Por Soares Picalho (traduçom do galizalivre) /

Ruas inçadas de ensenhas imperiais; imprensa do regime a vozejar dia si e dia também contra os nacionalismos resistentes e a alimentar o ódio; independentistas das três naçons nas cadeias da Meseta; xenofobia incipiente contra os e as cataláns e carragem contra o galeguismo; parte da populaçom a se poluir com o discurso e a agressividade habitual das organizaçons armadas do Estado, polícia e guarda civil. Só houvo umha explossom semelhante de xenreira espanhola na nossa Terra, e foi há justo 81 anos. Ainda que na atualidade nom se exerce a violência massiva e nós fugimos de comparaçons simplórias, bom é levar em conta o que fixo Atila na Galiza de 1936. Contava-lho Soares Picalho a Eduardo Blanco Amor por correspondência. Um recordatório e umha homenagem às e aos que resistírom com honor e valentia a caça à dissidência.

 

‘Barcelona, 25 de Dezembro de 1936

Meu caro Eduardo: perdoa nom ter-te escrito antes. Desde que saim de Madrid -10 de novembro- pouco tempo tivem disponível. Percorrim as frentes de Aragom e estivem na Cartagena a visitar os galegos, que os há em toda parte, nomeadamente aqui, pois só os guardas de assalto som uns 400.

Escrevo-che com a alma desfeita, ao ter confirmaçom do assassinato do meu irmao Antom. El Socialista deu a lume a listagem publicada em Galicia com umha ‘fernida’ (sic) louvança para o vosso jornal. Mas eu ainda mantinha a ilusom de que o meu irmao estivesse vivo. Hoje, já nom me cabe dúvida. O nosso Antom, o meu grande camarada, o meu grande auxiliar, o meu melhor amigo, o meu inesquecível animador, foi assassinado a coices de fusil. Apareceu com todas as costelas rotas e a cabeça escachada. Aquela cabeça cheia de ideias generosas, de nobres pensamentos, de ilusons de futuro venturoso para a nossa pátria foi destroçada polos inimigos da Galiza, da Espanha! Poucos coma ti -quiçais ninguém- sabem como venerava eu o meu irmao. Queria-o mais que à luz dos meus olhos! Conheces o meu lar. Pois bem: o meu outro irmao mais novo que vem de entrar em idade militar foi mobilizado polos assassinos do seu outro irmao e tenhem-no na sua frente. O meu pai caiu numha espécie de parálise total e a minha mae enfermou gravemente. É todo o que sei! Eu prego-che, polo recordo da tua mae, que vejas o modo de me facilitar umha informaçom de alô com detalhes polo miúdo, por terríveis que forem. Pola Cruz Vermelha Internacional, por via diplomática, por meio dos evadidos, tratei de saber mais e nom me foi possível. Informa-me ti do que souberes. Já sabes que eu tenho aqui um outro irmao: Eduardo. Estamos juntos depois de 25 anos de arredamento. Como ele nom é conhecido alô e tem documentaçom norteamericana e é, como toda a minha casta, navegante de todos os mares, é possível que vaia para alô para fazer umha informaçom e ir à minha casa ver os que restam. Di ao meu irmao Leonardo que escreva a casa todas as semanas, animando os velhos se vivem, e a minha irmá Maria, e dizendo-lhes que Eduardo e eu estamos bem. E que havemos de ir a Galiza! Juntos. (…)

Na Galiza continua a racha brutal de assassinatos e fusilamentos. Em Sada já vam 27; na Corunha, 1600, e em Ferrol uns 6000. Igualmente em Lugo, Ourense e Ponte Vedra. O 20 de outubro fusilárom perto de 500 a raiz dumha tentativa de sublevaçom na Corunha, Betanços e Ferrol. A nossa terra mártir ficou varrida de republicanos e de obreiros militantes. Isto tem que fazer pensar os emigrados. Nom ficarám alô mais esquerdistas do que os emigrados da América e da zona leal. E toca-lhe a eles enxergar o futuro da Galiza. Quando ganharmos a guerra -e ganharemo-la irremisivelmente- cumpre construir a Galiza. E nessa tarefa devedes ser os primeiros os emigrados. Eles serám os pedreiros. Tendes cavilado nisso? Nós, si vivemos, achegaremos todo quanto estamos a ver na Catalunha, Valência e Vascónia. Mas nós temos sobre as nossas almas tanta amargura, tanta tristura, tanta dor, que ficaremos inúteis por todos os dias da nossa vida, para toda empresa criadora que nom fora a vingança. Pensade nisto. Por riba de todo, impom-se a uniom mais estreita de todos os setores ánti-fascistas dos nossos emigrados, prescindindo de todo quanto puder ser motivo de discórdia. Sobre essa base a Galiza salvará-se. Vam-na salvar os seus filhos, emigrados. Essa enorme riqueza física e espiritual que a Galiza possui, como nenhum outro país, fora das suas fronteiras, é hoje a única grande esperança. Pola nossa banda alimentamos em todos os nossos paisanos da zona ánti-fascista a enorme ilusom de irmos à Galiza em trem de Reconquista. É a suprema esperança de todos. Temos mesmo estudado algum projeto que nom me é dado explicar-che por carta. Contamos com a incondicional colaboraçom de Euskadi. Convém, logo, estardes à espreita para emprestardes ajuda quando a hora chegar.

Daí nom sei nada. Nom recebo Galicia desde Agosto. Agradeceria-che na alma que me mandasses a coleçom -Agosto inclusive- em pacote certificado à mesma direçom já indicada. E mais nada por hoje. Recordos a quantos me recordarem. Que o meu irmao escreva a casa! Para ti a aperta mais cordial, carinhosa, de

Soares Picalho.’

*Extrazido de Lopo, A. (ed.): ‘Querido Eduardo. Cartas de Suárez Picallo a Blanco Amor’, Chan da Pólvora, Compostela, 2016. Resumo e traduçom do galizalivre.