Por Ugio Caamanho/

A decadência do regime fai-se notar em primeiro termo na decadência da oposiçom ao regime. É um facto que surpreende a todos, e que provoca umha grande frustraçom a quem levamos anos militando no nacionalismo e na esquerda. Mas tem muita lógica: no meio do colapso de um universo político que dá sentido a todas as ideologias, os poderosos podem manter-se ainda um pouco tempo à base de coacçom e medo, enquanto o bando perdedor nom conserva nem as ilusons de umha vitória futura.

Por mui revolucionários que nos queiramos, e que o sejamos ou tenhamos sido de facto, hai que reconhecer umha verdade essencial: grande parte das nossas expectativas pivotam ao redor de elementos do regime que hoje estám em podredume definitiva. Em tempos em que o capitalismo estava mais vigoroso isso nom importava, mas agora que se descompom, o resultado é que a nossa imagem mental da “vitória” pode exigir a defesa de elementos do regime que som, de facto, indefendíveis.

O artigo de Manuel Mera “As criptomoedas e o banqueiro anarquista”, publicado na ediçom em papel do Sermos Galiza, manifesta esta posiçom da maneira mais clara, e também mais desalentadora. Vamos dar-lhe um repasso, porque entendendo o que expressa o sindicalista encontraremos muitas chaves do beco sem saída ideológico no que o nacionalismo se encontrou nos últimos anos.

Vaia por diante o meu respeito por Manuel Mera, um bom militante nacionalista de grande valia e sobradamente demostrada abnegaçom. Esta crítica espero que seja bem recebida, ainda que seguramente nom compartida, porque está feita com ánimo construtivo.

1. A moeda “fiat”, um experimento perigoso

Na reflexom de Manuel Mera encontramos de fundo umha defesa da moeda estatal. Nom diremos do Euro, porque a posiçom tradicional do nacionalismo contra a Uniom Europeia e a Troika é firme, mas sim se defende o sistema monetário de base (ainda que se critiquem as decisons de quem o governam). Assim se deduze de declaraçons como as seguintes:

[As criptomoedas] ameaçam a soberania monetária e socavam a intervençom pública na economia”

As moedas fiduciárias tenhem o respaldo dos Estados”

[Com o bitcoin] perderá-se a soberania monetária, a imposiçom de impostos sobre as transacçons e os depósitos”

Este sistema monetário nom é, na minha opiniom, bem entendido nem suficientemente criticado, assim que vou expor alguns dos seus traços essenciais.

O sistema monetário mundial vigorante é um experimento histórico mui recente. No ano 1971 o governo norte-americano de Nixon aboleu unilateralmente o padrom ouro, desvinculando o dólar das reservas de ouro que possuía a Reserva Federal. Até entom a moeda era umha mercadoria mais, e o seu papel na economia seguia a lógica analisada por Marx n’O Capital. Desde entom estamos num experimento gigantesco, no qual os Estados tenhem a potestade para imprimir moeda livremente. Cousa que fam, e a ritmos exponencialmente crescentes, por meio do que se conhece como “Expansom Quantitativa” (o remédio para sair da última crise), e que é a causa imediata da “financeirizaçom” da economia mundial que aconteceu desde os anos ‘80.

Para entendermo-nos: o Euro (ou o Dólar) nom estám respaldados por nada, contra o que se costuma pensar. Saem de umha fotocopiadora, e a sua impressom tem os mesmos resultados que a actividade dos falsificadores privados.

O sentido comum nom se engana: imprimir papéis nom merece o nome de “política económica” nem se pode esperar disso umha soluçom às dificuldades materiais da populaçom. Que o Banco Central Europeu falsifique maciçamente a sua própria divisa tem umha única consequência económica: nom cria riqueza, mas redistribue-a acaparando-a nas maos do próprio BCE. Essa é a chamada “senhoriagem”, que a efeitos práticos é um imposto por meio da inflaçom.

Hai que acrescentar que o uso real que se dá à riqueza assim confiscada é a sua entrega aos bancos (na chamada “barra livre de liquidez”), com o compromisso tácito de que a dediquem a financiar aos Estados (comprando déveda pública) e às multinacionais (investindo-o nas Bolsas).

Ainda que à primeira vista a emissom de dinheiro poda parecer umha soluçom mágica à falta de recursos, de facto é umha simples expropriaçom de riqueza, com o custo mui relevante de envilecer a divisa. E é quando menos curioso que a história demonstre que todos os impérios em auge cuidárom muito de manter umha divisa de qualidade superior à dos rivais (é dizer, de ouro puro), e todos os impérios em decadência recorrérom à astúcia de envilecer a sua moeda (adulterando-a com aleaçons de metais secundários).

2. A nossa posiçom: controlar o Euro ou libertarmo-nos dele?

O nacionalismo galego tem sustentado historicamente umha posiçom mui crítica com a Uniom Europeia, que sempre entendeu como umha ferramenta ao serviço dos Estados imperialistas e do Capital. Mas ao mesmo tempo pecamos de pouca imaginaçom à hora de concebermos um mundo no que nom existam estas mesmas ferramentas, e acostumamos a conformar-nos com ilusons de recuperá-las para o controlo popular. Tanto é assim, que nos aferramos a elas e até as identificamos, como faz Manuel Mera no seu artigo, com ideias tam formosas como “soberania monetária”, “controlo público”, etc.

Sejamos sinceros e claros: defender o Euro e o BCE nom é defender a soberania monetária. Defender o poder da Troika (BCE, UE e FMI) nom é defender o “controlo público da economia”. Da mesma maneira que defender o Estado espanhol nom é defender “o sistema democrático”, senom justamente o contrário. Os poderes estatais, ao menos no nosso continente, som inimigos do povo. Nom os únicos, é claro, mas sim os mais encarnizados, como a história nos tem demostrado e como sofremos dia após dia.

E se o nosso inimigo é a Troika, devemos tirar consequências e sermos coerentes. Porque a tarefa mais importante numha guerra é laminar o poder de acçom do inimigo, curtar-lhe os recursos, privá-lo das suas armas. No nosso caso, é de umha importáncia estratégica decisiva libertamo-nos da tirania do Euro, que nos submete ao ditado da Troika e nos obriga a financiar a sua maquinária em cada acto de compra-venda que realizamos a diário.

Na atualidade, vencidas já as ilusons de progresso e prosperidade que concitárom um grande consenso social durante os anos dourados da sociedade de consumo, o regime que combatemos mantém-se em pé unicamente graças a dous monopólios: o da força, com o que tem bem atemorizada à populaçom, e o da emissom de moeda, com o que confisca a riqueza que precisa para manter a flote a sua ranqueante economia. Os inimigos do regime fariamos bem em tomar nota da importáncia desse duplo monopólio, pedras angulares em cuja ausência o nosso adversário rodará polo chao.

3. O Bitcoin

Hai umha lei económica que afirma que, em igualdade de condiçons, “a boa moeda despraça à má moeda”. Num contexto de moedas tam envilecidas como o que vivemos, basta com que umha mercadoria tenham umha espreita de qualidades monetárias para que varra do terreno de jogo ao Euro (que nom tem qualidades monetárias boas, somente umha polícia que a defenda). E resulta que o Bitcoin é umha mui boa moeda. E a sua principal virtude, em oposiçom ao Euro, é que é escassa e nom sujeita a decisons de ninguém, nem sequera dos poderosos.

Para quem nom conheça, diremos que o Bitcoin é ouro digital, posto que o seu funcionamento e a economia que gera replicam o padrom ouro que regeu os mercados de todo o mundo até que Nixon provocou o experimento do dinheiro-déveda. O Bitcoin é um protocolo de software livre, que nom tem dono nem ninguém que decida o seu rumo, ao igual que o ouro nom se submete à vontade de nengum príncipe (ainda que estes procurem enganar aos cidadaos com aleaçons falsas). A base monetária do Bitcoin é rígida (21 milhons de moedas), ao igual que as reservas de ouro do planeta, e som postos em circulaçom a um ritmo regular e previsível por meio do que se conhece como “minaria”.

A dimensom política e estratégica do Bitcoin é colossal: retira ao nosso inimigo um dos pilares do seu poder sobre os povos. É a possibilidade mais verossímil de autonomia e poder popular que temos a curto prazo.

O Bitcoin tem, porém, os seus defeitos, como obra humana que é, alguns deles especialmente dolorosos para nós. Por exemplo, o alto custe energético que conleva, ao menos durante estes primeiros anos, e que adquiriu já umhas proporçons verdadeiramente ameaçantes. É verdade que a economia do dinheiro estatal, que alimenta a espiral do crescimento económico, é mil vez mais poluinte que a economia deflacionária do Bitcoin, mas nom podemos sentir-nos satisfeitos mesmo asssim.

Outras críticas que menciona Manuel Mera, como a sua aptitude para a evasom fiscal ou para a economia criminal, ou o seu uso na “especulaçom”, parecem-me muito mais desatinadas, mas nom entrarei a discuti-las nesta ocasiom por parecerme mui secundárias a respeito da questom central, que é, como ficou dito, o papel da moeda na relaçom de poder entre o povo galego e os seus inimigos.

Em qualquer caso, este é um debate que merece ser continuado com novas achegas. Espero ter contribuido a que realmente se produza, pois já está na hora de deixar de dar por sentado que o dinheiro seja umha simples ferramenta neutral para os intercámbios.