Por todoporhacer (traduçom do galizalivre) /

O capitalismo, e mais especialmente a crise financeira que estoupou há umha década, tem provocado umha autêntica comoçom nas personalidades, extendendo um processo de psicologizaçom da existência que medrou como umha plaga. Resgatamos entrevista com o psiquiatra Guillermo Rendueles realizada polo colectivo todoporhacer em 2013, onde se nos advirte contra a tentaçom de procurarmos saídas colectivas em terápias e pílulas.

Guillermo Rendueles Olmedo (Xixom, 1948), é psiquiatra e ensaísta, cuja obra se centra na crítica da psiquiatria ortodoxa, na teoria social e na política radical. Militou no Partido Comunista de Astúrias e participou do movimento antipsiquiátrico na década de 70. Professor universitário associado e autor de dúzias de livros, tem colaborado com causas como o anti-militarismo e tem participado de meios de comunicaçom alternativos.

« Psiquiatras e psicólogos oferecem o que nom podem dar : remédios técnicos para resolverem sofrimentos sem rachar os quadros da situaçom que produz essas dores »

Se me permite, deixe-me encetar a conversa com algumhas definiçons, com algumhas delimitaçons conceituais. Que tipo de doenças mentais trata a psiquiatria ?

Nalgumha ocasiom tenho manejado a metáfora da psiquiatria como carro-vassoura da medicina social, como prática de cuidados que apanha todos os malestares que nom colhem nas categorias científico-naturais da medicina ou dos recursos sociais. A medicina oferece trapaceiramente umha definiçom de saúde como « um estado de bem estar e realizaçom físico-psíquica » para toda a populaçom. Como é evidente o feito de vivermos numha sociedade inçada de sofrimento e mal estar que nom se dam arranjado por tratamentos médicos nem ajudas sociais, quando umha dor ou umha queixa nom tem um cerne anatómico clínico demonstrável, ou é impossível enquadrá-la nas patologias sociais, etiqueta-se como doença psiquiátrica e é tratada com ansiolíticos e anti-depressivos que com efeito acougam a dor. Todo isso para nom confessar a impotência do chamado Estado providência para oferecer umha vida boa. O cativo que nom se educa na escola remata no psiquiatra ; a ama de casa laiona de dores sem causa física remata no psiquiatra, qualificada como somatizadora, e receitam-lhe ansiolíticos. O comercial que nom dorme e abusa do álcol, ansiolíticos mais umha vez. Todo para nom pormos em causa a escola, o lar ou o comércio como focos de alienaçom e má vida que cumpre transformarmos ou destruirmos.

É por isso que a prática psiquiátrica é tam pretenciosa : oferece melhoras para toda classe de males, e também promessas que nom pode cumprir. Como o Bálsamo de Fierabrás, os psquiatras oferecem remédios para toda classe de situaçons : direcçom do dó para catastrófes ou o passamento dalgum ser querido, enfrentamento ao estrês laboral, dor de doenças reais mas de causa desconhecida, tal como a esquizofrénia ou os trastornos afectivos. Todo dá num remexido chamado psiquiatrizaçom da vida quotidiana. Daquela, a sala de aguarda dum psquiatra é um lugar singular onde coexistem desde malestares banais secundários do dia a dia com os sofrimentos mais atrozes da psicose, ou as grandes depressons que rematam no suicídio. Para todos tem o psiquiatra umha palavra como um cura, ou umha pílula como um médico, ou umha reabilitaçom como um massagista.

E que relaçom, se existir, observa você entre a psiquiatria e a psicologia ?

Ambos os grémios concorrem para oferecerem remédios que psiquiatrizam ou psicologizam a vida quotidiana ; ambas as profissons proponhem como remédios para todos estes malestares que vam dos nascimento à morte. A gente foi despossuída dos seus saberes comuns para criar filhos, para o sexo, para avelhar, para luitar contra a exploraçom laboral, e precisa de técnicos que providos de saberes « psi » lhes ensinem a viver. Psicopedagogos para criar cativos saos mentalmente, sexólogos para os conceber, psicólogos para realizarem o dó polo passamento dos seres próximos, gerontopsicólogos para avelhar com saúde, e neuropsiquiatras contra o mobbing.

Os psicólogos limitam esse ensino a viver, limitam essas curas da vida a palavras, e os psiquiatras oferecem aliás pílulas que fam distanciar-se os sujeitos da situaçom invisível, tolerando assim melhor a dor vital. Quer uns, quer outros, oferecem o que nom podem dar : remédios técnicos para resolverem sofrimentos sem rachar os quadros da situaçom que produz essas dores, e que nom som outros que o individualismo e o mercado. A luita por atender as populaçons emergentes que procuram amo psiquiatrizador entre ambos os grémios é patética por parte dos psicólogos que pedem intervir nos centros de saúde com argumentos semelhantes aos da psiquiatria dos anos 70 -a doença mental nom é umha doença como as outras, afirmam com justiça-, mas sustendo que é o grémio psicológico com as suas variadas escolas, e nom as redes populares, quem podem rachar essa malária urbana que hoje constituem as queixas enquadráveis no psicológico ou psiquiátrico.

« Depsiquiatrizar ou depsicologizar a vida quodiana supom recuperar um saber comum que antes tinha a maioria da gente para gerir as situaçons de sofrimento ou de conflito »

Logo, psquiatrizar e psicologizar som, segundo você, tarefas muito próximas.

Com efeito. No senso já assinalado de psiquiatrizar e psicologizar, som tarefas semelhantes. Nom se trata de substituirmos umha prática psiquiátrica por umha psicológica, senom de safarmos de ambas as duas redes que limitam as análises e as soluçons populares ao cálculo afectivo que hoje domina a ideologia popular e que psiquiatras e psicólogos reforçam como aparelhos do Estado que som. Ante um dó ou um despedimento, ambos os discursos recorrem a metáforas economicistas para formularem os seus tratamentos : desinvestir afectos do morto ou do trabalho perdido, volver a investi-los. Qualquer situaçom enquadram-na estes grémios nas escuras augas do cálculo egoísta que dizia Marx. Nom conheço ninguém que fora o psicólogo e que este lhe tivera prescrito a luita solidária contra os seus males, senom cuidar de si no quadro intimista. Ninguém que nom tenha ido, e a quem nom lhe dixeram que ele nom pode arranjar o mundo, nem tem culpa dos seus desarranjos, e que se devote ao carpe diem. De feito, lermos um manual de auto-cuidado é umha incitaçom ao egoísmo e muitos dos manuais para mulheres umha verdadeira agressom a sentimentos altruistas : aprender a dizer nom, nom amar demais, calcular bem o intercámbio afectivo para nom sair defraudadas. Enfim, umha espécie de bom investidor nom apenas na bolsa, senom na casa ou na cama.

Depsiquiatrizar ou depsicologizar a vida quodiana supom recuperar um saber comum que antes tinha a maioria da gente para gerir as situaçons de sofrimento ou de conflito sem recorrer a técnicas psi ou a pílulas com duvidosa ou excessiva eficácia (as pílulas psiquiátricas com por vezes demasiado eficazes e permitem tolerar situaçons intoleráveis adormecendo os sentimentos que permitem transformá-las). Para escuitar penas ou aconselhar com prudência qualquer do nosso contorno serve, menos um profissional psi que nom partilha valores nem sentimentos e por isso os enquadra em sistemas ideológicos da escola à que pertence.

(…)

Alguns dos (etiquetados como trastornos psíquicos) -depressons, angústias, trastornos de personalidade, malestares por estrês- som falsas doenças que se etiquetam como tais para individualizar sujeitos frágeis para estes serem tratados com técnicas que nom ponham em causa do papel desencadeante da má vida urbana que está na base dos seus sofrimentos. Nem o trabalho como o conhecemos, nem as moradias de vizinhos que se articulam nas nossas cidades, nem as famílias realmente existentes iriam sobreviver sem a toma massiva de ansiolíticos que permitem adormecer, erguer-se e aturar-nos os uns aos outros nessa espécie de sumidoiro sobre-povoado que habitamos. Os processos de etiquetado e psicologizaçom desses malestares que permitem ser vividos em privado, sem se colectivizarem, completam o papel apaciguador e distanciador que permitem as categorias psiquiatrizantes e os psicofármacos. (…)

« Se me permitides a pequena grossaria, o que procuram em saúde mental os trabalhadores abafados parece-se com o que para procurar amores vai de putas ».

Mudando de tema. Você tem assinalado recentemente que o feito de o 30 % da populaçom urbana atingida por reconversons acuda hoje aos centros de saúde mental exemplifica um desastre : « o velho orgulho do proletariado que « sabia quem era » está a ser substituído por personalidades passivo dependentes que procuram nos « psi » tutelagem, pílulas e conselhos para reconduzirem a sua vida segundo um regime de servidume voluntária ». Por que fala você nestes termos ? Que poderiam fazer logo os trabalhadores atingidos ?

Se me permitides a pequena grossaria, o que procuram em saúde mental os trabalhadores abafados parece-se com o que para procurar amores vai de putas. Ante o horror real da vida quotidiana, todo o mundo que sofre precisa de alguém para escuitar, afectos, conselhos prudentes ou até mesmo alouminhos para se aliviar o horror económico. Procurá-lo num profissional que cobra do Estado por essa angueira, e que nom partilha a realidade do trabalho ou o bairro, e pode ter uns valores tam opostos ao consultante como ser do Opus Dei (umha das minhas pacientes deixou de ir ao psiquiatra depois de dous anos, ao saber que o seu terapeuta nom estava em consulta por ir de caçararia) semelha umha confusom vital mais como aquele bêbedo que procura a chave, nom lá onde a perdeu, senom lá onde o concelho aluma.

Face essa ajuda profissionalizada que coloniza a vida desde um saber pouco crível (há multidom de escolas psi), o povo deveria colectivizar a sua dor e acumular valor para olhar em fite aquilo que oferta a vida no mercado, sem adoçá-lo com a falsa promessa de que, quando a cousa correr mal, algum « psi » da segurança social vai-me ajudar ainda eu sem ter redes solidárias nas que me apoiar.

Aprendermos que o malestar nom depende da sua psique individual, senom das relaçons de exploraçom e submissom ao imaginário de desejos que nos fai viver por riba das nossas possibilidades com modelos de classe média, eis a amarga verdade que a populaçom trabalhadora se nega a ver. Saber que se nos fecharmos no egoísmo e na procura de salvaçom no intimismo, quando esta vida íntima se esfarela e, por exemplo, morre o meu objecto amoroso ou perdo o trabalho, nenhum profissional pode ajudar-me realmente porque nenhum profissional pode sentir comigo a soldo, pode ser um primeiro passo nessa renúncia às falsas promessas. Só desde as velhas solidariedades, de falarmos cada manhá com os companheiros e irmos tomar umha sidra ou um vinho trás o trabalho para maldizer o patrom, ou comentar os acasos de Sam Mercado, com a esperança de algum dia este sistema esboroar, foi vivível umha quotidianeidade tam dura como a do trabalhador fabril tradicional. Apenas o acolhedor do bairro, dos lugares onde um está entre os seus, apenas os vencelhos com os companheiros e as suas famílias e umha forma de vida em comum permitem fugirmos às misérias do individualismo ou diminuí-las diluindo-as no colectivo quando a tragédia nos alcança.

« O termo « depressom » é um caixom de xastre que quer dizer malviver, ou incapacidade de autogerir a própria vida sem ajudas profissionais. Atinge os sectores da populaçom mais colonizados polo intimismo »

Se cada um vai da sua morada ao trabalho, se se fecha no familiarismo e nos grupos de afeiçons comuns, está condenado a ter um alto risco de rematar no psiquiatra, como o que acode ao lupanar na procura de amores profissionais.

O precariado no que vivem umha grande parte dos trabalhadores espanhóis, autóctones ou nom, está a afectar a sua saúde mental ? Dispomos de cifras ? Fala-se dumha epidemia de depressons que atinge o 30 % da populaçom e há bairros obreiros onde é mais normal ter passado polas consultadas de saúde mental que nom ter precisado ajuda psiquiátrica ao longo da vida.

A miséria subjectiva que a vida em precário cria é a impossibilidade de tecer esses vencelhos serenos dos que falava antes para descrever a quotidianeidade da classe obreira tradicional. Um meninho tem um vencelho sereno quando pode jogar no parque sem olhar de seguido à sua mae, porque sabe que ela vai estar alô quando ele cair. Um pode arriscar-se na vida e ser um activista social se sabe que tem umha rede social ampla, de maneira que quando a desgraça o atingir vai ter solidariedades múltiplas. Esses laços solidários, esses vencelhos serenos, precisam tempo e tradiçons de identidade.

Desde a escola os antigos trabalhadores codificavam os seus gostos e as suas maneiras no imaginário de classe que os protegia, endurecendo-os do mundo hostil dos senhoritos : sabiam que as lambetadas ou a depressom nom eram para eles, que ao trabalho se ia sofrer, mas que a vida podia permitir-lhes devolver golpes a esse mundo da burguesia se permaneciam juntos. Sem tempo para estarem juntos e sem apoiarem-se nas velhas tradiçons obreiras, os precários estám perdidos : nem identidade colectiva, nem defesas de classe os protegem. A ideologia do pilhabám, a velha astúcia do « Lazarillo » para burlar e tirar as avantagens que pode parece ser a tendência subjectiva preferente no precariado, que corre quanto pode entre amos desalmados na procura do pagamento do paro ou das baixas médicas ; isto é o que vemos nas consultas de saúde mental.

O termo « depressom » é um caixom de xastre que quer dizer malviver, ou incapacidade de autogerir a própria vida sem ajudas profissionais. Atinge sectores da populaçom mais colonizadas polo intimismo : mulheres, precárias sem redes sociais sólidas, idosos sem companhia que já as perderam, mocidade renegada da sua classe, e aspirantes a gabear socialmente. Face eles, a vulnerabilidade à depressom inverte-se quando o tempo de trabalho ou a organizaçom de actividades cria grupos com identidades solidárias que se suponhem podem durar toda a vida. Face o voluntariado social que cria grupos ligeiros que H. Bejar risca de « maus samaritanos », os velhos sindicatos, os grupos comunistas, as comunidades religiosas, criavam vencelhos e identidades sólidas que se endureciam e faziam sentir donos de seu os seus membros, frente as crises vitais que o próprio tempo genera. Dizia-se aquilo de que um comunista nunca está inteiramente só, porque supunha que qualquer um trabalhador podia ser o seu amigo, e que as idades do homem -mocidade, madurez, velhice- tinham uns rituais tam cercanos ao religioso que fazia com que mesmo a morte fosse aceite como um passar a cita com a história às geraçons vindouras. Se essa identidade se licua e o precariado nom permite entretecer a vida individual com esses colectivos e com essas tradiçons, a quotidianeidade vira nesse conto cheio de ruído e fúria contado por um idiota que facilmente procura consolo no psi. Nessa limitaçom cognitiva de procurar ajuda fora dos iguais, nos expertos, na técnica, é o que chamo processo de servidume voluntária, que nem sequer é consequente com a ideologia egoísta que se tinha escolhido, e que remonta com o protótipo de Lázaro de Tormes que propugem linhas acima.

« Face o voluntariado social que cria grupos ligeiros, os velhos sindicatos, os grupos comunistas, as comunidades religiosas, criavam vencelhos e identidades sólidas que se endureciam e faziam sentir donos de seu os seus membros, frente as crises vitais que o próprio tempo genera. »

Como acha você que está a afectar a actual crise, esta crise cujo fundo nom se acaba de alviscar, as gentes trabalhadoras ? As ameaças de despedimentos, de feches patronais, de reconversons, furam a sua consciência ?

A crise continua um processo de contra-revoluçom que aumenta a egolatria do salve-se quem puder, e a covardia colectiva para luitarmos para brigar por um mundo radicalmente outro. Todas as crises sociais som oportunidades para mudarmos a história. Nesta que nos tem tocado, as classes populares vam sair mais desestruturadas e derrotadas de como entrárom : vam perder a batalha sem tam sequer terem brigado. Velhas palavras como ocupaçom de factorias, autogestom, nacionalizaçom, som fósseis linguísticos para uns colectivos sindicais que como na piada apenas pedem aos seus senhores ficarem como estám.

Por isso, esta derrota obreira parece-se com esses experimentos de Indefensom Aprendida no que os animais de experimentaçom submetidos a castigos numha piscina deixam-se morrer quando ainda tenhem energias objectivas para pelejarem. A dor colectiva e a ansiedade produzida polo risco de neopobreza está, como os maus molhos, sem ligar por nenhuma organizaçom que o dotar de forma e saídas colectivas.

De continuarmos na tendência actual, as capas populares vam sair subjectiva e objectivamente mais mancadas do que entrárom, e ao meu ver afundarám-se comportamentos reaccionários que dificilmente imaginamos, deslocando a raiva contra os imigrantes e nom contra os poderosos. E contodo, a história nom está nunca escrita de todo, e como escreveu Brecht no seu imprescindível « Oda à dialéctica », os derrotados de hoje som os vencedores de amanhá. Mas para isso, quiçá perdermos a esperança dumha boa vida no mercado ou nos benestares da psicologizaçom é um passo central para sairmos da indefensom e decidirmo-nos a pelejar com as forças que ainda restam.

Que pode fazer um psicólogo, um psiquiatra, ante o desespero destas pessoas trabalhadoras ? Dizer-lhes que devem fazer a revoluçom ?

Pode tratar de enquadrar esse sofrimento subjectivo no impessoal, impedindo o processo de individuaçom ou de culpabilizaçom que engade miséria psicológica à económico-social. Sabermos que o paro toca como « a lotaria ao revês » acouga quem procura causas e remédios psicológicos do seu malviver na sua biografia, perguntando-se que fijo mal. Tratarmos de criar vencelhos nom profissionais entre parados, entre pessoas com sofrimentos etiquetados de depressivo-ansiosos e dar formas de interpretar a angústia-depressom num quadro colectivo que procure agrupar pseudo-doentes em redes de apoio e consumo paralelo podem ser sugeridas nas consultas.

Os fundadores de Alcólicos Anónimos teimárom em beberem enquanto iam de psicólogo em psiquiatra por todo o mundo. Deixárom de beber e criárom a rede de auto-ajuda mais potente do planeta, quando tomárom consciência de que na ajuda mútua podiam-se criar as redes e técnicas que evitam beber. Sempre me pareceu um exemplo a seguir.

O movimento feminista tem experiências semelhantes : as de Boston acadárom a recuperaçom de corpos mutilados pola ginecologia. Ter valor para enxergar e agir desde a experiência acumulada pode lograr-se desde a confissom de impotência profissional dos psicólogos e psiquiatras se tivessem honradez para auto-avaliarem realmente a sua prática real tam pouco eficaz em aliviar a dor subjectiva.

« Vivermos sóbrios e sermos um chisco puritanos parece-me um conselho prudente nestes tempos de exortaçom a libertar o desejo, ou a se atrever a todo como signo de saúde mental »

Você tem afirmado que « baixo rótulos psicoterapêuticos, determinados aparelhos burocráticos viram dispositivos de construçom de identidades rumados a individualizarem o sofrimento produzido pola crise, evitando assim qualquer estratégia colectiva. É umha estratégia consciente, na sua opiniom ? É umha subordinaçom aos interesses do capital ?

Um dos traços centrais do novo espírito do capitalismo é que nom precisa consciência ou ideologia dominante para impor o seu ditado : como se consumir, e com submeterem-se as populaçons ao regime de necessidades que a propaganda cria…os grandes monopólios nom se importam com o pensamento da gente.

Neste senso, a psicologizaçom nom é umha prática consciente do capitalismo porque nom a precisa. Simplesmente com que o povo se feche na sua morada, as pessoas no seu casal, e esqueça as velhas identidades baseadas em grupos naturais, a vitória de sam mercado está assegurada. Se nom há um Nós desde o que vivermos, e o eu sucessivo é o único ponto desde o que se reflecte, o capitalismo pode deixar aboiar esses indivíduos, e que estes escolham qualquer ideologia que nom recriar estes vencelhos. Justamente, o anticlericalismo dos postmodernos fede a esse desejo de liquidar mesmo a ideologia comunitária que em tempos serviu, e que no que tem de Nós Identitário resulta umha paradoxal resistência apesar do anticuado dos seus protestos.

Quiçá o Estado e os políticos si se interessem com aparentar umha eficácia da que carecem para influirem na vida real das pessoas, e pular por umha certa segurança social face os acasos económicos pode que suponha um mecanismo para evitar o desinteresse da populaçom sobre o político. Afirmar que ao menos o Estado pode dar escola e centros de saúde desde a esquerda pode ser um mecanismo para fidelizar umhas massas já convencidas da inanidade do Estado para influir no paro ou na vida real.

Saúde mental e relaçons de produçom capitalistas, som termos que permitem conciliaçom, ao seu ver ? Ou o capitalismo, no contrário, é inimigo da saúde mental das pessoas ?

Os efeitos patológicos do capitalismo sobre a saúde mental nom nascem dumha vontade maligna como aquela que fazia berrar à Bruxa Avaria « Viva o Mal. Viva o Capital », senom de que na sua necessidade de multiplicar os seus ganhos vendendo novas mercadorias precisa criar necessidades decote nas pessoas, e por isso vira num sistema que necessita da criaçom de identidades baseadas na glutonaria consumista que nom se satisfaz mais. Quando é de abondo ? Desde o mercado resposta-se com um Nunca que gera ansiedade contínua nas pessoas. A sobriedade e a configuraçom de gostos e satisfaçons à margem das pseudonecessidades criadas desde a ideologia capitalista som o primeiro passo para adquirirmos umha difícil saúde mental, sempre cercada porque algum fetiche oferecido pola publicidade -tal viagem, tal carro, tal casa- pode enlaçar com algumha perversom própria ; esta pode levar-nos a vender a vida para trocá-la por dinheiro, para comprarmos esses produtos dotados do encantamento da mercadoria, que adquire o interiorizado como desejo. O sujeito tal como o conhecemos é tam voraz e tam maldotado, tam caracterizado pola Hibris e a falta de freio às suas ánsias, que precisa um sistema muito racional para se conter.

Vivermos sóbrios e sermos um chisco puritanos parece-me um conselho prudente nestes tempos de exortaçom a libertar o desejo, ou a se atrever a todo como signo de saúde mental. Reprimir-se frente a desublimaçom repressiva da que nos falava Marcuse como característica do post-capitalismo é umha reflexom precisa, embore sone a pensamento reaccionário.

*Versom na íntegra desta entrevista em todoporhacer.