Por Ramom Vilar Ponte (adataçom ortográfica de galizalivre) /

A exposiçom dos atropelos inclassificáveis de que fôrom objecto na derradeira luita eleitoral aqueles cidadaos livres e conscientes que, com jeito europeu, tivérom a valentia de rebelarem-se contra das imposiçons caciquis; os relatos dos amanhos crueis que em tantos sítios servírom para burlar a vontade do povo, imponhendo a arbitrariedade e o capricho dos menos sobre o desejo dos mais (…) Mas nós olhamos que aquela expetaçom e aquela curiosidade nom davam lugar, na maioria dos ouvintes, à reacçom imprescindível (…) As risadas com que alguns relatos eram acolhidos tinham para nós a lamentável revelaçom de algumha cousa que decote se observa entre todos nós.

Há entre os filhos da Galiza umha enorme cantidade de humorismo que fai com que, ainda naquelas cousas mais sérias e mais transcendentes, haja sempre um certo matiz de broma e algueirada. E este matiz é, quem poderia duvidá-lo? O que fai com que as nossas questons nom tenhem todo o aspecto de seriedade funda que deveram tê-la, e que, ainda tendo-a, nom mereçam aquela atençom -atençom que implica temor- e aquel respeito que devessem merecer por parte dos nossos inimigos. Trás dumha ameaça ou dumha afirmaçom rotunda semelha sempre debuxar-se o aceno arlequinesco do humorismo da raça. E contra disto devemos de ir, e contra disto iremos…

É preciso que a relaçom ou o conhecimento das befas e dos atropelos que com os nossos irmaos se comete sirvam para acordar em nós feros propósitos de vingança; quando isso acontecer nom serám as risadas as que abalam o nosso espírito a escuitar o relato dos feitos, senom que umha funda carragem remexerá até os mais ocultos recunchos da nossa alma.

É mister que as burlas caciquis ao direito dos nossos paisanos, ainda que tiverem muito de cómicas em ocasions -comicidade que tem o seu remate na tragédia- sejam tidas como tralhaços magoadores da nossa dignidade de bons galegos, cousa que hoje nom acontece, talvez por influir mais em nós o aspecto cómico das burlas que o caráter trágico que aquele aspecto oculta.

Falta-nos carragem. Falta-nos o sentimento da própria dignidade. Sabemos que é doroso escrever tais afirmaçons; mas é mister confessá-las e escrevê-las. Preciso é encher-se de indignaçom e dessa xenreira que se vai pola boca ou pola pluma, em artigos e discursos. É necessário que a nossa xenreira desbordando-se desde a alma chegue aos punhos, para que estes se encarreguem de fazer o que nem os artigos nem os discursos podem fazer. A acçom, a obra imediata, isso é o necessário…

A Nossa Terra, nº 47-48, A Crunha, 10 de Março de 1918.