Por J. Paços e P. Fernandes Pastoriça /

O día do Medulio/con sangue quente e roxa/mercámo-lo dereito/ á libre honrada chouza!” Ramón Cabanillas.

Existe umha pergunta ainda sem respostar: como influírom os feitos militares na história da Galiza? Como afectárom a conformaçom da nossa identidade? Nem a história académica nem a divulgaçom galeguista debruçárom num tema considerado espinhento. Para o relato espanhol sobre a nossa Terra, somos um povo secularmente manso, consumido em pacífica resignaçom; para o culturalismo galeguista, apenas respostamos as desventuras com laios e versos. Porém, todo um relato oculto merece ser resgatado. Sem pretensons científicas, mas com vontade de rigor, iniciamos umha série de investigaçom amadora sobre as distintas geraçons de coterráneos que pegárom nas armas em capítulos fulcrais da nossa existência colectiva.

A lume e ferro no Douro.
Só nos últimos cinco anos, arqueólogos do projecto transnacional “RomanArmy” descobrírom no actual território galego dezassete campamentos militares romanos: distribuídos por toda a Galiza, os mais deles situados nas comarcas orientais e montanhosas da nossa Terra. Som o testemunho material do que as crónicas vinham afirmando: a ocupaçom da Galiza, com o seu momento álgido nas “Guerras Cántabras”, foi umha empresa militar difícil, de mais dum século, acometida a lume e ferro com todos os meios possíveis.

Nom foi doado para o Império pôr de joelhos a civilizaçom galaica, um conglomerado de tribos atlánticas com alo menos 800 anos de história continuada. Roma demorou mais dum século em assimilar essa populaçom, assente na arquitectura única dos castros, em momentos nos que o resto da Península tinha caído baixo o poder mediterráneo. Nas crónicas do historiador Paulo Orósio regista-se a adversidade que Roma topou nos nossos montes. Também Ovídio, Estrabom ou Plutarco recriárom este sucesso bélico.

No ano 137 a.C., Décimo Júnio Burto lançou umha feroz campanha para punir os celtas galaicos, empenhados em auxiliar os lusitanos. Os relatos imperiais falam dum exército de tribos confederadas de até 60000 homens nas ribeiras de Douro. Tam significativa foi a sua derrota para Roma, que Bruto voltou à sua pátria com o alcume do “Galaico”. Ainda, os devanceiros dos actuais galegos e galegas manteriam a Roma por uns anos ao sul do Minho. Na altura, o Império derrotava o caudel luso Viriato e a cidade hoje soriana de Numáncia.

Se bem nom se repetiu um episódio bélico de tal envergadura, vários dirigentes romanos lançárom novas expediçons cara o norte: Craso, Quinto Sertório e o próprio Júlio César, de quem se diz que puido desembarcar na Corunha no século I a. C para controlar a rota do estanho.

Realidade e lenda do Medúlio.
A testudez e singularidade galaicas explicam o capítulo mais cantado e mitificado do nosso símbolo antigo por excelência, o monte Medúlio. A campanha de César Augusto contra a Gallaecia recrudesceu-se durante quinze anos, até o 24 a. C. Roma nom pode declarar a sua “pax romana” até ano 23 a.C. embora exista umha resistência isolada nos montes orientais da província.

Augusto tinha ordens do senado para submeter de vez os indígenas galaicos. Até treze legions som enviadas à nossa terra para tal propósito no ano 26 a. C. Numha campanha que os próprios cronistas reconhecem como accidentada, o emperador cede o mando militar aos seus filhos Tibério e Marcelo. Som eles os responsáveis directos por esta batalha de enormes dimensons e de crueldade difícil de imaginarmos.

A batalha do monte Medúlio decorreu no ano 22 a. C. Os exércitos romanos liderados por Furnio e Carissio sitiárom o bastiom da última resistência galaica com um foxo de 30 kilómetros de diámetro. O suicídio -provavelmente ritual e com folhas de teixo- dos rebeldes nunca realmente derrotados acadou categoria de mito fundacional para a causa galeguista.

Mas onde se localiza o Medúlio? Para certos investigadores como Orlando Álvarez, o Medúlio seria o actual Monte Cido caurelao, que derivaria do latino “occidio”: matança, carnificina. Para defenderem esta tese, os pesquisadores assinalam a sua condiçom de zona aurífera, a existência de restos dum castro totalmente baleirado, ou o achádego dumha águia imperial no Courel (segundo a lenda, os romanos perdêrom este emblema na batalha).

Independentemente da localizaçom, assim narram os propagandistas romanos os feitos:

“Quando os bárbaros se vem reduzidos a extrema necessidade, a mantenta, no meio dumha troula, dérom-se a morte com o lume, a espada e o veleno que lá costumam extrazer dos teixos. Assim, os mais livrárom da cautividade, que a umha gente até daquela indómita semelhava mais intolerável do que a morte” (Lucio Anneo Floro).

As crónicas também falam de prisioneiros horrivelmente crucificados, queima de castros menores e trabalhos forçados nas minas dos indígenas sobrevivintes.

Outras teses situam o Medúlio nas Médulas bercianas, dada a filiaçom toponímica e o seu conhecido papel no fornecimento de ouro para o Império; e em lugares tam dispares como Tui, Ribas de Sil (assim fixera o ilustrado Lucas Labrada) ou a Serra da Lastra. O topónimo Medúlio aludiria a ‘Médula’, isto é, um monte oco, como só se topam neste cordal calcáreo da Galiza. A sua proximidade ao Minho-Sil, referenciada por Orósio, também ratificaria a tese da Lastra, por palavras de Vicente Fernández Vázquez.

Mas o realmente significativo do episódio do Medúlio é a sua extraordinária pervivência na memória galega (incluindo as comarcas da Galiza oriental). Em 1894, Álvarez de la Braña recolhia um romance popular cujas origens situava no século XIII. Alguns fragmentos trazem-nos ecos arcaicos e transladam-nos com arrepio ao vivido naquela Gallaecia: “Do foron os homes/fillas et peculio?/intra nostras cobas/ do Monte Medulio. E poi o Romao/ a morrernos veu/ morran elos, canes/ nas covas do Momau.” Nesta fonte anónima, nom seriam os resistentes os que se dam morte, senom os próprios romanos que queimam os homens e escravizam as mulheres.

Assimilaçom e colaboracionismo.
O que segue é sabido: como em todo processo de assimilaçom, Roma valeu-se da colaboraçom de elites autóctones. Entre o 64 e o 70 Vespasiano converte em romanos quase médio milhom de “galaicoi”, segundo conta Plínio O Velho. A língua, o direito, o arado, a exploraçom agrária em vilas, som heranças romanas.

Desde finais do século XX sabemos com algo mais de precisom sobre os acordos de Roma com as tribos colaboracionistas graças ao achádego do Edito do Berzo ou Táboa de Bembibre, que estabelece trato de favor com os Susarros; estes eram leais a Roma num panorama de dissidência generalizada ainda no ano 15 a. C, o que mais umha vez patenteia as contradiçons da ocupaçom.

E como soi acontecer, menos se sabe dos derrotados e perseguidos umha vez que o seu facho se apagou. Porém, existem investigaçons que demonstram o envio de soldados galaicos, assimilados ou punidos, às campanhas mais duras do Império em terras do Danúbio.