Por Antom Garcia Matos /
Há justo sete anos que nos deixava umha pessoa irrepetível: José Manuel Samartim Bouça, ‘Martinho’, figura capital do nosso independentismo contemporáneo. Recuperamos com este motivo o texto da autoria do seu grande amigo e irmao, lido na homenagem que se lhe tributou no cemitério de Fene em 14 de Novembro de 2011, e que já fora publicado neste portal polo seu valor informativo.
‘Com estas poucas palavras quero achegar um graozinho de areia ao labor coletivo de forjar a memória do nosso irmao. Umha memória que temos obrigaçom de transmitir ao nosso povo, aos nossos filhos, e estes aos seus filhos. Porque o único futuro possível é aquel que sustém todo o nosso passado de esforço e sacrifício, aquele no que brilham com luz própria os homens e as mulheres que melhor encarnárom o coraçom e a força do nosso povo.
Devo reconhecer que neste momento tenho muitas dificuldades para encontrar as palavras precisas. Quando tantos criminais de guerra e tantos ególatras acabam os seus dias miseráveis envoltos na bandeira de conveniência dos “bons e generosos”, da “humildade” e do “carinho do povo”…, entom um nom pode ter mais que sérios reparos em arroupar ao nosso irmao com as mesmas palavras que sovam e prostituem os politiqueiros e os publicistas. Cansados, até certo ponto, de palavras que servem para quase todo e valem para quase todos, quiçá nom vinha mal um pouco de contençom, hoje que já sabemos que as cousas que importam, as de verdade (com maiúsculas) precisam sempre de poucas palavras. Martinho ha se sentir mais à vontade.
Em Martinho algumhas palavras (humildade, generosidade, discreçom, solidariedade) som radicalmente autênticas. É radicalmente certo que o nosso irmao nom padecia do maior vício dos nossos tempos: a egolatria e o exibicionismo. Seria dos poucos capazes de receber mil homenagens em vida sem que o seu ego abalasse o mais mínimo. Preferia fazer a dizer, custava-lhe escrever e lia o justo, nunca pretendeu ser um inteletual nem tinha umha sabedoria enciclopédica. Nom necessitava ribaltas para sobreviver, nom colecionava nada e nom competia com ninguém (nem consigo mesmo). Foi um operário dos de verdade, e porque o foi de verdade, tinha umha Pátria e umha terra que amar e defender. Porque o foi de verdade, nunca idealizou a classe à que pertencia, nem necessitou de compensaçons literárias, filosóficas, políticas ou cientistas para encher-se de valor e coragem e abraçar a causa dos deserdados, que era a sua. Nunca precisou das redes cibernéticas para sentir-se vivo e próximo do seu povo,e com três ideias claras carcomidas polo tempo era capaz de lutar pola Independência e o Socialismo. Por todas estas poderosas razons era um herói. Por isso a sua perda é umha perda irreparável. Porque sem esta classe de heróis nom podemos avançar ante os desafios que temos pola frente.
Somos quase todos e todas filhos de umha política impotente, fundamentada na produçom de palavras e discursos, na produçom de apariências e de espaços competitivos. Valores como “humildade”, “generosidade” e “discreçom” acabam sempre confinados ao andar inferior da idiossincrasia pessoal”, ou no pior dos casos ao desvám onde vai para todo aquilo que nom sabemos onde colocar. Acabam irremediavelmente neutralizados e desativados para a organizaçom do Povo, para a rebeliom. Por isso Martinho estava, também, tam por acima de quase todos nós em termos políticos e ideológicos. Tinha aqueles valores inatos sem os quais hoje sabemos que nom é possível fazer política, organizar o povo e enfrentar-se a Espanha.
A trajetória política e social de Martinho é transparente, sem dobraduras nem áreas obscuras. Foi simples e previsível, portanto era dos imprescindíveis. Afortundamente as hordas de exegetas com os seus ataques preventivos vam ter umha missom impossível com o nosso irmao. Viveu os melhores anos da sua vida entregado à luta armada nas filas do Exército Guerrilheiro do Povo Galego Ceive, na rua, na montanha e nas cadeias espanholas. Foi um “terrorista” e um “radical”. Palavras com que os nossos inimigos baptizam a todos aqueles que nom aceitam a legalidade de quem nos submete, e que nos certificam que estamos no bom caminho. Foi o caminho do nosso irmao durante a maior parte da sua vida. Deve ser pacientemente reconstruído e divulgado, sem vitimismos e eufemismos.
Foi um guerrilheiro, e ademais um guerrilheiro competente, que pertenceu ao Estado Maior da sua organizaçom. Abandonou o seu trabalho em BAZAN para incorporar-se ao exército independentista, entregando a liquidaçom laboral à causa. Com a primeira base operativa do Exército Guerrilheiro, entrou armado a um banco com o objetivo de expropriá-lo. Detido pola Guarda Civil, foi torturado e encarcerado durante mais de um ano. Em liberdade volveu à luta armada, pujo bombas em infraestruturas energéticas do nosso país, botando abaixo com grande precissom torretas elétricas de alta tensom. À frente da base operativa que comandava voou com explosivos a conduçom de água e a torreta elétrica que alimentava a fábrica de ENCE, paralisando o complexo colonial por vez primeira, numha das melhores açons realizadas polo EG. Foi o máximo responsável da base guerrilheira de montanha “Augas Limpas”, liderando este acampamento de forma responsável e eficaz.
Detido polos Grupos de Operaçons Especiais em maio de 1988, levado a umhas ruínas polos serviços secretos espanhóis, de joelhos, com umha corda ao pescoço, enfrentou-se aos captores com umha coragem e determinaçom que mui poucos acreditariam. Nos interrogatórios da polícia mantivo-se firme. E quando osperros ameaçaram com morder atirou-se com todas as suas forças contra a vidraça da sala de interrogatórios, rompendo-se a cabeça. Quando entrou na cadeia de Ourense tivo forças para pôr-se em greve de fame em protesto polo seu iminente translado a um cárcere espanhol. No seu périplo de até 8 anos por cadeias espanholas continuou sendo um militante sério e combativo, dando vida ao coletivo de presos e presas indepedentistas galegas. Foi levado a celas de isolamento por nom humilhar-se ante os carcereiros, comeu notas de papel para que nom caíssem em maos dos algozes, negou-se a trabalhar para a instituiçom penitenciária… Em campanhas do coletivo participou em greves de fame e encerrou-se voluntariamente na cela durante mais de médio ano em protesto polas condiçons carcerárias.
Quando saiu da cadeia de Herrera de la Mancha em 1996, trouxo com ele a alma guerrilheira. Em menos de dous anos já participava em ataques com cócteis molotov ao lado de umha nova geraçom de combatentes. Como bom guerrilheiro galego nom tinha esquecido as boas práticas. Mais de umha vez, detido e preso nos calabouços da esquadra policial, agora acompanhando a militantes da Assembleia da Mocidade Independentista. Naturalmente que nom viveu sempre no fio da navalha. Nengum autêntico revolucionário vive sempre no fio da navalha, nem o pretende. Porque nom há nengumha guerra, nem a mais dramática que nos podamos imaginar, que nom seja capaz de habilitar espaços e recriar tempos para essas cousas da vida que necessitam pouco esforço, que nom nos ponhem a prova. Como extraordinário montanheiro que foi sempre, percorreu as principais montanhas da nossa Terra e gozou com a “nossa” natureza. Procurou o amor, combateu a soidade, sentiu-se fadigado e afogou a miséria de semanas e anos de trabalhos forçados em oásis artificiais de fins de semana… E isto engrandeceu-no ainda mais.
Mas nunca deixou de crer na necessidade do projeto político-militar para a nossa luta de libertaçom nacional, porque nunca acreditou que os espanhóis nos haviam deixar em paz polas boas. Militou incansavelmente para que a luta armada fosse umha realidade na nossa Naçom, para que os nossos opressores nom durmissem tranquilos e nom nos puidessem chamar nunca como se chamam entre eles: “democratas”. Porque esta seria a rúbrica da nossa derrota moral. E o tempo deu-lhe a razom, era possível pelejar e resistir às tentaçons suicidas e às inclinaçons de vasalagem. A luta armada da resistência galega está aí para demonstrá-lo. Tem a Martinho como um dos seus melhores guias. Choramo-lo profundamente e colhemos o seu fuzil e o seu exemplo: Martinho Vive!
VIVA GALIZA CEIVE
ANTES MORTOS QUE ESCRAVOS’