Por Matilde Fonteha (traduçom do galizalivre) /
O patriarcado compreendeu a importância de impedir que as mulheres desenvolvam a sua competência motora, nom se confundiu assumindo que a atividade física é uma ferramenta para a liberdade integral das mulheres. Mas por que lhe passou despercebido ao feminismo?
Umha mulher que desenvolve as habilidades do movimento – coordenaçom, orientaçomo espaço-temporal, equilíbrio, estruturaçom do esquema do corpo, conhecimento e controlo do próprio corpo, força muscular e resistência, resistência cardio-respiratória, velocidade, flexibilidade e agilidade – é umha pessoa mais competente para qualquer situaçom de vida.
Essas qualidades som desenvolvidas através de prática física-desportiva. Além disso, o desporto proporciona liberdade de movimento corporal, estimula o abandono do espaço doméstico privado e facilita as relaçons pessoais e sociais. Em suma, empodera às mulheres.
Som razons de peso para que desde a ordem patriarcal se ponham obstáculos à prática desportiva das mulheres. Polas mesmas razons, deveria ter sido uma reivindicaçom do feminismo.
Um dos motivos polo que o estudo do tema mulher e desporto nom foi empreendido é a rejeiçom do desporto midiático e a influência que exerce sobre toda a sociedade.
E sim, é lógico que, desde umha perspectiva crítica, o desporto de elite seja inaceitável por causa da falta de democracia nas suas instituiçons, a sua presença e tratamento nos meios de comunicaçom, o papel que desempenha na alienaçom da cidadania, etc. No entanto, em vez de rejeitá-lo ou evitá-lo, é necessário colocar a lupa da igualdade sobre esse assunto para mudar a perspectiva. Será a única maneira de entender que o desporto, além de discriminar as mulheres no seu âmbito, desempenha um papel de primeira orde em robustecer o sistema patriarcal e no reforço da desigualdade entre mulheres e homens.
Embora seja verdade que, em muitos aspectos, devemos diferenciar o desporto de elite dos outros níveis de atividade motriz, ambos gravitam em torno a dous eixos: o corpo e o movimento humanos, polo qual compartilham muitos elementos relacionados à discriminaçom das mulheres. Som duas questons tam fortemente imbricadas que é preciso enfrentá-las como dous lados de umha mesma moeda. Por um lado, a atividade física-desportiva pode ser umha ferramenta eficaz para o empoderamento das mulheres; polo outro, a instituiçom desportiva é o obstáculo mais pesado para a igualdade de gênero.
Algumhas das questons mais importantes que atualmente precisam ser incluídas na agenda feminista podem ser agrupadas em quatro blocos temáticos:
A discriminaçom das mulheres nas instituiçons desportivas. O tratamento que as nenas e as mulheres recebem no mundo do desporto já é impensável noutras esferas sociais, é anacrônico e viola as leis de igualdade. A maior discriminaçom recai sobre as desportistas, que estám em situaçom de submissom, mas também afeta a outras mulheres pioneiras no desenvolvimento de sua profissom no âmbito desportivo: treinadoras, árbitras, médicas, fisioterapeutas, técnicas, diretivas, etc.
O papel que joga o desporte mediático na discriminaçom de todas as mulheres. Nos tempos atuais do enfraquecimento da democracia, o papel do desporto na perda de direitos das mulheres nom deve ser subestimado, em dous aspectos. O primeiro: o desporte é a mostra da ausência de mulheres, inculcando a ideia de que o rol de desportista é apenas de homens. O segundo: a baixa proporçom de mulheres desportistas que aparecem nos médios de comunicaçom geralmente nom é por causa de sua competência e logros desportivos, mas por causa da beleza dos seus corpos, o que reforça o recrudescimento do sexismo que estamos experimentando em toda a sociedade.
Assédio e abuso sexual contra as mulheres no desporto. Esta manifestaçom da violência de gênero no mundo do desporto é muito mais comum do que se quer que acreditemos. É normalizado, é perpetrado com impunidade e nega-se a sua existência.
A importância da competência motriz para o empoderamento das mulheres, umha questom na que nos concentramos neste artigo.
Se tentarmos estabelecer alguns nexos entre os aspectos que limitam a competência motriz das mulheres, aparece um fio condutor claro: o prazer. O prazer negado pela tradiçom judaico-cristã, o prazer corporal em geral e, em particular, o derivada do corpo em movimento.
Porque, o desporto é corpo, mas nunca foi um corpo de mulher.
O corpo da mulher é outro corpo, é aquele que suporta o peso da cultura que restringe as suas possibilidades corporais e vitais.
O feminismo abordou a necessidade de assumir o controlo do nosso corpo e, graças a isso, avançamos nos direitos sexuais e reprodutivos. No entanto, foram esquecidos o conhecimento e o controlo da máquina corporal: a importância da competência motriz como parte indispensável da identidade e da autonomia das mulheres.
Se nom incluímos as capacidades do movimento no contexto das restriçons vitais das mulheres, fica imcompleto o mapa de estudo do seu empoderamento.
Sabemos que, se a mulher nom tem a gestom de seu próprio corpo, nom é possível desmontar a desigualdade estrutural que a submete, mas neste exercício de possuir o próprio corpo, esquecemos que a autonomia corporal requer desenvolvimento motriz.
Em qualquer caso, as capacidades do movimento, que foram ignoradas no estudo do corpo desde a perspectiva feminista, nom foram desenvolvidas por motivos relacionados com duas antigas proibiçons encarnadas nos corpos das mulheres: liberdade de movimento e o direito de desfrutar. Aspectos aos que lhes devemos acrescentar os conceitos de masculinidade e feminilidade e a ocupaçom do espaço público.
Se alguém analisa a crença da inépcia das mulheres para o desporto a partir dum paradigma objetivo, é claro que as mulheres demonstraram a sua competência motriz em infinidade de tarefas domésticas e laborais, que demonstraram a sua destreza tanto em atividades que exigem um alto nível de coordenaçom como aquelas que exigem o desenvolvimento da força, a resistência ou a agilidade, mas o problema surge quando querem pôr em prática essas mesmas habilidades corporais para praticar desportos, especialmente, os tradicionalmente masculinos.
Algo está a falhar
Temos vivido mudanças substanciais na vida de muitas mulheres, o mais decisivo foi o acesso maciço à educaçom. Em poucas décadas, passamos de ser principalmente analfabetas para superar os homens em rendimento acadêmico. No entanto, esses resultados nom se refletem na ocupaçom de postos laborais, o acesso à toma de decisons ou na equidade dos salários.
De jeito nenhum, vou tirar mérito à formaçom das mulheres, que tem sido a chave da porta principal para a igualdade, mas algo está a falhar. Na minha opiniom, apenas co desenvolvimento intelectual nom é suficiente.
A batalha da igualdade está sendo perdida no corpo, através da qual as mulheres ainda som controladas. É hora de considerar novas estratégias de empoderamento que suponham apropriar-se do seu corpo em sentido integral. Para o qual eu colocaria a ênfase em duas frentes. Um, rebaixar os níveis de feminilidade, romper com esse modelo de beleza que nos está afogando, ca maldiçom de acreditar que só podemos ser amadas pola imagem que projeta o nosso corpo. Romper com essa ânsia de gostar que implica perder tempo, dinheiro e energia, além de suportar altas doses de desconforto e sofrimento na busca dumha andrómena.
A segunda frente é desenvolver a competência motriz.
A atual imposiçom de vestuário e calçado, assim como os obstáculos para a prática de desportos, se conectam a um aspecto corporal vital que também foi excluído da análise feminista: a limitaçom da mobilidade das mulheres. Nom temos percebido que o empenho de tornar as mulheres em seres motrizmente inúteis tem como objetivo impedir a gestom do próprio corpo.
A tirania do estereótipo do corpo da mulher opom-se ao corpo motrizmente habilidoso, ao corpo em movimento para o bem-estar, a liberdade e a saúde na vida quotidiana. Da mesma forma, opom-se à prática desportiva, com exceçom das atividades que reforçam a estética feminina.
Estes som os motivos cardinais para incluir a educaçom afetivo-sexual e o desenvolvimento das habilidades motoras no currículo escolar, de modo que, juntamente com os aspectos intelectuais, relacionais, emocionais, afetivos e artísticos, podam procurar umha educaçom integral.
As moças devem adquirir alfabetizaçom motora básica, hábitos estáveis e saudáveis de atividade física desde a primeira infância. Caso contrário, por um lado, negamos a possibilidade dessa fonte de bem-estar de que pode ser o movimento e, por outro lado, limitamos o seu desenvolvimento como pessoa habil, o que vai a detrimento da sua autonomia e identidade pessoal.
Um relacionamento impossível?
A difícil relaçom entre o feminismo e as Ciências da Atividade Física e do Desporto -CCAFD – é um dos obstáculos para a evoluçom do desporto cara a igualdade, em dous sentidos diametralmente opostos. Em um sentido, desde o âmbito das CCAFD pode ser sinalado: a ausência de mulheres que reivindicaram os seus direitos no desporto de alto nível, a ausência de feministas nos departamentos universitários da CCAFD, a falta de pesquisa desde a perspectiva de gênero, a falta de formaçom em questons de gênero do professorado e demais pessoas que desenvolvem o seu trabalho no âmbito desportivo: atletas, jornalistas, pessoal de gestom, treinadoras/es, pessoal médico …
Na direçom oposta: a rejeiçom do feminismo e a coeducaçom para integrar as CCAFD nos seus projetos, mestrado ou estudos; nom entender o papel do fenômeno desportivo na discriminaçom social das mulheres; e nom resgatar o aspecto vital do desporte polo prazer, a saúde e a autonomia das mulheres.
É certo que as moças nom ocupam o espaço público, os parques ou as praias jogando ou a fazendo acrobacias em skates, mas seria precipitado concluir que nom tenhem interesse em tais atividades.
Devemos ir à origem da atitude das mulheres antes a prática desportiva, determinadas por imposiçons sociais, nem sempre explícitas, que som transmitidas através da socializaçom primária.
Nos últimos anos, há um ressurgimento da tendência de alentar as meninas a considerarem que a sua valia reside na sua aparência física, na manutençom dumha imagem impecavelmente feminina, incompatível com o desporto, com exceçom das atividades que reforçam a estética da feminilidade. Porque aprendem que a imagem das mulheres que fazem esforço físico, enfrentando-se, suando ou desgrenhadas, é rejeitada socialmente.
Nom se pode negar que muitas mulheres nom gostam de fazer desporto, que nom gostam do exercício físico, mas o principal motivo é que carecem de hábitos de prática motriz. Estes som adquiridos antes da adolescência através de experiências positivas. Portanto, as mulheres que gostam de praticar desportos som geralmente aquelas que foram estimuladas pola família ou ambiente próximo desde a infância, cujos hábitos desportivos som decisivos para que as crianças descubram o prazer do movimento.
Desporto para desfrutar, nom para sofrer
O prazer é umha das chaves para entender a relaçom entre mulheres e desportos. As mulheres, em geral, nom praticam desportos que som umha fonte de diversom, como desportos de equipa ou praticados no médio natural. Casualmente, estes som desportos que exigem longos deslocamentos e pernoitar fora da casa.
As mulheres fazem atividades físicas no centro desportivo do bairro, por razons de estética ou saúde, atividades tediosas, sem prazer. Polo contrário, na prática desportiva dos homens prevalece o aspecto lúdico, praticam em equipa e o objetivo é o entretenimento.
Do mesmo modo, as meninas som orientadas cara a prática de atividades que elevam a feminilidade ao máximo expoente, e a pior das suas consequências é que, em vez de entretenimento, implicam altas doses de disciplina e sofrimento, como ginástica, dança clássica, nataçom sincronizada, patinaçom artístico, etc.
Mesmo na mesma disciplina, o treinamento das moças é sempre mais duro do que dos moços. Na dança clássica, elas tenhem longas horas de treinamento com sapatos de ponta, enquanto eles usam apenas sapatos de meia punta; na ginástica artística, elas devem combinar a pericia nas agilidades com umha exigente preparaçom estética do movimento, o que acrescenta horas de classe de balé; o nível de dificuldade da barra de equilíbrio das meninas é muito maior do que qualquer aparelho para moços; a ginástica rítmica, deve combinar um nível de coordenaçom segmentaria incrível no manejo dos aparatos – bola, maza, corda, aro e fita – com acrobacias e figuras corporais de grande dificuldade; na nataçom sincronizada, à preparação de umha ginasta deve adicionar-se o domínio do meio aquático.
Entre as razons que excluiram a competência motriz dos projetos coeducativos, na minha opiniom, figuram as experiências das feministas que programaram esses projetos. Elas nom tiveram um relacionamento de prazer com o desporto, pelo contrário, sofreram essa matéria obrigatória até o bacharelato, a ginástica, que costumava produzir uma rejeiçom de por vida da prática física-desportiva.
Em conclusom, o feminismo nom tomou em consideraçom que o corpo de umha mulher também está desenhado para a atividade desportiva e que caminhar, correr, jogar, desportos de adversário ou desportos de equipa, esquiar, dançar, vogar, nadar ou competir, pode ser uma experiência positiva à que nom tenhem que renunciar.
E este seria um dos desafios que esperam: para que as mulheres façam atividades físicas e desportivas para se divertir, para descobrir o aspecto hedonista do jogo motor. Esta é a melhor maneira de desenvolver a competência motriz para a autogestom do corpo, umha ferramenta essencial para o seu empoderamento.