Por Glòria Casas Vila (traduçom do galizalivre) /

A prostituiçom é um dos temas que gera mais debate no movimento feminista, cindido em duas posiçons opostas: a regulamentarista ou pró-trabalho sexual, que defende a normalizaçom da prostituiçom na nossa sociedade, e a abolicionista, que sostém que é prostituiçom é incompatível com a igualdade entre homens e mulheres. Kajsa Ekis Ekman (Estocolmo, 1980), defende a segunda posiçom e argumenta-a desde a teoria feminista e marxista.

Ekis Ekman é jornalista e ativista sueca, e escreveu dous livros: ‘O ser e a mercadoria. Prostituiçom, ventres de alugueiro e dissociaçom’ sobre a prostituiçom, e ‘Ventres de alugueiro (a maternidade subrogada)’, escrito em sueco e traduzido para o inglês e para o francês; também ‘Stolen Spring’, sobre a eurocrise económica vista da perspetiva da Grécia.

Kajsa tem participado na criaçom de diferentes coletivos feministas, como Feminist Against Subrogacy. (…)

Por quê escreveche sobre a prostituiçom e os ventres de alugueiro?
Eu venho da teoria e da prática. De feito, todo começou em Barcelona, onde vivim nos anos 2005 e 2006, a conviver com umha mulher russa que se prostituía na estrada. A sua vida estava muito longe da ideia que se nos oferece da prostituiçom como o ato dumha mulher forte, a saber o que quer, que ganha muitos quartos e que o faz para sair da pobreza. Ela fundia-se mais e mais na pobreza e também no alcolismo. Trazia os proxenetas à morada, que também tentavam convencer-me a mim para ir com eles. Retornei a Suécia e quando voltei de visita a Barcelona, dali a um tempo, ela morrera por causa do alcolismo; apenas tinha 30 anos.

Naquela altura xurdia mesmo todo esse discurso de “a prostituiçom é liberdade”, “a prostituiçom é feminismo”. Como sabia que, alo menos no seu caso, e no caso de tantas outras que cheguei a conhecer, nom era assim, pugem-me a ler todo quanto se escrevera sobre a prostituiçom e decidim-me a escrever o livro, que é mais teórico.

Era o momento em que xurdia todo esse discurso de “a prostituçom é liberdade”, a “prostituçom é feminismo”. Como sabía que, polo menos no seu caso, e no caso de tantas outras que cheguei a conhecer, nom era assím, puxem-me a lêr todo o que se escrevera sobre a prostituçom e decidim escrever o livro, que é mais teórico.

Como definirias tu a prostituiçom?
Na verdade é muito simples. É sexo entre duas pessoas: entre umha que quer, e a outra que nom quer. E desde que o desejo está ausente, o pagamento substitue-o. Tal desigualdade do desejo é a base de toda forma de prostituiçom, quer dos serviços de escort de luxo quanto da escravatura moderna que se produz com a trata de pessoas. O dinheiro permite obter um consentimento ao comprador, e isso amossa ainda mais que a outra parte tem umha relaçom sexual, ainda sem a desejar. Nom se importa todo o que se dixer ou se fixer para agochar este feito porque, se houver desejo mútuo, nom iria haver pago nenhum. Por isso a prostituiçom é inimiga da libertaçom sexual, do desejo recíproco, do prazer partilhado.

Que te levou a tratar também a maternidade subrogada, os (mal) chamados “ventres de alugueiro”?
Para defender os ventres de alugueiro utilizam-se os mesmos argumentos que com a prostituçom: umha mulher pode fazer o que quiger com o seu corpo, é a sua decisom, gana dinheiro, pode sair da pobreza… Entende-se que todo o mundo tem direito a ter sexo ou a ter filhos e filhas, embora nom existe nenhuma convençom da ONU nem nenhum outro texto legal a dizer tal cousa. Eu acho que aqui temos duas indústrias, e que as duas vendem o corpo das mulheres a modo de produto: no caso da prostituiçom, é o sexo, sexo sem filhos ou filhas; no outro é o contrário, filhas sem sexo. Topamos a velha dicotomia entre puta e virge, duas indústrias agora no mercado, e eu digo que isso é totalmente incompatível com a igualdade de género e a emancipaçom da mulher.

No teu livro falas dumha campanha que se fijo em Barcelona baixo o lema “Eu também som puta”. Como explicas que umha parte do movimento feminista reivindique a palavra?
As mais das pessoas a reivindicarem-na nom som prostitutas e, portanto, reivindicam umha palavra que nom tem nada a ver com elas. Ti, como branca ou heterossexual, nom podes reivindicar as palavras “preto” ou “marico”. Nom che pertencem. Acho que reivindicar a palavra puta é umha espécie de fetichismo, vê-se como um tipo de empatia, e na realidade é mais umha mostra mais da distáncia com a realidade da prostituiçom. A palavra puta nom é umha criaçom feminina, senom umha invençom masculina. O patriarcado define as mulheres em funçom da sua sexualidade. Se chamas a umha mulher puta, nom vês que é um ser humano. É como dizer “Ah! Ti és puta, eu respeito-te porque és puta”. Mas esta mulher nom é puta, antes de sê-lo era umha meninha que quiçá tinha sonhos, que quiçá queria fazer umha outra cousa. Se ti perguntas: “Queres que a tua filha seja umha puta?”, nengumha prostituta che responderá que si.

Por quê crês que hai sectores muito amplos das esquerdas e o feminismo a defenderem a prostituiçom?
O discurso a favor do trabalho sexual convenceu as feministas com o argumento de que a prostituçom é o resultado do feito de as mulheres disponherem livremente do seu corpo. À gente de esquerdas, di-se-lhe que a prostituta é umha trabalhadora, umha sindicalista; aos liberais, di-se-lhe que é umha questom de liberdade pessoal e que a prostituta é umha empresária do sexo; à gente dos movimentos LGBT e queer, di-se-lhe que as prostitutas som um grupo estigmatizado como os homossexuais. O discurso pró-trabalho sexual tenciona apropriar-se do tema central de todas as ideologias para se infiltrar em todas as esferas da sociedade. Tem a propriedade incrível de combinar a ideia de revolta (os oprimidos e oprimidas contra o poder) com o capitalismo (a liberdade de vender). A prostituiçom está rodeada de mitos que nos impedem ver a tragédia de um ser humano a comprar a outro. Um ser humano reduz a um outro ser humano ao estado de objecto, de mercadoria: “Compro-te. Existes para me satisfazeres”.

Sabemos bem pouca cousa da lei integral sueca (de nome Kvinnofrid, de ‘a paz das mulheres’), que penaliza os clientes da prostituiçom por primeira vez na historia. De onde vem e por quê se promulgou?
A lei basea-se nas investigaçons que se começárom a fazer-se no ano 1977. Realizárom-se muitas entrevistas com mulheres que se adicavam à prostituiçom e nom só com elas, senom também com os clientes e todas as pessoas relacionadas com esta atividade. As investigadoras deixárom os gabinetes e estivérom a fazer trabalho de campo durante três anos para comprender como era esta realidade na Suécia. O resultado foi um informe de 800 páginas, 140 das quais tratam sobre os testemunhos das prostitutas. A investigaçom foi umha bomba e mudou a orientaçom de todas as pesquisas escandinavas –e mais tarde, mundiais-. Desde entom, a prostituçom –da mesma maneira que a violaçom- é umha questom de política de género. E a partir dessa enquisa comezou o trabalho que 20 anos mais tarde resultou umha lei, segundo a qual (pola primeira vez na historia) a prostituiçom nom se define por quem vende, senom por quem compra.

Quais som os resultados 15 anos depois da sua aprovaçom?
O primeiro que cumpre saber é que a lei sueca nom está feita para combater a prostituiçom, o mesmo que a lei contra os homicídios nom está feita para medir se há mais ou menos assassinados. A questom é mudar as normas na sociedade: comprar sexo é um direito ou nom? Ao longo da história, a prostituiçom sempre se proibiu de umha maneira ou outra, mas sempre se penalizou a pessoa que vende sexo. Mesmo na Alemanha, onde a prostituçom é legal, multaram-se te o fas acarom dumha escola ou dumha igreja.

Na Suécia em troca a venda do sexo está completamente despenalizada, nom te vam multar nem te vam encarcerar, nom se importa onde te prostitúas, nom che vai passar nada; o que fam é multar ao cliente. A lei di que quem comete o acto de prostituiçom nom é a mulher, a prostituta, senom o seu cliente. É o responsável, ele tem a opçom.

E que sabemos dos resultados da lei? 
No ano 2010 fixo-se um estudo e viu-se que há menos homes que compram sexo: antes, fazia-o um de cada oito homes, agora um home de cada 13 – no Estado espanhol é um homem de cada quatro. Claro está que há suecos que vam a Tailándia a comprarem sexo, mas nom vam cada dia. No que diz respeito à opiniom da populaçom sobre a lei, entre o 70% e o 80% da gente está a favor, dependendo do estudo. Também amossa que temos muito pouca prostituiçom, por exemplo, se a compararmos com a Dinamarca – onde a prostituiçom é legal. Dinamarca é um país muito mais cativo e conta com 10.000 prostitutas, com respeito às 1.000 ou 2.000 da Suécia. Os jovens suecos de hoje pensam que o que paga por sexo é um ser patético que nom pode conseguir umha mulher. Nom podes aprovar umha lei assim e creres que o resolve todo. Há que contar a cantidade de prostitutas que há e saber de onde venhem , se estam em maos de máfias e redes internacionais… A trata de pessoas deloca-se muito rápido. Por exemplo, na Suécia, tínhamos mafias da Nigéria, mas rematarom deslocando-se a Noruega; e quando Noruega aprovou umha lei como a sueca liscárom para Dinamarca. Deslocam-se, é claro; porém, se esta lei se extende por toda Europa, onde irám?

Além das medidas penais, que outro tipo de medidas achega a lei?
Na Suécia temos casas de acolhida onde te ajudam com terápias psicológicas e recursos para procurares trabalho. Existe um trabalho social importante por fazer: se houver mais prostituçom, há mais trabalho social. Mesmo se optas pola legalizaçom, cumpre fazer muito trabalho social porque a prostituiçom acompanha-se de miséria, drogadiçom e alcoolismo.

E como vês o trabalho social que se fai para ajudar as mulheres a prostituir-se de maneira mais profissional, dando-lhe preservativos, etc.? 
Dim que reduzem o dano (harm reduction). Segundo a minha opiniom nom é tal. Se ti estás com cliente e este che bate, de que che serve ter um preservativo? Se depois sofres estrês postraumático, se sofres porque nom podes sentir umha parte do teu corpo, se sofres porque te violárom tantas vezes… de que serve um preservativo? Para mim a reduçom do dano é a reduçom da prostituiçom.

Mas há ONG que também dam brochuras com conselhos para respostares diante de um cliente violento, por exemplo.
Imagina-te que trabalhas num gabinete de correios e dim-che: “Se che bate o cliente fai isso; se o cliente te viola, fai aquilo”. Este tipo de trabalho ia ser legal? Se é tam comum? Nom o creio! Um trabalho onde sofres umha taxa de mortalidade 40 vezes mais elevada que em qualquer outro trabalho nom ia ser legal, todos os sindicatos estariam em contra. Mas, no caso da prostituiçom, os supostos sindicatos dim: “Adiante, muito bem. Fantástico!” É como em ‘O mundo ao revés’ de Galeano. A prostituiçom é o mundo ao revés. Qualquer sindicato diz: “o nosso trabalho é muito duro, tratam-nos mal…” e tencionam demonstrar que é umha tarefa perigosa, que se teriam que reduzir as horas, aliás de luitar contra os patrons da indústria. Os supostos sindicatos da prostituiçom dim: “o nosso trabalho é fantástico, nom sofremos”. Dim que a zona vermelha de Amsterdam tem que estar aberta as 24 horas do dia. Eu perguntei-lhes se algumha vez tiveram um conflito laboral e respondêrom-me “Nooooom!”

Que há por trás dos “sindicatos de trabalhadoras sexuais”?
O movimento global do trabalho sexual tem a mesma estrutura por toda parte. Som grupos de 3 ou 4 pessoas em cada país, com muito poucas pessoas que realmente estám na prostituiçom. Sempre os solicitam para falarem com os meios de comunicaçom. Depois há algum académico, trabalhadores sociais, sex liberals, gente queer que lhes dá apoio. Na Inglaterra som os proxenetas, patrons das agências de escorts, ou na Holanda, ou o Estado mesmo, quem financiam este movimento.

No livro explicas o paradoxo que supom o feito de a prostituiçom ser reivindicada como um trabalho, mas, na prática, ter que agochar-se que é um trabalho…
Eu digo que a prostituiçom é umha mentira. O homem que compra sexo, que quer? Quer umha mulher que actue como umha trabalhadora? Nom! Porque umha trabalhadora mira o relógio, está pendente do fim da jornada. O home que compra sexo quer umha mulher que esté sempre pendente dele, alguem que, umha vez recebe o dinheiro, actue como se estivera numha cita normal. Ela tem que fazer que o cliente esqueçaa que é umha prostituta e tem que convence-lo que está alô porque está muito quente, de que tem orgasmo trás orgasmo. Os homes crem isso! Se vas a internete a ver foros de putanheiros, dim: “Ah, olha, esta mulher correu-se quatro vezes”. E pensas: Que imbécil! Como podes crer que se correu quatro vezes se seguro que estava pensando noutra cousa? É obvio que, para ela, é muito difícil e aquí é onde começa a dissociaçom, a reificaçom. Porque ela tem que agir como se estivera numha cita normal, mas à vez, tenciona apagar-se, nom penar e nom sentir porque, se nom age assim nom aturará a prostituçom. É umha estratéia de autodefesa.

No livro falas da dissociaçom na prostituiçom, por quê?
Porque todos, todos os estudos internacionais sobre a experiência da prostituçom amossam isto, a dissociaçom. Se lês testemunhos da prostituçom, nom se importa se a mulher está a favor ou em contra, sempre dim o mesmo: que nom pensam em sexo quando exercem, que pensam noutra cousa porque, se nom fora assim, nom ia aturar ter dez clientes ou mais ao dia. E claro está, remata nom tendo sexo. Por isso a mulher prostituída é a mulher mais assexual que existe.

Também explicas que há setores a minimizarem a realidade da trata de pessoas, como Laura Agustín. Como é isto possível?
Agustín di que “a trabalhadora sexual migrante é muito afortunada porque é super cosmopolita” e que, se está fechada nalgures “ela prefere isso porque pode pasar todo o día a ganhar dinheiro”. É muito forte, é dum cinismo imenso. Primeiro de todo, a diferença mais importante entre a prostituiçom e a trata de pessoas é que a vítima deste segundo sistema nom ganha dinheiro. É umha escrava, nom ganha nada, mentras que a prostituta quiçá fica com um pouco lucro, se tem proxeneta. Esta escravitude, a trata, é umha consequência da prostituçom e isso é muito óbvio. Há muito poucas indústrias – nomeadamente hoje, quando há tanto paro e tanta migraçom- que tenham que sair a sequestrar pessoas, verdade? As mais das indústrias tenhem gente aguardando topar trabalho e nom tem que gastar dinheiro para ir à Ucraína ou a Roménia a sequestrarem gente. Este feito amossa-nos de que trabalho se trata. Muita gente nom quer fazê-lo, a pesar do paro que hai. Mas é claro que , designadamente nos países ricos há muita procura e pouca oferta. Entom, claro está, a prostituta gasta-se rápido e querem-nas frescas, jovenzinhas. Se tu queres umha industria do sexo só com prostitutas voluntáias, será muito cativo. Nom podes ter umha indústria como na Alemanha, no Estado espanhol ou na Holanda sem trata de pessoas.

*Publicado originariamente em La Directa.