Por José Manuel Lopes Gomes /
A denúncia nom é nova, senom mais bem um lugar comum do independentismo e da esquerda. O novo é que a formule um ex-tenente coronel do exército espanhol. Chama-se Luis Gonzalo Segura e vem de publicar “El libro negro del Ejército español”. Anteriormente iniciara a sua empresa crítica com a obra “Un paso al frente”. Com sucesso de público e certa expectaçom mediática, Segura está a apresentar a obra, exponhendo posiçons valentes que, tristemente, confirmam as piores diagnoses do arredismo sobre o exército que ocupa a nossa Terra.
A obra que escreveu é absolutamente pioneira no mundo militar, pois atreve-se a submeter a exame desde o interior umha instituiçom intocável no ordenamento político espanhol. Sem hesitar ao qualificar a cúpula do exército de “eminentemente franquista”, vencelha a instituiçom com as suas homólogas em países de governo autoritário: sem sindicatos, privados de direitos e liberdades, os membros do exército agem apenas como garantes incondicionais do regime político.
Sociedade cúmplice.
Numha interessante reflexom, Segura aponta que a pervivência dumhas forças armadas como estas só pode ser explicada por certa conivência social; pois se a sociedade do Estado espanhol estivesse realmente imbuída de valores democráticos, logo chocaria com o “seu” exército. A título de exemplo, o ex-tenente assevera que umhas forças armadas como as espanholas num país como Suécia rematariam por chocar directamente com a populaçom.
Segura é claro: “temos um exército franquista para umha sociedade franquista. Franquista 3.0., mas franquista ao cabo.”
Corrupçom.
A toleráncia hispana com o exército -relacionada com umha longa ditadura- explica também que nom estoupem duras controvérsias com sucessos tam graves como o conhecido accidente do Yak-42: motivado por um aviom que nom passava nenhuma revisom de segurança, e que serviu para desvendar mentiras governamentais, irregularidades com os seguros, baleiros nas partidas orçamentárias…quinze anos depois dos feitos, os responsáveis continuam sem aparecer.
Trata-se, segundo Segura, da ponta do icebergue dumha corrupçom de maior alcanço.
Só ameaças?
Ao contrário que nos anos da Reforma política, os meios de comunicaçom empresariais fam-se um eco escasso das veleidades intervencionistas das forças armadas. Mas isto -esclarece Segura- nom supom que tais veleidades esmorecessem.
Há pouco tempo, o general Jaime Domínguez Buj afirmou: “quando o governo central é fraco, as colónias rematam por independizar-se”. E o general Mena, em plena polémica polo “estatut” catalám, aludiu ao título VIII da Constituiçom, esclarecendo que tocava ao exército assumir, chegado o caso, o controlo da situaçom na Catalunha. Segura nom duvida que, entre os poderes fácticos que pressionárom o governo para a aplicaçom do artigo 155, estiveram as forças armadas.
Silêncios e timidezes no avanço do fascismo.
Numha entrevista concedida recentemente a um meio aragonês, Segura exemplificava com um caso conhecido o ambiente ideológico reinante no exército espanhol: as ameaças ultras à alcaldesa de Madrid num chat da polícia municipal. Embora as inxúrias procediam apenas dum grupo de seis agentes, praticamente todo o resto das cem pessoas do grupo de wasap calárom e outorgárom. Por quê? “Porque som o grupo dominante, diz Segura, e enquanto calares e te situares nesse bando nom tens problema nenhum”. Em qualquer caso, no exército, continua o ex-tenente, há mais dessa pequena cantidade de extremistas, pois umha cantidade importante da tropa secunda mandos com ideologia franquista e até mesmo simpatias nazistas.
No caso das forças armadas, afirma o ex-tenente coronel, si que se pode falar com toda propriedade de casta: apelidos que se remontam mesmo três séculos atrás, e que mantenhem posiçons hegemónicas no exército espanhol.
As consequências de ser valente.
De qualquer jeito, o mais importante da postura de Gonzalo Segura nom som as teses defendidas: é um exemplo pessoal tam extranho nesta sociedade que só pode concitar admiraçom. Apesar de pedir perdom, com extrema humildade, por “ter demorado tanto em deixar o exército”, representa o raro caso de indivíduo que deixa um trabalho e um salário fixos em nome da consciência e dos valores. Segura, segundo confessa, deixou de perceber os 2000 euros mensais que recebia como oficial, e também viu esmorecer o “prestígio social que dá ser militar”.
Mas nom só: padeceu a prisom militar e aguantou 22 dias em greve de fome. A acusaçom, “romper a disciplina e pôr em risco a segurança nacional”. Hoje, depois de se rebelar contra a instituiçom e deitar luz sobre as suas suciedades, ainda recebe insultos e ameaças.