perdas e poupárom energias para poderem intervir decisivamente no momento certo. Para daquela, os nazis e os pouco queridos aliados da URSS iriam estar exauridos. Com a Grande Bretanha ao seu carom, os EUA seriam quem de jogar o papel de guieiro no campo da vitória, a ditarem os termos da paz para soviéticos e alemaos. É por esta razom que, em 1942, Washington e Londres refugárom a abertura dumha segunda frente destinando tropas na França; pola contra, eles optárom pola estratégia do sul, enviando um exército à África do Norte que ocuparia as colónias francesas em Novembro desse mesmo ano. (Alguns dos devanditos generais de Vichy estavam lá na altura, e aproveitárom a ocasiom para desertarem do regime petainista, que viam condenado, e para seguirem as forças da França Livre de De Gaulle).
Dado o desenvolvimento da batalha de Estalinegrado, a situaçom mudou de vez. Dumha perspectiva puramente militar, Estalinegrado foi obviamente umha dádiva para os aliados occidentais, pois a sua derrota enfraquecera a maquinária militar nazi. Porém, Roosevelt e Churchill estavam bem longe da satisfaçom com a vagarosa mas implacável marcha cara Berlim, e possivelmente mais alô; na altura, a URSS e o seu sistema social e económico gozavam e enorme popularidade entre os patriotas dos países ocupados. Pola contra, os anglosaxons eram impopulares em países como França, em boa parte pola sua cativa contribuiçom para a luita contra o nazismo, e também polas muitas vítimas civis causadas polos bombardeamentos aéreos na Europa ocupada. Tampouco nom ajudava muito que Washington mantivera relaçons diplomáticas com o regime de Petain, cujos militares « reciclava » na África do Norte.
Foi por isso todo que virou imperativo para a estratégia anglo-americana « estabelecer tropas na França, libertar a Europa Occidental, e dirigir-se à Alemanha para manter a maior parte desse território longe das maos soviéticas », tal como escrevêrom os historiadores Peter N. Carroll e David W. Noble. Desde que demorou muito em se argalhar um plano tam complexo, as cousas tivérom que aguardar à Primavera de 1944.
Os desembarques da Normandia em Junho de 1944 nom constituírom o ponto de inflexom da Segunda Grande Guerra; a Alemanha recebera já golpes decisivos nas batalhas de Moscova e Estalinegrado, e ainda no Verao de 1943 na batalha de Kursk. E enquanto os desembarques visavam oficialmente a libertaçom da Europa, a sua funçom latente -nom enunciada mais real- foi evitar um total protagonismo soviético na libertaçom do continente, incluindo o Occidente; esta perspectiva já se apontara quando a vitória do Exército Vermelho nas ribeiras do Volga. Libertar a França -ou ocupá-la, como os alemáns fixeram, ou como o general de Gaulle escreveu numha ocasiom trás Normandia- também supunha gorar um papel protagonista dos líderes resistentes na reconstruçom, pois muitos deles eram de simpatias soviéticas. Temia-se, sem irmos mais longe, que os patriotas aplicassem as medidas sociais e económicas radicais propostas nos estatutos da resistência francesa, incluindo a nacionalizaçom de corporaçons e bancos que foram colaboracionistas. (…) Para se evitar tal cenário, que batia com os seus próprios planos para dar espaço a um capitalismo desbocado na Europa, os norteamericanos tivérom que confiar no popular mas conservador Charles de Gaulle.
Na realidade, eles detestavam-no, mas finalmente arranjárom para empoleirá-lo no poder, orquestrando a muito publicitada entrada nos Campos Elísios quando a libertaçom de Paris. De Gaulle iria mostrar-se um homem difícil na hora de acadar acordos, pois ele permitiria a algum dos elementos radicais da resistência fazer achegas ao governo. Mas sem ele, reformas de muito maior alcanço iriam ser aplicadas, e entom seria improvável que os EUA integrassem a França na aliança anti-comunista dos anos da Guerra Fria.
Desse breve momento da história francesa ficou um lembrete; quando muitos -se nom os mais- dos cidadaos do país eram ainda conscientes de a libertaçom ser devida sobretodo aos esforços e sacrifícios da URSS, amossava-se um enorme carinho com a Rússia e os povos soviéticos, em agudo contraste com a actualidade. Daí que umha das praças mais grandes da cidade seja nomeada, desde Julho de 1945, Praça da Batalha de Estalingrado.
*Publicado em GlobalResearch.