Por Ignacio Ramonet (traduçom do galizalivre) /
Embora as comparaçons nom sempre sejam pertinentes, permitem às vezes compreendermos melhor umha situaçom afastada da nossa própria experiência. Assim, por exemplo, o do Iraque. Como entender essa resistência tam encarniçada –e por vezes tam cruel– contra umhas forças estrangeiras portadoras, segundo o presidente Bush, de liberdade, democracia, progresso e prosperidade? Dentro de algum tempo começarám sem dúvida a publicar-se os testemunhos de militares ocidentais expressando a sua perplexidade e o seu desconcerto frente à brutalidade dos ataques perpetrados contra eles por aqueles mesmos que vinham salvar.
Penso nisto enquanto olho um livro recém descoberto numha livraria: o testemunho precisamente do capitám francês Nicolas Marcel (Campagnes en Espagne et au Portugal 1808-1814, éditions du Grenadier, Paris, 2001), quem, às ordens do marechal Soult, participou na feroz repressom da insurreiçom galega. Os levantamentos populares na Galiza tinham começado no verão de 1808 e já em Janeiro de 1809 Galiza se convertera no assentamento da primeira insurreiçom guerrilheira generalizada de Espanha. De Fevereiro a Junho de 1809, quase 56.000 camponeses galegos combatêrom numha clássica campanha guerrilheira contra um exercito francês de 40.000 soldados às ordens do marechal Soult e umha força adicional de 18.000 homens baixo o mando do marechal Ney. E acabarom por vencê-los apesar da incrível brutalidade da repressom, encenada por Goya nas imagens terríveis dos Desastres da guerra.
Conta por exemplo Marcel como, em Maio de 1809, tendo sido degolados polos insurgentes os membros dum esquadrom de húsares em Camarinhas, recebêrom a ordem de queimar essa povoaçom e de exterminar todos os seus habitantes. “Quando chegamos ante a vila, já nom pudemos duvidar da insurreiçom geral deste país; todos os habitantes, armados com fusis, gadanhas e fouces aguardavam-nos”. Mas a força superior dos militares napoleónicos impujo-se “Creio inútil descrever os horrores que cometemos nesse aziago dia. Executamos todos à baioneta, mulheres e crianças incluídas; nom houvo clemência. Apesar das lágrimas e das súplicas, homens e mulheres –e estas depois de terem padecido toda classe de ultrajes– fôrom imolados”. Mas essa mesma violência da repressom vai estimular ainda mais a resistência dos galegos. As emboscadas aos soldados atrasados e aos pequenos destacamentos isolados vam-se repetir. Conta Marcel: “De regresso a Santiago, demo-nos conta de que os ataques e os assassinatos se multiplicavam em toda a Galiza; todos os nossos homens que voltavam dos hospitais ou viajavam isolados eram massacrados”. Um dia recebem a ordem de se dirigirem “ao vale de Redondela e, ao primeiro disparo de qualquer camponês, de pô-lo todo a sangue e fogo”. “Sessenta aldeias queimamos nesse vale. Um dia, perto de Redondela, umha moça de entre 16 e 18 anos, bela como um anjo, tendo visto morrer o seu pai e a sua mãe, e rejeitando submeter-se aos desejos desenfreados dalguns soldados, preferiu atirar-se às chamas e perecer queimada viva, a cair entre as nossas mãos…”. As guerrilhas galegas fôrom tam efetivas –liquidando também aos traidores urbanos, nobres, clérigos e proprietários, colaboradores dos invasores– que se pudo recuperar Vigo em Março, Tui em Abril, Compostela em Maio, e A Corunha e Ferrol após a derrota de Ney na batalha de Ponte Sampaio a princípios de Junho. Quando, no verão de 1809, as forças napoleônicas abandonarom para sempre a Galiza, apenas conservavam a metade dos 58.000 homens que tinham invadido a nossa terra em Janeiro. A Galiza foi a primeira em demonstrar ao mundo que mediante umha estratégia de guerra de guerrilhas, de emboscada e retirada, de golpear e fugir, era possível derrotar um exército regular superpoderoso.
* O artigo foi publicado originariamente em La Voz de Galicia em Dezembro de 2003.