Por J. Paços e P. Fernandes Pastoriça /

Um dos capítulos mais cruentos da nossa história política aconteceu na Alta Idade Média, esse período nevoento onde o feudalismo nom se consolidara e o Reino da Galiza, nucleado por volta da lenda compostelana, ainda nom ganhara o seu brilho na Europa. Enfrentou dous sectores das elites « nacionais » em Monte Cubeiro, actual concelho de Castro Verde, entre 774 e 783. O lugar, hoje considerado periférico por umha mentalidade presentista e adoito desconsiderada com o rural, era umha artéria importantíssima do nosso território : antiga via romana que posteriormente se constituiu em parte do Caminho Primitivo.

Segundo narram as crónicas, foi o rei Afonso II o primeiro em pelegrinar a Compostela desde Uvieu (Ovetum) ; assentou assim o chamado Caminho Primitivo, que reactualizava a via romana que unia Lucus Augusti com Gigia (Xixom). Por esta calçada decorrerám alguns dos contactos mais importantes entre as elites da Gallaecia lucense e asturicense, e afirma-se que o lendário caudel Paio (o Don Pelayo exaltado pola historiografia espanhola liberal) se deslocou desde o interior da Galiza para o norleste cantábrico, aonde chegaram tropas árabes, para enfrentar as suas razzias. A mudança de algumhas elites autóctones para o leste supujo também a do bispo dos bretons, que levou canda si muitas igrejas do leste lucense, agora dependentes de Uvieu.

Num quadro de poder repartido, sempre conflituosamente, entre líderes militares, a eleiçom de Silo como monarca desata as contradiçons. A nobreza galaica do oeste nom tolerou este nomeamento, como também rejeitou o cobro de tributos que se impunha. A ofensiva do rei questionado, Silo, seria origem da batalha de Monte Cubeiro.

História militar.

Silo atravessou com os seus homens a comarca do Burom, onde nom topou resistência ; o primeiro choque documentado aconteceu no Cádavo, no lugar de Campo da Matança. O topónimo, tristemente ilustrativo, refere-se à carnificina. Também pode referir-se à guerra, segundo eruditos locais como Gómez Vilavella, o nome « Cádavo », que alude ao toxo que sobrevive depois dumha queima. Com certa provabilidade, Silo e os seus acurralariam os seus oponhentes valendo-se do lume. Tal foi a pegada da violência na memória colectiva, que o escudo de Baleira ainda reproduzia umha matança ate finais do século passado, quando se modernizou.

As tropas rebeldes retrocedêrom até a Vacariça, para se fazerem fortes na zona montanhosa de Monte Cubeiro. Mais umha vez, a memória popular registou o episódio em topónimos como « Fonte de Mata Homes » ou « Rego dos Ossos ».

Para o galeguista decimonónico López Ferreiro, castros castroverdenses como os de Marcide e Sarceada puidêrom servir como derradeiro refúgio dos rebeldes. É habitual na história da Galiza velhas fortificaçons ganharem um novo uso militar em épocas mais serôdias, como vimos que acontecia na mítica Caldaloba : a torre medieval erguia-se sobre um velho povoado galaico.

Debate historiográfico, debate nacional.

A Crónica Albeldense recolhe os feitos ; também o fai o Cronicom de Afonso III, reelaborado como « Crónica Rotense », que narra os feitos cem anos depois de terem acontecido ; descreve umha revolta generalizada, baseando-se provavelmente na memória oral que perviviu no século seguinte.

Afonso III é apresentado como um dos paladins do neo-goticismo, isto é, a lenda ideológica que pretende assentar a legitimidade da monarquia nortenha numha alegada continuidade do Reino Visigodo com capital em Toledo. Porém, quem ler o documento sem óculos ideológicos descobrirá frases como esta : Populus Gallaetiae contra se rebellantes in Monte Cuperio… Também descobrirá como o território cristao peninsular se denomina « Gallaecia », resistente face árabes procedentes de Hispánia.

Asturicismo, castelhanismo.

É certo também que a fundamentaçom do poder peninsular numha remota resistência asturiana, logo castelhana, nom é um invento do século XIX (ainda que este foi o tema principal da historiografia espanhola, direitista e esquerdista). Existem crónicas medievais que afundam nesta tese. Qual é a grande contradiçom ? Que tais documentos nom som escritos da época narrada, senom recriaçons deformadoras de séculos posteriores, onde elites desejosas de se situar num centro político enobrecem as suas origens. Há que aguardar ao século XII para o bispo Paio, de Uvieu, manipular todo um corpus documental favorável a umha suposta « monarquia asturiana », procurando a promoçom da sede episcopal recriando o acontecido quatro séculos antes.

É o mesmo procedimento que segue Ximénez de Rada, arcebispo que converte um paupérrimo condado periférico -Castela- em origem das monarquias cristás peninsulares, escurecendo as raízes galaicas de todo o norte. A tradiçom falsificadora espanhola, apoiada na manipulaçom de documentos e no ocultamento de todo o que se relacione com a Galiza, tem muito velhos precedentes.

Monte Cubeiro em perspectiva.

Nom há, portanto, tal « luita entre galegos e asturianos » nos Montes de Castro Verde, pois todos eles eram galaicos ; assistimos a umha contradiçom feroz entre elites autóctones por volta de quem seria o « primus inter pares » numha monarquia primária, com rudimentária engrenagem política, e associada por pragmatismo a umha ou outra capital episcopal. A futura consolidaçom de Compostela e do galego como emblema da cultura despexaria toda dúvida em séculos vindouros.