Por Charles Chinweizu (traduçom do galizalivre) /

Perto de 700.000 pessoas em todo o mundo, principalmente em países subdesenvolvidos, morrem cada ano devido a infecçons resistentes a medicamentos, incluindo tuberculose, VIH e malária. Segundo a Public Health England (PHE) [Nota da traduçom: agência dependente do Ministério de Saúde do Reino Unido] a falência no tratamento do problema da resistência antibiótica ou antimicrobiana (AMR polas suas siglas em inglês) poderia dar como resultado uns 10 milhons de mortes anuais em 2050. A resistência aumentou constantemente desde que os antibióticos sistêmicos fôrom introduzidos nas décadas de 1930 e 1940. A novidade é a amplitude da AMR e a escassez de novos antibióticos autorizados. Salvo algumha exceçom, desde 1987 nem se desenvolvêrom nem estám em fase de preparaçom novas classes de antibióticos. A busca do lucro das grandes farmacêuticas e a corrupçom política que lhes permite safar-se é responsável pelas mortes da AMR e do próximo «apocalipse antibiótico».

Resistência a antibióticos
No Reino Unido morrem anualmente por volta de 5.000 pacientes por infecçons sanguíneas, a metade causada por organismos resistentes a medicamentos. Na Inglaterra produzem-se cada ano 300 mil infecçons contraídas em centros de saúde. Em toda a Europa, especialmente nos estados bálticos e parte da Europa Oriental, cerca de 25 mil pessoas morrem cada ano como resultado de infecçons hospitalares causadas por bactérias resistentes (Informe de 2.011 da Chief Medical Officer).

Nos Estados Unidos, bactérias resistentes aos antibióticos representam pelo menos dous milhons de infecçons graves e 23.000 mortes por ano. Cirurgias de rotina, substituiçons de articulaçons, cesarianas e quimioterapia dependem dos antibióticos o que coloca a estas pacientes também em risco; mesmo um joelho raspado ou umha infecçom comum poderia levar à morte. Na Grande Bretanha, embora as infecçons hospitalares de microrganismos como o MRSA (Staphylococcus aureus resistente à meticilina) e o Clostridium difficile tenham diminuído, estám a ser substituídas por outras bactérias como E. coli e Klebsiella pneumoniae, agora os agentes mais freqüentes de infecçom hospitalar. K. pneumoniae, umha bactéria intestinal comum, é umha das principais causas de infecçons adquiridas em hospital, como pneumonia, infecçons sanguíneas, infecçons em recém-nascidas e pacientes com terapia intensiva.

Além disso, logo da descoberta «extremamente perturbadora» de microrganismos resistentes a medicamentos em alimentos em 2014, o risco de exposiçom no público vai além das pessoas com histórico de viagens ou aquelas hospitalizadas anteriormente. Nalgumhas partes da África, até um 80% das infecçons por S. aureus som resistentes à meticilina (MRSA), o que significa que o tratamento com antibióticos padrom nom funciona. En regions de América, a cifra chega o 90% (Organizaçom Mundial da Saúde (OMS), 2014).

Em 2013 a professora Dame Sally Davies, Chief Medical Officer [Nota da traduçom: trata-se da principal assessora governamental especialista em matéria de saúde] do governo britânico , advertiu sobre um «cenário apocalíptico de resistência antimicrobiana generalizada». A ameaça de os antibióticos se tornarem inúteis devido à resistência é tam grande que, se nom for abordada, em 20 anos a cirurgia de rotina pode supor um risco grave de morte e a Grande-Bretanha teria um sistema de saúde comparável ao de 200 anos atrás (The Independent, 12 de março de 2013). Dias depois, Thomas Frieden, diretor dos Centros para o Controlo e Prevençom de Doenças (CDC polas suas siglas em inglês) dos Estados Unidos, em Atlanta, dixo: «Temos um problema muito sério e precisamos dar o sinal de alarma». Segundo o CDC os EUA enfrentarám «consequências potencialmente catastróficas» se nom agem rapidamente.

A professora Davies e a Agência de Proteçom da Saúde pediram que a resistência aos antibióticos seja tratada como um grande risco nacional à semelhança da mudança climática ou do terrorismo. Ela sublinhou a «falha de descobertas» no sentido da inexistência do desenvolvimento de novos antibióticos para substituírem os ineficazes e falou de «falência de mercado» em referência a esta carestia de novos antibióticos causada pola «gestom dos escasos recursos das empresas farmacêuticas orientada à maximizaçom dos lucros».

Como o problema é apresentado pela classe dominante
O governo britânico, boa parte dos mídia, a OMS e até Davies juntaram-se ao coro de atribuir a culpa da AMR ao abuso de antibióticos em contextos sanitários. As pacientes que exigem antibióticos das suas médicos de família som consideradas as principais culpáveis. O governo denuncia que a muitas pacientes lhes fôrom «prescritos antibióticos de forma inadequada, mais comumente para tratar tosse e resfriado, dor de garganta, infecçons no ouvido … [e] estimativas sugerem que a metade de todas as pacientes que visitam a sua médico de família com tosse ou frio saem com receita médica para antibióticos». A PHE está exortando as profissionais de saúde e público geral a se tornarem “Guardiáns dos antibióticos” para ajudar a superar a AMR. Isto é um completo absurdo. E o papel da desigualdade, da pobreza, das grandes farmacêuticas, da qualidade das moradias e do sistema sanitário? A globalizaçom? O mercado global de alimentos? O capitalismo?

Embora o abuso, a prescriçom excessiva e a falta de controlo, vigilância e administraçom dos antibióticos sejam um problema nos países desenvolvidos, e seja preciso tomar acçons para abordarmos e melhorarmos estes factores, o uso de antibióticos nom se limita a humanos ou a contextos sanitários. Umha grande quantidade de antimicrobianos som utilizados cada ano na prática veterinária e nas indústrias pesqueira e da agropecuária, principalmente como suplementos de crescimento e para produzir maiores rendimentos. O número de granjas intensivas no Reino Unido subiu um quarto desde 2011, com muitas tam grandes como para encaixarem na definiçom de umha mega-granja americana. Actualmente, existem quase 800 destas em todo o Reino Unido. As maiores acolhem mais de um milhom de frangos, 20.000 porcos ou 2.000 vacas leiteiras em fábricas de grandes dimensons, onde a maioria dos animais som confinados en interiores. Apenas cinco empresas, Faccenda, Moy Park, Cargill, 2 Sisters e Banham Poultry controlam quase toda a produçom de carne de frango no Reino Unido. 70% de todos os antibióticos vendidos nos EUA estám destinados ao uso na cria de gado para fazer com que os animais produtores de alimentos cresçam mais depressa ou para compensar condiçons de vida superlotadas e sujas. Isto gera bactérias resistentes aos medicamentos. Davies di que «enquanto a evidência actual sugere que esta nom é umha grande causa de resistência em bactérias que afetam a saúde humana (pelo menos no Reino Unido), sim fornece um veículo adicional para o desenvolvimento de resistência antimicrobiana».

No entanto, de acordo com a Dra. Lee Ventola de AstraZeneca R & D: «Os antibióticos utilizados no gado som ingeridos por seres humanos quando consomem alimentos. A transferência a seres humanos de bactérias resistentes por animais de granja foi observada há mais de 35 anos. As bactérias resistentes nos animais de granja atingem os consumidores através de produtos carnicos … através da seguinte sequência de eventos: 1) o uso de antibióticos em animais produtores de alimentos mata ou suprime bactérias suscetíveis, permitindo que as bactérias resistentes aos antibióticos prosperem; 2) bactérias resistentes som transmitidas a humanos através do fornecimento de alimentos; 3) estas bactérias podem causar infecçons em humanos que podem levar a consequências adversas para a saúde. Além disso, o uso pecuário de antibióticos também afecta o microbioma ambiental, excretado na urina e fezes, e amplamente espalhado através de fertilizantes, águas subterrâneas e escoamento superficial» (Pharmacy and Therapeutics, Maio de 2.015). Logo o uso de antimicrobianos favorece a apariçom de microorganismos resistentes através da selecçom natural, permitindo-lhes proliferar enquanto os sensíveis som mortos. Com o tempo, as bactérias resistentes fazem-se dominantes e os tratamentos perdem efecto.

Além disso, «a eliminaçom de antibióticos para favorecer o crescimento por si só nom reduzirá substancialmente o uso de antibióticos na produçom de alimentos de origem animal: tanto a indústria farmacêutica animal como a FDA estimam que este uso de antibióticos nom representa mais dum 10-15% de todos os antibióticos vendidos para uso em animais, e muitos dos mesmos antibióticos vendidos para favorecer o crescimento também som aprovados pola FDA e rotulados para fins de prevençom de doenças» (Lance B. Price, Agosto de 2017). Os animais devem ser criados de maneira que a sua saúde esteja garantida e de maneira que os antibióticos sejam utilizados para tratarem doenças e nom para compensarem umha cria inadequada.

As soluçons reais
As doenças infecciosas fôrom e continuam a ser um indicador de desigualdade social e económica. Umha má alimentaçom, condiçons precárias ou casas superlotadas e condiçons ambientais, exposiçom a pragas e vetores, falta de acesso a bons sistemas sanitários e rendas baixas som, segundo Davies, características todas do baixo nível socioeconómico que predispom as pessoas à adquisiçom e transmissom de doenças infecciosas. Por exemplo, as taxas de tuberculose (TB) aumentárom ao longo da última década. A maior parte deste aumento tem sido associada a pessoas que nom nascérom no Reino Unido, principalmente provenientes do sul da Ásia ou da África subsaariana, pessoas sem-teto, drogodependentes, alcólicas e presas. Em 2010, a proporçom de casos de tuberculose entre os que nascérom fora do Reino Unido aumentou para 73% e a taxa de TB entre a populaçom nom criada no Reino Unido foi 20 vezes a taxa entre os que nasceram no Reino Unido.

De acordo com Davies, AMR «realmente nom tem um rosto porque as famílias da maioria da gente que morre de infecçons resistentes a antibióticos pensam que morrérom de umha infecçom nom controlada». Mas tem um rosto e esse é o rosto das grandes farmacêuticas. As corporaçons farmacêuticas desenvolvérom 13 tipos de antibióticos entre 1.935 e 1.968, mas apenas duas desde entom. Das 18 maiores empresas do sector, 15 abandonárom o campo antibiótico. Fusons e adquisiçons entre empresas reduzírom substancialmente o número e a diversidade das equipas de pesquisa. A pesquisa de antibióticos realizada em médios académicos foi reduzida como conseqüência de cortes nos fundos devidos à crise económica, ou seja, capitalista. O rápido avanço da AMR e a conseqüente necessidade de moderar o uso destes medicamentos convenceu as empresas farmacêuticas de que os antibióticos nom som um investimento «economicamente inteligente». Como os antibióticos som usados por períodos relativamente curtos e geralmente som curativos, nom som tam lucrativos como medicamentos que tratam doenças crônicas, como diabetes, transtornos psiquiátricos ou asma.

O valor líquido presente dum novo antibiótico é de apenas 50 milhons de dólares americanos, em comparança com os aproximadamente 1.000 milhons de dólares dos medicamentos contra doenças neuromusculares. As condiçons crônicas som mais lucrativas e, portanto, as empresas farmacêuticas preferem investir nelas. Além disso, os antibióticos geralmente têm um preço de 1.000 a 3.000 dólares por ano, enquanto a quimioterapia contra o câncer custa dezenas de milhares de dólares. O baixo custo da venda de antibióticos e a restricçom quanto ao novo uso dos mesmos, na medida em que som mantidos em reserva apenas para os piores casos devido ao medo de promover a resistência aos medicamentos, leva à reduçom do uso e do lucro do «investimento» das grandes farmacêuticas.

As empresas farmacêuticas também adotárom um interesse mais ativo no desenvolvimento de antibióticos para MRSA, em vez de agentes patogênicos Gram-negativos. As bactérias Gram-negativas som mais perigosas, mais resistentes a anticorpos e antibióticos do que bactérias Gram-positivas porque a sua membrana externa é frequentemente camuflada e, portanto, nom som reconhecidas como corpos estranhos. Como explicado acima, o MRSA é um grande problema a nível mundial, enquanto o mercado para o tratamento de organismos Gram-negativos é menor e os lucros potenciais diminuem. Com as bactérias Gram-negativas a tornar-se resistentes a quase todas as opçons de medicamentos antibióticos disponíveis, esta é umha abordagem muito limitada e míope. As 5.000 mortes anuais por doenças infecciosas no Reino Unido som causadas por sepse Gram-negativa. Os governos devem exercer mais pressom sobre as grandes farmacêuticas para investir em pesquisas de antibióticos «menos lucrativas» e, se for necessário – que o é – essa pesquisa e as próprias empresas devem ser levadas a propriedade pública. As desculpas dos obstáculos regulamentares ou o alto custo da I+D devem ser rejeitadas. A Cuba socialista já provou que nom som necessários 1.000 milhons de dólares para desenvolver um único medicamento. Os custos reais da inovaçom podem ser menos do que um quinto dos 1.000 milhons alegados (Khadija Sharife, «The great billion dollar drug scam», 29 de junho de 2011, Aljazeera.com). Como Fidel Castro dixo em 1992: «Amanhá será muito tarde para fazer o que devemos ter feito há muito tempo».

*Publicado em revolutionarycommunist.org