Por Pedro Cabán- “The conversation” (traduçom do galizalivre) /

Nos últimos noventa anos, três furacáns catastróficos esbatêrom Puerto Rico: San Felipe II em 1928 e San Ciprián em 1932 desencadeárom mudanças políticas e económicas na mais grande colónia americana, mudanças que pervivírom por geraçons. Porém, Puerto Rico continua a ser umha “possessom territorial nom incorporada” dos Estados Unidos, submetido ao plenário do Congresso. O governo de Puerto Rico exercita apenas aqueles poderes que o Congresso permite; por outras palavras, é ainda umha colónia.

Como professor de economia política que tem estudado a mudança sócio-política em Puerto Rico, eu acho que o Furacám Maria poderia ser outra linha divisória a redefinir o tratamento dos Estados Unidos face Puerto Rico.

A ilha negada.
Em 1928, as cousas nom corriam bem em Puerto Rico. Três décadas de governo colonial ianque transformaram-no numha vasta plantaçom de açúcar controlada por corporaçons ausentes, e umha prezada base militar para proteger o Canle de Panamá. Um estudo clássico de Puerto Rico analisou que “milhares estám subalmientados, ou a morrer de fome, enquanto os produtos da ilha achegam mais de 100 milhons de dólares por ano. A doença está presente em toda parte”.

Luis Muñoz Marín, possivelmente umha das figuras mais famosas de Puerto Rico, escrevera que a ilha virara numha “terra de esmolantes e milhonários…o segundo campo negreiro mais grande dos Estados Unidos”.

Os puertoricenses almejavam superar o sistema colonial responsável por tais sofrimentos. Em Abril de 1928, Félix Córdoba Dávila, delegado residente em Washington na altura, queixou-se de que na altura este povo “nom pedia caridade, mas direitos”.

Daquela chegou o furacám San Felipe II, de categoria 5. O Departameno de Guerra informou disto em 5 de Setembro de 1928: Puerto Rico “foi golpeado polo furacám mais devastador da sua história, e o produto de anos de empresa pública e privada foi desfeito numhas poucas horas”.

San Felipe II matou 312 pessoas; deixou meio milhom de puertoricenses sem lar e no desemprego: quase um terço da populaçom da ilha. Os danos à propriedade, estimados em 85 milhons de dólares da época nom tivo precedente. Dacordo com a Cruz Vermelha, nenhum sector económico ficou mais danado do que as plantaçons cafeteiras; perdêrom quase a totalidade da sua colheita, e Puerto Rico nom recuperou mais a sua prominência como exportador de café.

Os chamados do presidente Calvin Coolidge para contribuir para a Cruz Vermelha Americana gerárom mais de 3,2 milhons em doaçons. O Departamente do Guerra distribuiu víveres por valor de 500000 dólares e renomeou oficiais do exército, incluindo pessoal médico, para serem enviados à ilha. O Congresso estabeleceu umha comissom específica para o furacám, e em 1928 fornecia mais de oito milhons de dólares em forma de empréstimos para se reabilitarem as plantaçons, as construçons e os empregos. As autoridades dos Estados Unidos informárom que os puertoricenses estavam “cheios de energia e encorajados”, duplicando esforços para criar dos entulhos um novo Puerto Rico”.

Ao mesmo tempo, San Felipe II conduziu para umha oposiçom crescente contra o governo colonial ianque. Os nacionalistas e o Partido da Uniom abrolhárom como vozes críticas da política estadounidense. Muitos puertoricenses definírom a resposta do governo federal ao furacám como mera caridade que nom ousava alterar o regime de governo colonial e capital absentista -raízes da miséria de Puerto Rico.

Quatro anos depois, em Setembro de 1932, um furacám de categoria 4, o San Ciprián, golpeou mais umha vez Puerto Rico. Deixou 225 mortos e danos milhonários. Segundo o director da Cruz Vermelha, “o agudo e intenso furacám sobrepassa qualquer cousa que tenha visto na minha carreira”. San Ciprián intensificou a miséria que afligia Puerto Rico. Os mais dos seus habitantes viviam umha existência precária, e careciam dos recursos para sobreviverem a desfeita dum furacám.

O exército, organizaçons caritativas privadas, a Cruz Vermelha, a administraçom colonial e o governo federal intervinhérom para preverem umha catástrofe humanitária. Em Agosto do 1933, o Presidente Franklin Roosevelt criou a Administraçom de Ajuda para a Emergência em Puerto Rico, responsabilizando-a para “aliviar os desempregados da ilha”. O director da agência reconheceum a necessidade desesperada de ajuda, mas especificou que devesse ser apenas temporal. Os puertoricenses, escreveu “som um povo industrioso com desejo de trabalhar, e aversom nídia pola caridade e o auxílio”.

A criaçom da Agência supujo umha mudança importante na política colonial dos Estados Unidos. A escala e a severidade da crise humanitária fora além da capacidade da achega caritativa da Cruz Vermelha e de outras organizaçons, e daí a intervençom do governo federal.

Embora a Agência salvou vidas, nom tinha sólidos alicerces. O governador de Puerto Rico, Blanton Winship laiava-se em 1935 de que Puerto Rico “continua apenas a receber umha pequena porçom dos fundos aos que está autorizada por direito”. Os esforços de auxílio fixérom bem pouco para mitigarem o descontentamento político.

As exigências arredistas subírom de tom. Os puertoricenses denunciárom a corrupçom da administraçom colonial, que em oposiçom ao governo federal, blocava a reforma agrária e estava em maos do capitalismo absentista. As greves estoupárom em toda a ilha, por vezes virando violentas. A colónia estivo no limiar do colapso.

Ambos os furacáns fôrom um chamado ao acordar para as autoridades federais, cientes da falência do colonialismo. San Felipe II e San Ciprián pugérom em andamento um processo de reforma que culminou na “Commonwealth de Puerto Rico” em 1952. O governo recebeu assim, de maneira oficiosa, umha certa autonomia para gerir assuntos domésticos, incluída a economia.

Maria e o futuro de Puerto Rico.
A magnitude das perdas humanas causadas polo Furacám Maria é ainda desconhecida. N o momento de escrevermos este artigo, o número oficial de puertoricenses mortos por Maria ascende a 64, mas o New York Times vem de dar a lume umha reportagem apontando que pode haver 1052 pessoas falecidas. Moody’s Analytics, por seu turno, estimou os danos da propriedade em 55 milhons de dólares, e estimou umhas perdas para o futuro em volta de 40 milhons.

Mas a devastaçom física, desacougo e trauma impingidos na vida quotidiana da Ilha suponhem bem mais. A alcaldesa de San Juan Mayor, Carmen Yulín Cruz, atreveu-se a dizer que, de nom se solventar, a situaçom poderia conduzir para “algo semelhante a um genocídio”.

A resposta da administraçom Trump ante a crise revela que puertoricenses som tratados segundo modelos supremacistas e som subordinados atreu, mesmo apesar da sua cidadania estadounidense. As declaraçons de Trump, carregadas de racismo, venhem de ressucitar as há tempo dormentes caracterizaçons insultantes. O puertoricense careceria de capacidade vontade para se cuidar a si mesmo.

Maria também trouxo à tona a crise no interior da cindida política da ilha. Os partidos estatalistas e autonomistas pulárom durante décadas por resolverem o estatus político de Puerto Rico. Ainda que ambos os partidos partilham responsabilidade pola dívida em ascensom da ilha, e nenhum deles foi quem de deter o devalar económico do país. A enraizada pobreza, a crise da liderança e o tratamento contínuo de Puerto Rico como “estrangeiro num senso doméstico” por parte dos USA têm umha incomum semelhança com a situaçom de 1932.

Umha grande diferença entre agora e daquela é que Puerto Rico é intranscendente em termos militares para o mantimento da hegemonia ianque no hemisfério sul. Com o esfarelamento da URSS e a perda de influência cubana, os Estados Unidos nom têm rival geo-político nas Américas, polo que o valor militar da ilha tem-se esvaecido.

Para além disso, há décadas Puerto Rico perdeu a sua posiçom de privilégio como umha proveitosa sede extra-territorial para as companhias manufactureiras estadounidenses. Em meados dos anos 70, o trabalho intensivo das manufacturas foi deslocado por companhias intensivas em capital, incluídas as farmacêuticas que finalmente dominárom a economia. Tais empresas tirárom umha grande percentagem dos seus lucros globais em Puerto Rico através da transferência de preços, mais do que através do valor criado polo trabalho. Com efeito, o trabalho em Puerto Rico foi um elemento marginal e potencialmente excedentário (pronto para ser substituído por robôs) para a criaçom de riqueza.

Em consequência, a despopulaçom sem precedentes que se encetou trás a depressom de 2006 e que se tem acelerado desde o Furacám Maria deveria ter escasso impacto no crescimento económico. O desemprego continua em níveis altos, apesar da emigraçom de perto dum milhom de puertoricenses. O papel decadente de Puerto Rico no império estadounidense explica a pouca resposta que recebeu Trump na sequência da crise económica e humanitária que rui o país. A ironia, e o aparente mistério da economia colonial, é que Puerto Rico é o quinto exportador do mercado estadounidense.

Umha outra diferença crítica é que a diáspora de Puerto Rico tem emergido como umha força poderosa de maneira inesperada, nos ámbitos económico e político. Ela acodiu ao resgate da ilha, e está a pressionar activamente contra algumhas das mais restritivas políticas coloniais -a lei Jones, o programa “Promesa” e a inequidade dos programas federais.

Os e as puertoricenses que vivem ciscadas polos Estados Unidos estám a pressionar os seus responsáveis locais e o governo federal para umha maior assistência, e têm organizado umha campanha de alcanço para angariar fundos e doaçons para a sua terra. Como um editorial recente na imprensa de maior tiragem assinalava, “a diáspora é chave para a reconstruçom do país”. Quiçá o seja também para incidir no governo federal e resolver de vez o estátus político de Puerto Rico.