Por Júlio Teixeiro/
Na sua primeira acepçom, no dicionário Priberam, a definiçom da palavra “senhoriagem” tem inequívocas conotaçons medievais: Direito que se pagava em reconhecimento do senhorio. Umha ideia jurídica que, embora a evoluçom da língua e da sociedade, surpreendentemente vigorante até os nossos dias. De facto, o Banco Central Europeu (BCE), define o signficado do termo “senhoriagem “ do seguinte jeito:
esta palavra pouco habitual refere-se a algo muito comum: as notas de banco na sua carteira. Sabe de onde vêm? As notas de euro som desenvolvidas pelo BCE, produzidas em centros de impressom de notas e, entom, armazenadas nos cofres dos bancos centrais nacionais. Chegam às suas maos por via dos bancos comerciais, que pagam ao respetivo banco central o valor facial das notas. Para tal, normalmente os bancos precisam de solicitar um empréstimo ao banco central ou de apresentar alguns dos seus ativos como pagamento. No processo, o banco central aufere juros sobre os empréstimos que concede, ou recebe rendimentos com os ativos que adquire, sendo estes proveitos os designados “rendimentos de senhoriagem”.
Segundo isto, pois, a senhoriagem consiste no direito exclusivo dos bancos centrais de estabelecer a diferença, e beneficiar-se dela, entre o –ínfimo- valor real das notas ou das moedas, ou dos apontamentos contáveis nas contas bancárias, e o seu valor nominal, mui superior. Todos os bancos centrais gozam deste direito ainda que, em realidade, nom todos na mesma medida. Porque, no sistema monetário mundial, nom todas as moedas som iguais.
Por exemplo, di-se que umha moeda nom é conversível quando nom é aceite, como meio de pagamento, nas transaçons internacionais. A economia dum país cuja moeda doméstica se encontrar nesse caso, precisará, para pagar as importaçons, divisas conversíveis que, de nom sair das exportaçons, terám de se obter mediante endividamento. Umha dívida que, em última instáncia, traduzirá-se ao final em rendimentos de senhoriagem.
Além do anterior, outra forma de desigualdade entre as diferentes moedas tem a ver como o facto de, algumhas delas, serem moedas de reserva e outras nom. Na época do dinheiro‑mercadoria, a fabricaçom de dinheiro estava limitada pola disposiçom de reservas em ouro ou prata nos cofres do banco emissor. Os acordos de Bretton Woods mantiverom o vínculo entre o dinheiro, nas suas diversas versons monetárias, e o ouro; mas imponhendo o dólar americano como mediaçom. Com a rotura destes acordos, deixou-se, o valor das moedas, flutuar livremente segundo as circunstâncias do mercado. Contudo, como consequência de Bretton Woods, o dólar americano consolidou-se como principal moeda de reserva do mundo. Destarte , hoje, mais do 60% das reservas internacionais de divisas son dólares, e o 20% euros; o resto repartem-se entre as principais moedas conversíveis como som o Ien ou a Libra. Esta é, pois, a segunda forma na que, graças á procura constante de dólares (ou euros), se multiplicam os rendimentos de senhoriagem.
Em terceiro lugar, a potência de fogo para a expansom monetária depende, em boa medida, da sua conversiblidade e reservabilidade. Os bancos centrais, obedecendo a interesses nacionais, mercam a dívida dos estados para impulsionar o crescimento do PIB e manter controlado o desemprego. Isso é o que estivérom a fazer ultimamente, de jeito maciço, tanto o a Reserva Federa dos EUA como o Banco Central Europeu. O normal, quando se injectam grandes quantidades de dinheiro numha economia, é que se produza inflaçom; isto é, que a moeda se desvalorize. Mas, no caso das grandes moedas de reserva, isto nom acontece nem doadamente nem imediatamente porque, os bancos centrais que acumulam reservas nessas moedas, intervenhem comprando grandes quantidades das mesmas para impedir a depreciaçom das suas reservas. Esta é umha outra forma de senhoriagem, em virtude da qual muitos países financiam as políticas econômicas dos EUA ou da UE.
Recentemente saiu publicado, no Diário Liberdade, um artigo do (sempre polémico) economista americano F. William Engdahl, no que se explicava como a China e a Rússia estám a impulsionar projectos de infraestruturas ferroviárias na Ásia, capazes de gerar de 2,5 bilhons de dólares de comércio anual, com a finalidade de estabelecer umha área monetária euro‑asiática na que o rublo e, sobretudo, o iuan chinês se tornem moedas de reserva em substituiçom ‑fundamentalmente‑ do dólar. Como interpretar isto? Só hai umha maneira: a China e a Rússia tencionam proteger a sua soberania mediante a política monetária.
Nom o esqueçamos, os termos senhor e soberano ‑portanto também senhoriagem e soberania‑ têm óbvios relacionamentos históricos, em virtude das suas origens, e semânticos, polos conteúdos que representam. O senhor tem o poder econômico de cunhar moeda, mas também tem o poder político soberano, isto é, sobre todos (super omnia). Mas, além da etimologia, as implicaçons de ambas ideias som também paralelas. Do mesmo jeito que os tipos e graus de senhoriagem som diferentes dependendo da moeda da que falarmos, também os tipos e graus de soberania som diferentes dependendo do país ou do Estado. Ainda mais, o grau de senhoriagem relativo a umha moeda é proporcional ao grau de soberania dos sujeitos que a sustentam. Eis os conflitos Grécia vs. UE/Alemanha, ou Catalunha vs. UE/Espanha; conflitos de soberania no que a senhoriagem, no sentido monetário, está mais que presente.