Por Florentino López Cuevillas (adataçom ortográfica do galizalivre) /
Há quase cem anos que um galeguista, num atisbo quase premonitório, se perguntava que seria dumha Terra sem auga, equiparando a natureza esmorecente à identidade em recuo. Foi no seco Verao de 1926, sem se poder imaginar que um século depois Galiza enfrentaria o colapso ambiental que iria pôr em causa o bem estar das gentes e os traços mais senlheiros do nosso ser.
Desde os primeiros do mês de Santiago, o sol é rei no céu galego. Nem umha nuvem, nem umha brétema. Quando devagar e com medo, um lixo branco pousa no azul, o sol sem piedadade desfai-no, esparege-o. Polo dia, a luz cega; polos seraos, há labradas rejas no poente. A terra é pó miúdo coma cinza, os lameiros estám doentes de icterícia, as penedas botam lume como se lembrassem os primeiros dias do planeta; e até as folhas das árvores murcham-se com umha cor vermelha de doença, bem diferente da cor amarela e esperançada que lhes dona a outoniça.
Este sol nom é o nosso sol, é um sol alheeiro, um sol castelhano. Castelhano como a fala dos nossos burgueses, como a alma dos nossos mandons. Um e outros zugam o zume da terra, estragam e matam.
Passei há pouco polo vale do Salnês, e quase nom reconhecim a sua fase de ledo amigo do vinho. As folhas das cepas penduravam tristeiras cara o chao; as canas do milho, decote ergueitas e lançais, cangavam-se ancoradas pola sede. Na longania, nas abas dos montes, brilhavam fogueiras de incêndio.
Quem dixo que o sol era ledice? Noutras terras quiçais, mas na nossa nom. Aqui som ledice as nuvens mestas bem prenhadas de chuva, as névoas esfarrapadas nos outeiros, a auga a bater maina no chao mol, a humidade criadora de ouricelos nas penedas e nas pedras lavradas. É ledice a luz morna, a lentura tépeda, mae amante das pedras, princípio fecundante das nossas sílices.
Pinheiro de Heines, que morrias de saudade por umha palmeira! Eras a mais parva das árvoras, ou eras um tolo namorado da morte.
Mar de Arousa, Mar de Arousa! Nom dis que es nosso? E se es nosso, se tês o nosso espírito, como nom te sentes magoado por ter que reflectir, um dia e outro dia, este sol que nos traz a fome, que nos pode trazer a peste? Nom gostas melhor de olhar no teu espelho aqueles céus de nuvens cambiantes e tam formosas? Lembras-te delas? Eram às vezes rizosas e bucólicas, dispunham-se outras em sucos direitos e paralelos, imitantes às que se fam na tua forja quando sopra o vento. Lembras-te? Nom gostavas ti daqueles céus cincentos, que te enchiam a ti de doce melancolia? E daqueles outros mouros, amoreados, roxos de lôstregos que tanto prestigiavam a tua sona temerosa? E se amas esses céus, Mar de Arousa, que fas que nom mandas as tuas augas encol dos nossos eidos? Que fas que nom baleiras a tua fartura para acorrer a nossa necessidade?
Mar de Arousa, é que já nom es o nosso irmao? É que es já um mar doméstico, preocupado com o turismo como um hostaleiro? É que queres imitar-te ao teu curmao o Mediterráneo, e gabacheas como ele de cor azul, de brilho e de sol?
Pobrinhos os rios! Os mais pequenos morrêrom já. As fervenças dos outros calárom com a sua leda cantiga, e os moinheiros esquecêrom as noites afrodíticas dos moinhos. Devagar, devagar, só escoam por entre as pedras das presas fios de auga, tam miúdos, tam febles, que semelham as bágoas dum neno. Onde foi, ouh rios, a vossa força de viageiros arriscados? Tristeiros, mudos, a vossa auga encora nas chas e fede porque, falta de aços para caminhar, morreu com a saudade do além.
E ainda os grandes rios da nossa terra: o Minho, o Sil, o Ulha, que devecidos, que pobres! De cada dia, o vosso leito afunde-se mais, como se andássedes a abrir a vossa própria sepultura.
E ti, gabacha fonte do lugar, amiga das moças e dos parrafeos, e ti fontinha humildosa da gándara, consolo de pegoreiros, casa florida da moura encantada, que sentides ao olhardes estinhadas as vossas augas?
Que vai ser das nossas moças, quando a fonte do lugar nom cante nas ondas? Que vai ser da moura encantada, quando a fontinha da gándara for apenas umha cotra reganhada?
*Extrazido de Cuevillas, F.: Prosas Galegas, Galaxia, Vigo, 1982.