Por José Manuel Lopes /

Desde a viragem de século, a Galiza está viver um importante processo de recuperaçom e reinvençom de tradiçons que Espanha tinha sepultado: o Merdeiro no Entroido, o Apalpador no Natal, e a passagem de ano celta nesta mesma passada noite, mascarada baixo distintos nomes e celebrada de maneiras bem diferentes. Como sempre acontece nestes casos, nom faltárom oposiçons ferozes a este reencontro com o nosso passado, riscando-o de ‘fabulado’, ‘falacioso’ e ‘politizado’; esquecem os detratores que todas as tradiçons som, em certo modo, inventos, e que mudam com a sociedade que as mantém.

Na passada noite decorreu a festividade de origem pagao mais importante do nosso contorno; tanto é assi, que a Igreja Católica tivo que assimilar a velha festividade celta do final das colheitas com o ‘Dia de Defuntos’; e, todo há que dizê-lo, sem deformar o seu cerne. Pois em todas as culturas agrárias europeias o esmorecer da produtividade da terra na jeira outonal se associou com a morte numha data particular, onde o Aquém e o Além tinham umha certa capacidade de comunicarem-se. As flores que hoje levam aos camposantos as pessoas que lembram os seres queridos som a versom cristá do leite e as castanhas que, há milheiros de anos, os celtas deixavam nos cruzes de caminhos para os que já nom estám. Nesta etapa extraordinária permitia-se os vivos juntarem-se com os seus devanceiros e estabelecer diálogo com eles, que é o que vem cenificar veladamente o ritual cristao.

Desconhecemos a data certa de celebraçom do Sahmain celto-atlántico, mas si sabemos que era na lua cheia entre o equinócio de Outono e o solstício de Inverno, extendendo-se por dias a fio. A romanizaçom e o cristianismo eliminárom o importante papel do mediador ou druída; a Igreja oficializou no século VIII o ‘Dia de Todos os Santos’ consagrando-lhe umha vigília o 31 de Outubro. Desde que os ingleses chamárom a esta véspera ‘All Hallow’s Eve’, a celebraçom internacionalizou-se como ‘Halloween’, hoje convertida em encontro lúdico de massas sem nenhum significado espiritual.

Da Irlanda à Galiza.
Ao existir umha viçosa tradiçom escrita do mundo céltigo irlandês, conhecemos muito desta ‘Festa dos Mortos’ no extremo norocidental do continente: do seu ano organizado por luas (associado aos ciclos agrícolas), da porta aberta entre o natural e o sobrenatural ao longo de certas noites de Novembro, da comida deixada no exterior para espaventar os maus espíritos e atrazer os bons.

Na nossa terra carecemos de base documental para tempos mais recuados, mas a memória recente fala-nos de calacus iluminados em todo o nosso território rural, incluindo toda a Galiza oriental e os concelhos galegófonos da Estremadura espanhola; ou também de rapazes a pedirem pao polas portas (‘O migalho’).

Além da memória, e no pleno presente, os magustos inçam as nossas vilas e cidades, noutra mosta claríssima da vivência galega da Festa dos Mortos, onde a castanha (última colheita do ano) representa o vencelho com o Além.

Movimento associativo e paganismo.
Isto foi o que redescobriu o movimento associativo desde os inícios do século XXI. Graças ao trabalho voluntário de Rafael López Loureiro desde terras de Cedeira, a festa incluiu-se em unidades didáticas escolares e foi ganhando espaço. O trabalho dos centros sociais e de associaçons como ‘Amigos do Sahmain’ fijo o resto, levando às urbes do País a cabaça iluminada.

Mais recentemente, há quem enquadre a celebraçom do Ano Novo celta em coordenadas abertamente religiosas e pagás, como a Irmandade Druídica Galaica, que adoita organizar umha ceia de fim de ano, e a popularizar pola rede os conteúdos profundos desta data. Por baixo da cerimónia oca e consumista do ‘Halloween’ dos centros comerciais, a nossa Terra ainda guardou significados ocultos.