Por Manuel Albisas Albéniz (traduçom do galizalivre) /

Cumprem-se 30 anos do assassinato do líder revolucionário de Burkina Faso. Pujo no cerne da sua política transformadora a mulher como sujeito duplamente explorado.

‘Mulher fonte de vida, mas também mulher objecto. Mae, mas criada servil. Mulher ama-de-leite, mas mulher excusa. Trabalhadora nos agros e na casa, mas figura sem rosto e sem voz. Mulher dobradiça, mulher confluência, mas mulher encadeada, mulher à sombra do homem.’

(Thomas Sankara, 1987)

Cumprem-se 34 anos da implantaçom dum governo democrático e popular num dos países mais pobres da África e do mundo, Alto Volta, antiga colónia francesa. Ante este panorama, num país de estrutura sémi-feudal, com umha maioria de labregos empobrecidos, a Thomas Sankara e o seu governo colocava-se-lhe umha tarefa de gigantes: dar de comer, de beber, de vestir, dotar de vivendas, de ensino, de centros de saúde, etc. O mais básico, a verdadeiros ‘condenados da terra’, no senso que lhe dera a esta expressom o argelino Frantz Fanon.

Desde o ámago desta situaçom catastrófica, tivo a afouteza e a lucidez revolucionŕia de nom esquecer as mulheres do seu povo. Mais ainda, nesses anos, na África central esquecida do eurocentrismo constante e pedante, é a um tempo tenro e maravilhoso que um governante masculino, de formaçom católica na sua nenez e militar de carreira, sitúe no centro da sua política transformadora a emancipaçom da mulher.

É certo que as suas ideias marxistas o aproximariam a esta visom prioritária da revoluçom armada que tivo que emprender em Agosto de aquele mesmo ano 1983, mas bem sabemos, malfadadamente, que ao longo da história essa visom do mundo nom foi determinante: ser marxista, revolucionário, na política ou na economia, nom siginificava compreender e aplicar de verdade medidas rumadas para a libertaçom da mulher. Alexandra Kollontai, Rosa Luxemburg e Clara Zetkin podem dar fe disto.

Portanto, era compreensível que o país renomeado ‘Burkina Fasso’, isto é, ‘dos homens dignos’ (gostava de pensar que ‘Burkina’ está mal traduzido e refere-se mais bem a ‘pessoas dignas’, de certeza Thomas Sankara apoiaria isto), iria comprometer-se a combater todo tipo de exploraçom humana; antes do mais, a exploraçom e a desigualdade das mulheres. ‘A revoluçom e a libertaçom da mulher avançarám juntas’.

Essa unidade na luita vai ser umha constante nos anos que liderou o governo de Burkina Fasso, um país onde em 1982 o 99% das mulheres eram analfabetas. Por isso, ante as ideias que manifestava decote, estavam: ‘o objectivo da Revoluçom é dar o poder ao povo’; ou ‘a participaçom popular é o mais importante. O demais vem depois’. O seu grau de coerência leva-o a manifestar que ‘o peso das tradiçons seculares da nossa sociedade postergou as mulheres ao rango de animais de carga: as mulheres sofrem duas vezes as nefastas consequências da sociedade neocolonial, aturam os mesmos sofrimentos que os homens, e além disso estám submetidas por eles a mais sofrimentos. A nossa revoluçom dirige-se aos explorados e oprimidos, e portanto, também às mulheres’.

Em Setembro de 1984 já se topam três ministras no seu governo: Adele
Ouedraogo (Economia), Rita Sawadogo (Desporto) e Josephine Ouedraogo (Desenvolvimento da mulher e solidariedade familiar). E antes do seu infame assassinato no 1987 o governo que presidia estava composto por cinco ministras: Bernadette Sanon (Cultura e Ensino), Azara Bamaba (Sanidade), Beatrice Damiba (Meio Ambiente), Josephine Ouedraogo que repite carteira, e Adele Ouedraogo (Balance e Programaçom). Esta importáncia e preponderáncia nada tem a ver com como adoitam abordar o assunto da emancipaçom da mulher os burgueses ‘que nom é mais do que ilusom de liberdade e dignidade’.

Denuncia que esta superficialidade da moda sobre a ‘condiçom feminina’, que levou no antigo Alto Volta a creaçom do ministério da Condiçom Feminina, dirigido por umha mulher, se proclamara como umha vitória, quando na realidade ignorava-se na práctica de esse
“ministério-coartada” (como o qualificava) que essa condiçom estava
dererminada por estruturas sociais, políticas e económicas
determinadas, sem querer ver nem pôr em evidência as verdadeiras causas da dominaçom e exploraçom da mulher. ‘Nom suprende, entom, que mália a existência desse ministério, a prostituiçom aumentara, o acesso das mulheres a educaçom e emprego nom melhorara, os direitos civis e políticos das mulheres seguiram no limbo e as condiçons de vida das mulheres, tanto na cidade coma no campo nom melhoraram’.

Num discurso pronunciado em 1987, no dia 8 de Março, ante milhares de
mulheres burkinesas, Thomas Sankara expom o seu ideário pola libertaçom da mulher, que vinha desenvolvendo desde havia 4 anos. É um discurso que exprime em francês, mas que é traduzido à língua nacional ‘mooré’ na honra de muitas mulheres de zonas labregas isoladas e sem formaçom suficiente para entender correctamente o idioma da antiga metrópole, e que começa assim: ‘Nom é corrente que um home se dirixa a tantas mulheres à vez. Tampouco o é que um sugira a tantas mulheres à vez as batalhas que hai que livrar’.

Este discurso do revolucionário que se enfrontou às mais altas
instáncias capitalistas internacionais como o FMI, às chantagens dos
seus antigos amos franceses, à violência dos antigos opressores internos,
mas que também soubo ‘aterrar’ nos problemas reais e quotidianos do seu povo, remata-o assim para que a história o absolva dos seus possíveis erros:

‘Por isso, companheiras, precisamos-vos para umha verdadeira libertaçom de todos nós. Sei que sempre atoparedes a forçaa e o tempo necessários para ajudar-nos a salvar a nossa sociedade. Companheiras, nom haverá revoluçom social verdadeira até a mulher se libertar. Que os meus olhos nom tenham que ver nunca umha sociedade onde se mantém en silêncio a metade do povo.

Escuito o estrondo desde silêncio das mulheres, farejo o fragor da sua borrasca, sinto a carragem da sua revolta. Tenho a esperança na irrupçom fecunda da revoluçom à que elas achegaram a força e a rigorosa justiça, saídas das suas entranhas de oprimidas. Companheiras, adiante pola conquista do futuro. O futuro é revolucionário. O futuro pertence aos que luitam’.

*Publicado originalmente em lahaine.